quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Tempo Rei

                      Gilberto Gil

Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido transcorrendo, transformando
Tempo espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar, Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole, pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento
Transcorrei ó tempo rei ó tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me ó pai o que eu ainda não sei
Mãe senhora do perpétuo socorrer
Pensamento mesmo fundamento singular
Do ser humano, de um momento para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas, pais corujas
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam, não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo
Transcorrei ó tempo rei ó tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me ó pai o que eu ainda não sei
Mãe senhora do perpétuo socorrer.

canção gravada originalmente por Amelinha em seu disco " Água e Luz " de 1984. 

O que não se recupera

                                      Frei Betto

Existem quatro coisas na vida que não se recuperam: a pedra depois de atirada; a palavra de pois de proferida; a ocasião depois de perdida; e o tempo depois de passado. A pedra é a  fera adormecida em cada um de nós, o ímpeto agressivo, a sanha assassina, a dor que não se aplaca, a ferida aberta, o orgulho machucado, o ressentimento aflorado, o ódio incontido, a raiva acumulada, a emoção esgarçada.

A pedra no meio do caminho, como assinalou o poeta. Pedra na qual tropeçamos e, humilhados, apanhamos para transferir a outrem os próprios erros. Por isso Jesus, em sua sabedoria, desafiou os que acusavam a mulher adúltera a atirar a primeira pedra. Todos baixaram as mãos e o rosto. Um a um foram se afastando, envergonhados. Seus pecados não eram menores que os dela.

A palavra é a essência do humano diante do silêncio do Universo. As estrelas, o mar, as flores e os pássaros proferem o mesmo dizer, sem jamais ofender. Nós, seres humanos, fazemos da palavra arte ou agressão, ternura ou injúria, poesia ou acidez. E raramente agimos como aquela índia aimara que, à beira do lago Titicaca, na fronteira do Peru com a Bolívia, levou quinze minutos refletindo antes de responder à pergunta que eu lhe fizera.

Foi a palavra que criou o mundo e se fez carne. É a palavra insana que destrói a criação e promove guerras, dissemina discórdia, semeia a morte. " Lavra a tua palavra e lava a tua língua antes de pronunciar o teu dizer ",  disse-me canuto, camponês de Cordisburgo, a terra que gerou Guimarães Rosa, que recriou a palavra.

A ocasião é o cavalo encilhado que passa à frente. Monta-se ou perde-se. Mas também é ela que faz o ladrão, sobretudo quando não se tem princípios éticos, caráter,  refinamento espiritual, coerência de vida. Esses abraçam a ocasião equivocada e morrem de vergonha quando se torna pública.

A ocasião exige atenção, critério, discernimento, coragem. Sem ousadia não se abraça uma oportunidade, uma causa, um ideal, a utopia. Deixam escapar a boa ocasião os pusilânimes, os inseguros, os que dão mais ouvidos à boca alheia que à voz do coração.

A matéria prima da Bíblia é o tempo, argila da historicidade. Javé não é um deus qualquer. É o Deus de uma determinado percurso no tempo: o Deus " de Abraão, Isaac e Jacó ". Ao contrário de outros deuses, que em sua onipotência criariam de modo instantâneo (deuses-café solúvel). Javé criou a prazo, em sete dias.

Isso faz sentido se considerarmos que o contrário do tempo não é a eternidade. É o  amor. Ao irromper no tempo histórico como presença viva de Deus-Amor, Jesus nos convocou a nada mais esperar. " Esgotou-se o tempo " (Marcos 1,15), como quem proclama: " Já não há o que aguardar. Resta amar ". E, " se o amor faz passar o tempo e o tempo faz passar o amor ", como diz o provérbio italiano, nada mais irreconciliável com o tempo do que o amor. Bem o sabem os amantes, que gostariam de parar no infinito os ponteiros de seus relógios.

A modernidade, entretanto, nos faz escravos do tempo, ao contrário dos antigos e dos índios aldeados, donos do tempo. Basta observar que trazemos no pulso a algema do tempo, dividido em horas, minutos e segundos. Assim, já não nos damos tempo, nem temos tempo: para meditar, conversar, amar, divertir. É como se fôssemos náufragos perdidos em alto-mar, lutando sofregamente para sobreviver às ondas avassaladoras do tempo que ameaçavam nos afogar.

Bem vale lembrar o sábio poema de frei Antônio das Chagas (1831-1882): " Deus pede estrita conta do meu tempo/ e eu vou do meu tempo dar-lhe conta/ mas como dar, sem tempo, tanta conta,/ eu que gastei, sem conta, tanto tempo?/ Para ter minha conta feita a tempo,/ o tempo me foi dado e não fiz conta/ não quis, sobrando tempo, fazer conta,/ hoje quero acertar conta e não há tempo./ Ó vós que tendes tempo sem ter conta,/ não gasteis vosso tempo em passatempo./ Cuidai, enquanto é tempo, de vossa conta,/ pois aqueles que sem conta gastam o tempo,/ quando o tempo chegar de prestar contas,/ chorarão, como eu, o não ter tempo ". 

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Raios de Luz

                          Cristóvão Bastos/Abel Silva

Você chegou
E iluminou
O meu olhar
Teus olhos nus
Raios de luz
No azul do mar
Meu coração
Que sempre quis acreditar
Bateu feliz
Foi só você chegar
Sei que a paixão
Apaga o chão
Rareia o ar
Ser e não ser
Negar querer
Fugir ficar
Mas não fui eu quem quis assim
Aconteceu você pra mim
E eu não vou negar o que
O acaso quis pra nós
A chama desse amor me faz
Sorrir, cantar,
Te quero mais
Te chamo só
Pra repetir
Te amo!

música de abertura do CD Raio de Luz da cantora Simone, gravado em 1991.

não tive a oportunidade de dizer isso a você pessoalmente, então, fica o recado...

Você Vai Ficar na Saudade

                                Benito Di Paula

Você cortou o barato do meu amor
Você mentiu, iludiu e me deixou por fora
Você é a culpada do meu samba entristecer
Ah! Eu vou-me embora
Agora eu entrego os pontos e vou dizer porque
Você é mulher e é bonita e eu não posso esquecer
Você vai ficar na saudade, minha senhora
Ah! Eu vou-me embora
Adeus, amor, eu vou partir...

Além de Tudo

                      Benito Di Paula

Você  ficou sem jeito e encabulada
Ficou parada sem saber de nada
Quando eu falei que gosto de você
Você olhou pra mim e decididamente
Você falou tão delicadamente
Que eu não devia gostar de você
Mas a vida é essa e apesar de tudo
Gosto de você e que se dane o mundo
Quem sabe se nessas voltas que essa vida dá
Você pode mudar de ideia e me procurar
Vou esperar!

Eu vou ficar aqui até madrugada voltar
E trazer você pra mim
Vou ficar aqui!

Nossa Senhora

                             Roberto/Erasmo

                                                            E àqueles que fiz sofrer
                                                            Peço perdão... 


Cubra-me com seu manto de amor
Guarda-me na paz desse olhar
Cura-me as feridas e a dor
Me faz suportar
Que as pedras do meu caminho
Meus pés suportem pisar
Mesmo ferido de espinhos
Me ajude a passar
Se ficaram mágoas em mim
Mãe, tira do meu coração
E àqueles que fiz sofrer
Peço perdão
Se eu curvar meu corpo na dor
Me alivia o peso da cruz
Interceda por mim, minha mãe
Junto a Jesus

Nossa Senhora
Me dê a mão
Cuida do meu coração
Da minha vida, do meu destino

Nossa Senhora
Me dê a mão
Cuida do meu coração
Da minha vida, do meu destino
Do meu caminho, cuida de mim

Sempre que meu pranto rolar
Ponha sobre mim suas mãos
Aumenta minha fé e acalma
O meu coração
Grande é a procissão a pedir
A misericórdia, o perdão
A cura do corpo e pra alma
A salvação
Pobres pecadores, oh mãe
Tão necessitados de vós
Santa mãe de Deus, tem piedade de nós
De joelhos aos vossos pés
Estendei a nós vossas mãos
Rogai por todos nós, vossos filhos
Meus irmãos!

faixa do CD Joanna em Oração gravado em 2001.


O Saber Com Sabor

                          Armando de Morais Veloso

O que poderia vir a ser o saber com sabor? Existem inúmeras respostas. Uma delas traz como característica central o exercício cotidiano de pensar, sentir e agir sendo marcado pelo movimento de fazer e ser feito. A representação gráfica desse movimento pode ser uma espiral dialética e ascendente, que aponta para patamares sucessivos de qualidade de vida. A realidade macro, caracterizada pela chamada pós-modernidade, possui um movimento cuja identidade são relações onde os indivíduos fazem e não são minimamente feitos. No contexto micro da escola, fazer e ser feito levaria, por exemplo, ao desejo de estar no seu cotidiano e teria a autorrealização como uma de suas marcas. O predomínio do sabor sobre o dissabor já é o próprio saber com sabor. No âmbito da subjetividade, o saber com sabor gera a sensação, ao término do dia, de que foi uma jornada a mais e não a menos na existência da pessoa. Ou no pensar de Nietzsche, a percepção de dentro para fora do que venha a ser potência. Sentir um grau maior de potência, em relação à impotência, é um dos condimentos básicos na cozinha do saber com sabor.

É bastante curioso e necessário pensar, sentir e agir sobre as conexões entre a crise de paradigmas e o saber com sabor. Vivemos um momento horrivelmente-belo. Com hífen, pois assim aumenta a mistura entre os dois estados. Horrível pois tudo ou quase tudo caiu por terra. O que é vencer na vida? Qual a cara da felicidade? Aprovar no vestibular é sinônimo de uma boa escola? Como é uma boa aula? E o bom aluno? Responder a essas questões hoje é bem mais difícil do que trinta ou quarenta anos atrás. É bastante doído, e por vezes doido, experienciar a ausência de referências com uma consistência pelo menos razoável. Na essência da nossa essência, as dúvidas estão bem maiores do que as certezas. Isso é horrível, mas ao mesmo tempo é belo. Horrível, pois a pulverização das coordenadas norte - sul e leste - oeste nos deixa perdidos no oceano, e belo, pois nos oportuniza a descoberta de novas terras.

A procura e o encontro de ilhas desconhecidas pode ser a alegoria do processo de mudança. O que pode acontecer quando nos deparamos com a necessidade de mudar? Tentamos, neuroticamente, fazer mudanças sem mudar. Ou seja, queremos mudar sem sofrer os dissabores, as dores da desestruturação. Idealizamos o paraíso como um caminho reto e direto da estruturação para a reestruturação, e repleto de sabores e prazeres. Ocorre que tentar fazer omelete sem quebrar os ovos tem baixa ou nenhuma correspondência com a realidade. Ainda bem que a textura da carne do cotidiano parece estar mais para o negativo e contraditório do que para o linear e positivo. Exatamente o contrário do que nos ensinaram e, normalmente, ensinamos.

Se as dúvidas estão maiores do que as certezas, e se a cada vivência das mudanças podemos ampliar as nossas matrizes de aprendizagem e elaborar os nossos medos, então ousar, experimentar, inventar, pular o muro, tudo isso deixou de ser tão difícil quanto há trinta ou quarenta anos. Podemos " enlouquecer " sem tanta culpa. As patrulhas, sobretudo as internalizadas, continuam existindo mas perderam parte da sua força. As receitas, sejam de que natureza for, tornaram-se redutoras e empobrecedoras da complexidade do ato de existir. O nosso zeitgeist, o nosso espírito do tempo é ou deveria ser a não existência de dogmas. Isso é belo, saboroso, uma belezura sem tamanho, num empréstimo do estilo da linguagem de João Guimarães Rosa. Causa muito mais encanto do que espanto.

A conclusão, se é que podemos chamá-la assim, é a " provocação " a seguir. Na cozinha da existência psicopedagógica, onde estariam os ingredientes do saber com sabor? Em um desafio duplo: transformar se transformando. Afinal, as dissociações, em regra, são bastante complicadas. Assim, como o caso da tentativa de fazer um curso de natação somente por correspondência.

É Hora de Plantar

                          Ana Clara Andrade

É hora de plantar...

É hora de plantar amor,
para colhermos pessoas mais sensíveis;

É hora de plantar felicidade,
para colhermos pessoas mais realizadas;

É hora de plantar fraternidade,
para colhermos pessoas mais compreensivas;

É hora de plantar paz,
para colhermos pessoas menos violentas;

É hora de plantar simplicidade,
para colhermos pessoas mais felizes;

É hora de plantar humildade,
para colhermos pessoas mais dedicadas;

É hora de plantar otimismo,
para colhermos pessoas mais plenas;

É hora de plantar tolerância,
para colhermos pessoas mais pacientes;

É hora de plantar valores humanos,
para colhermos um mundo melhor!


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pacto

                 Bruna Lombardi

Entre o teu signo e o meu
Existe uma possibilidade
De veneno
Umas intas de vermelho
Meu moreno

E se a paixão há de ser provisória
Que seja louca e linda
A nossa história



Que Me Venha Esse Homem

                         David Tygel/Bruna Lombardi

Que me venha esse homem
Depois de alguma chuva
Que me prenda de tarde
Em sua teia de veludo
Que me fira com os olhos
Que me penetre em tudo

Que me venha esse homem
De músculos exatos
Com um desejo agreste
Com cheiro de mato
Que me prenda de noite
Em sua rede de braços

Que me venha com força
Com gosto de desbravar
Que me faça de mata
Pra percorrer devagar
Que me faça de rio
Pra se deixar naufragar

Que me salve esse homem
Com sua febre de fogo
Que me prenda no espaço
De seu passo louco

Que me venha esse homem
Que me arranque do sono
Que me venha esse homem
Que me machuque um pouco

Esta música foi gravada originalmente por Amelinha em seu segundo disco intitulado " Frevo Mulher " gravado em 1979.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Reabilitação do Cachorrinho Engraçadinho

                                           Cecília Meireles

Aquele cachorrinho engraçadinho, cuja história tive ocasião de contar outro dia, com suas travessuras e audácias levou a dona da casa a um estado de quase desespero. Disse-me a pobre moça que o bichinho se tornara extravagante: comia botões, bolas de gude, esponjas de banho, rolha de garrafa, carretéis de linha e aparecia-lhe muito faceiro lambendo-se com delícia, com um ar que lhe parecia de provocação. De modo que ela resolvera botar as cartas na mesa, manifestar o seu descontentamento, e, se fosse preciso, lançar um ultimato. Era preciso optar: ou ela, ou o cachorrinho engraçadinho.

Ora, essa decisão solene foi precedida de uma longa exposição acerca do comportamento do gracioso animalzinho, que a todos seduzia com seus encantos, mas já causava tais prejuízos que, tudo bem considerado, sua presença representava uma soma de fatores negativos muito superior à dos positivos.

O cachorrinho engraçadinho estava ao seu lado e ouvia. Foram exibidas provas esmagadoras, almofadas rotas, tapetes manchados, objetos quebrados, o que justificava a atitude da dona da casa, na decisão que pretendia tomar. O cachorrinho engraçadinho levantava os olhos, de vez em quando, para cada peça do corpo de delito, e logo os baixava, com uma preocupação de consciência que os próprios homens já vão perdendo. E todas as vezes que seu nome era citado, ao longo da acusação, suas orelhas sedosas estremeciam e o cachorrinho engraçadinho suspirava - ai de nós! - como se quisesse dar uma demonstração de arrependimento.

Terminada a discussão, cada qual foi tratar dos seus assuntos, e o bichinho retirou-se para um canto, humildemente, como um réu cheio de remorso que reconsidera os seus crimes. Passou o resto do dia muito triste, sem nenhum entusiasmo, cabisbaixo e deprimido. À noite, recolheu-se à sua caminha, solitário e pensativo, sem molestar ninguém.

Tal foi a sua atitude que nunguém pôde deixar de reparar. Se o chamavam, aproximava-se, porém, sem alegria. Levantava os olhos a custo e o menino também entristecido, que já não ousava fazer manivela com o seu rabinho, descobriu que o cachorrinho engraçadinho parecia capaz de chorar.

No dia seguinte, quando todos se dispunham a mandar para longe o cachorrinho engraçadinho, a dona da casa mudou de ideia. Enquanto lhe vestia o casaquinho de lã, raciocinava: eu tenho aturado neste mundo tanta gente detestável! Ingratos, maldizentes, hipócritas! Gente que tem estragado a minha vida de propósito, enquanto este bichinho estraga a minha casa por inocência! O mundo está cheio de pretensiosos, de incompetentes, de arrogantes: e eu os suporto - nas ruas, nos ônibus, nas repartições...

Tanta gente emboscada, preparando-se para assaltar os deprevinidos! Tanta falta de amor! Tanta competição, tanto ódio. E este pobre cachorrinho, cordial e afetuoso, a transbordar alegria, a brincar com todos, a distribuir carinho de maneira tão efusiva! Um bichinho analfabeto, sem escola nenhuma, sem nenhuma disciplina! É isso: falta-lhe apenas a necessária educação!

A moça fez um afago na cabeça do cachorrinho engraçadinho, já tão desiludido que até ficou sem saber se era um afago de verdade, ou uma distração da moça que o vestia. Ela, porém, tornou a afagá-lo nas orelhas sedosas, levantou-lhe o focinho triste, para ver-lhe os olhos. E então ele percebeu que não estava desprezado, que não o odiavam, que o compreendiam e perdoavam, e ficou a princípio estarrecido. depois achegou-se a ela, refugiou-se na sua bondade, tão claramente comovido e agradecido, que a família se deteve em lágrimas, diante daquele quadro singular.

Por isso, o cachorrinho engraçadinho, que tem nome, coleira, casaquinho, e está vacinado com soros legítimos, o cachorrinho de orelhas sedosas e rabinho de manivela,  continuará naquela casa, onde vai ser educado segundo os melhores manuais para vir a ser, na sua condição canina, o que desejaríamos que os homens fossem na sua condição humana.

O Cachorrinho Engraçadinho

                                Cecília Meireles

Há coisa mais triste que um menino sem irmãos nem companheiros, fechado num apartamento? Foi por isso que a família resolveu arranjar um cachorrinho para brincar com o filho único. Os brinquedos, afinal, são máquinas e acabam por enfastiar; o cachorrinho é um brinquedo vivo, quase humano, o melhor amigo do homem etc. E veio o cachorrinho, muito engraçadinho. Todos o cercavam, encantadíssimos. Dizem que os cães sempre se parecem com os seus donos; este parecia-se com os donos, com os amigos dos donos e até com os empregados da casa. Não se pode ser mais amável. Era pretinho, lustroso, com umas malhas cor de mel em certos lugares do focinho e do corpo. Orelhas sedosas e moles, e um rabinho que o menino logo descobriu poder funcionar como manivela. E assim o utilizou.

O cachorrinho também parecia contentíssimo, e pulava para cá e para lá, e às vezes parecia um cavalinho em miniatura. Mas era uma miniatura Pinscher.

Não era só engraçadíssimo; era inteligentíssimo. Se lhe ensinassem, creio que chegaria a atender o telefone. Instalou-se no apartamento como se fosse o seu principal habitante. A vida passou a girar em torno dele. Deram-lhe coleira, casaquinho, osso artificial para brincar, puseram-lhe nome, compraram-lhe biscoitos. Pensando bem, era muito mais feliz que o menino cuja felicidade se cogitava. Talvez ele até entendesse o que diziam a seu respeito, pois a cozinheira reparou que sua inteligência excedia a das criaturas humanas. Via-o fitar um ponto no vazio, acompanhar uma presença invisível, para a qual latia, demonstrando ser um animal dotado de poderes sobrenaturais: um cãozinho vidente. Nessas condições, nem precisava entender a nossa linguagem: podia captar diretamente os pensamentos...

O cachorrinho engraçadinho recebia as visitas com grande efusão. Mordia-as de brincadeira nas pernas e nos braços, às vezes puxava um fio de meio - mas era muito engraçadinho - dava saltos verticais que nem um bailarino, e, como estava na muda dos dentes, babava as pessoas com muito entusiasmo e de vez em quando deixava cair por cima delas um de seus dentinhos, tão brancos e primorosos que pareciam de matéria plástica.

Além de receber as visitas, o cachorrinho engraçadinho sentava-se ao lado delas, acompanhava com os olhos as suas expressões, despedia-se delas com muita gentileza.

Acostumou-se de tal modo à família que não quis mais dormir sozinho, passou a ocupar o melhor lugar das camas, como ocupava o das poltronas. E quis também comer à mesa, escolhendo uma cadeira e colocando as patinhas no lugar que a etiqueta recomenda, e que já bem poucas pessoas conhecem - como se pode observar em qualquer restaurante.

Até certo ponto o cachorrinho engraçadinho foi um divertimento, slavo quando molhava os tapetes ou as almofadas. Mas que era isso, comparado à sua brilhante inteligência, à graça dos seus pulos, à amabilidade das suas comunicações, à malícia com que acompanhava os programas de televisão, às ideias que evidentemente possuía, deixando de manifestá-las apenas por não se expressar ainda em idioma dos homens?

Mas errar não é só humano, é também canino. E o cachorrinho engraçadinho começou a abusar. E atreveu-se, num jantarzinho íntimo, a pular para cima da mesa, a meter o focinho nos pratos, a derrubar os copos com os seus movimentos na verdade muito graciosos, mas inadequados. Diante do que, a família pesarosa e perplexa, vê-se na contingência de passar adiante a quem disponha de jardim ou quintal, o cachorrinho engraçadinho, com pedigree , nome, coleira, vacinado com soros legítimos, de casaquinho de lã e rabinho de manivela, porque, para os homens como para os cães, a liberdade de uns termina onde a dos seus vizinhos começa.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Homens e Mulheres

                                Ana Carolina

E eu gosto de homens e de mulheres
E você, o que prefere?
E você, o que prefere?

Homens que dançam tango
Mulheres que acordam cedo
Homens que guardam as datas
Mulheres que não sentem medo
Homens de toda idade
Mulheres, até as genéricas
Homens que são de verdade
Mulheres de toda a América

E eu gosto de homens e mulheres
E você, o que prefere?
E você, o que prefere?

Homens no sinal verde
Mulheres de batom vermelho
Homens que caem na rede
Mulheres que são meu espelho
Mulheres na guitarra
Homens de corpo e mente sã
Homens vestindo sobretudo
Mulheres, melhor sem sutiã
Homens que enrolam serpentes
Mulheres que vão na frente
Homens de amar tão de repente
Mulheres de amar pra sempre

E eu gosto de homens e de mulheres
E você, o que prefere?
E você, o que prefere?

música do CD Dois Quartos de Ana Carolina

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sinal de Amor e de Perigo

                      Patinhas/Capenga

À noite a cidade parece que some
Perdida no sono, nos sonhos dos homens
Que vão construindo com fibras de vidro
Com canções de infância, com tempo perdido
Um grande cartaz, um painel de avisos
Um sinal de amor e de perigo

Há tempo em que a terra parece que some
Em meio à alegria e à tristeza dos homens
Que olham pros campos, pros mares, cidades
Pras noites vazias, pra felicidade
Com o mesmo olhar de quem grita no escuro
O melhor foi feito no futuro

Enquanto o amor for pecado e o trabalho um fardo
Pesado, passado, presente mal dado
As flores feridas se curam no orvalho
Mas os homens sedentos não encontram regato
Que banhe seu corpo e lave sua alma
O desejo é forte mas não salva

Enquanto a tristeza esmagar o peito da terra
E a saudade afastar as pessoas partindo pra guerra
Nós vamos perdendo um tempo profundo
A força da vida, o destino do mundo
O segredo que o rio entrega pra serra
Haverá um homem no céu e deuses na terra.

Canção de onde foi tirado o título do disco de 1981 de Diana Pequeno, Sinal de Amor.

Vagando

                   Paulinho Pedra Azul

No céu entre as estrelas vou cantando
E a terra vai formando um coração
Palavras são tão poucas pra dizer
Que estou vagando assim só por amor
Ferido, chorando
Com peito aberto em chamas
Estou morrendo em minhas mágoas
Transbordo a lua e vejo o mar
Não é nem sonho ou fantasia
É a dor constante e a agonia
De um coração cantando o amor

Canção gravada no disco de 1981 da cantora Diana Pequeno intitulado Sinal de Amor

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ruas de Outono

                        Antônio Villeroy/Ana Carolina

Nas ruas de outono, os meus passos vão ficar
E todo o abandono que eu sentia, vai passar
As folhas pelo chão que um dia o vento vai levar
Meus olhos só verão que tudo poderá mudar.
Eu voltei por entre as flores da estrada
Pra dizer que sem você não há mais nada
Quero ter você bem mais que perto
Com você eu sinto o céu aberto.
Daria pra escrever um livro, se eu fosse contar
Tudo que passei antes de te encontrar
Pego sua mão e peço pra me escutar
Teu olhar me diz que você quer me acompanhar.
Eu voltei por entre as flores da estrada
Pra dizer que sem você não há mais nada...

Música lançada originalmente no CD duplo Dois Quartos. Regravada posteriormente por ela com participação especialíssima da Zizi Possi no Multishow Registro - Ana Carolina 9+ 1 lançado em 2009.
Sensacional.


O meu recado pra você...

Tolerância

                       Antônio Villeroy/Ana Carolina

Como água no deserto
Procurei seu passo incerto
Pra me aproximar
A tempo.
O seu código de guerra
E a certeza que te cerca
Me fazem ficar atento
Não me importa a sua crença
Eu quero a diferença
Que me faz te olhar
De frente.
Pra falar de tolerância
E acabar com essa distância
Entre nós dois.
Deixa eu te levar
Não há razão e nem motivo
Pra explicar
Que eu te completo
E que você vai me bastar
Tô bem certo de que você vai gostar
Você vai gostar.
Como lava no oceano
Um esforço sobre-humano
Pra recomeçar
Do zero
É que o amor é soberano
E supera todo engano
Sem jamais perder
O elo.
E é por isso que te espero
E já sinto a mesma coisa em seu olhar.
Deixa eu te levar
Não há razão e nem motivo
Pra explicar
Que eu te completo
E que você vai me bastar, eu sei
Tô bem certo de que você vai gostar
Você vai gostar

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Só Por Hoje

                        Dado Villa-Lobos/Renato Russo 

Só por hoje eu não quero mais chorar
Só por hoje eu espero conseguir
Aceitar o que passou e o que virá
Só por hoje vou me lembrar que sou feliz.

Hoje eu já sei que sou tudo que preciso ser
Não preciso me desculpar e nem te convencer
O mundo é radical
Não sei onde estou indo
Só sei que não estou perdido
Aprendi a viver um dia de cada vez.

Só por hoje eu não vou me machucar
Só por hoje eu não quero me esquecer
Que há algumas pouco vinte e quatro horas
Quase joguei minha vida inteira fora

Não não não não
Viver é uma dádiva fatal,
No fim das contas ninguém sai vivo daqui mas -
Vamos com calma!

Só por hoje eu não quero mais chorar
Só por hoje eu não vou me destruir
Posso até ficar triste se eu quiser
É só por hoje, ao menos isso eu aprendi.

música que fecha o álbum " O Descobrimento do Brasil ", de 1993 da Legião Urbana.

Dez Preceitos da Serenidade

                                              Papa João XIII


1- Só por hoje tratarei de viver exclusivamente este dia, sem querer resolver o problema de minha vida, todo de uma vez.

2- Só por hoje terei o máximo cuidado com o meu modo de tratar os outros: delicado nas minhas maneiras, não criticarei ninguém, não pretenderei melhorar nem disciplinar ninguém, a não ser a mim.

3- Só por hoje sentir-me-ei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz, não só no outro mundo, mas também neste.

4- Só por hoje adaptar-me-ei às circunstâncias sem pretender que as circunstâncias se adaptem a todos os meus desejos.

5- Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura, lembrando-me de que assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a vida de minha alma.

6- Só por hoje praticarei uma boa ação sem contá-la a ninguém.

7- Só por hoje farei uma coisa de que não gosto, e se for ofendido em meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba.

8- Só por hoje farei uma programação bem completa do meu dia. Talvez não a execute perfeitamente, mas em todo caso vou fazê-la. E guardar-me-ei de duas calamidades: a pressa e a indecisão.

9- Só por hoje ficarei bem firme na fé de que a Divina providência se ocupa de mim como se existisse somente eu no mundo, ainda que as circunstâncias manifestem o contrário.

10- Só por hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de crer na bondade.

O que são valores humanos?

Os valores humanos são fundamentos morais e espirituais da consciência humana. Todos os seres humanos podem e devem tomar conhecimento dos valores a eles inerentes. A causa dos conflitos que afligem a humanidade está na negação dos valores como suporte e inspiração para o desenvolvimento integral do potencial individual e consequentemente do potencial social. Não é possível encontrar o propósito da vida sem esses valores que estão registrados em nosso ser profundo, ainda que adormecidos na mente e latentes na consciência. Os valores são a reserva moral e espiritual reconhecidas da condição humana.

A vivência dos valores alicerça o caráter e reflete-se na conduta como uma conquista espiritual da personalidade. Nesse grandioso drama humano, criado por nossos erros e acertos, os valores abrem espaço e trazem inovações essenciais para a sobrevivência da espécie e o cumprimento do papel do ser humano na criação. Vivemos tempos críticos, violentos e desesperados: isso acontece devido ao fato de grande parte da humanidade ter esquecidos seus valores e tê-los considerados até ultrapassados e desinteressantes.

O medo, o desamor e o engano têm qualificado nossos relacionamentos emocionais e operativos com nossos semelhantes e com o mundo. Verificamos que, sem o exercício dos valores intrínsecos ao ser humano, andamos por caminhos de dor, deteriorando a qualidade de vida no planeta. Neste século, fomos mobilizados por ideologias que inverteram a escala dos valores e assim estabeleceram tensões sócioeconômicas, gerando perplexidades, individualismo e desalento. Por outro lado, não podemos deixar de enfocar que, apesar do descompassado desenvolvimento que tivemos, negligenciamos o humano em prol da economia e da tecnologia, desse caldo borbulhante de inquietações e discrepâncias surgiu a mudança dos conceitos de poder e felicidade.

A constatação da ineficácia das coisas materiais, da fama e do poder econômico como portadores de felicidade, trouxe à tona a autoindagação e a necessidade de mudanças. Pouco a pouco percebemos que a felicidade é uma conquista da alma e portanto independente de circunstâncias e satisfação de desejos.

O resgate dos valores humanos é o nosso grande desafio, mas o ser humano tem reservas inesgotáveis de transformação. Temos nos valores morais e espirituais o grande instrumento de aprimoramento e o traço de união dos povos, sem distinção. Os valores promovem a verdadeira prosperidade do homem, da nação e do mundo.

autoria desconhecida

Por Onde Passes

Quando cada dia se te apresenta, em torno de atividades a que o dever te vincula, aparecem as tarefas com as quais não contavas. Geralmente, são pequenos encargos que a vida te propõe em nome de Deus.

É o amigo desesperado, a mulher vergastada pelo sofrimento, o desconhecido em dificuldade, o doente esquecido ou a criança sem rumo, a te pedirem apoio e consolação. Não passes indiferente, diante da dor. Cede um minuto do tempo de que dispões ou algo do que possuis para diminuir o frio da penúria e a febre da aflição.

Uma frase iluminada de amor e qualquer migalha de socorro na benção da compreensão operam prodígios.

Pronuncie as palavras que libertam os corações encarcerados na angústia, tece um véu de esperança sobre as feridas ocultas, improvise algum reconforto para que os que carregam conflitos e lágrimas, alivie os que choram e faze sorrir de algum modo aqueles que transitam pelos caminhos empedrados da solidão. O tempo é uma estrada que todos somos compelidos a percorrer.

Segue plantando paz e semeando alegria. Deus não nos pede o impossível. Tanto quanto nos sucede, onde estamos, a vida na Terra te solicita, onde passes, esse ou aquele toque de amor, a lembrar-te que o reino da felicidade começa em ti.

autoria desconhecida

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Crítica

Tradicionalmente, tem-se afirmado que o homem é um animal racional. Com essa afirmação, pretende-se dizer que ele não é apenas inteligente, mas possui alguma capacidade que o torna diferente dos outros animais, revelada em atos inteligentes, mas com uma dimensão muito peculiar.

Ser racional significa, em princípio, ser dotado de razão ou ter possibilidade de raciocinar: inferindo, concluindo, analisando, sintetizando, demonstrando e projetando o pensamento. Acima de tudo, raciocinar é ser capaz de criticar.

Criticar não é só sinônimo de " pixar ", " difamar " ou " denegrir "; criticar é, antes de tudo, a mais nobre prova da racionalidade e implica analisar aspectos positivos e negativos de uma coisa, ideia ou situação, avaliar esses aspectos e sobre eles emitir um julgamento. Em síntese, criticar é julgar e o próprio ato de julgar induz a uma tomada de decisão ou a assumir uma posição diante de uma situação, ideia ou coisa.

Assim, a crítica desponta como uma atividade intelectual indispensável à vida humana, porque a cada hora todo homem é chamado a decidir e tomar posição.

Evidentemente, quando se fala de crítica como atividade racional, não é possivel entendê-la como " destrutiva " ou " construtiva ", pois toda ela se constitui como a desnudação de algo para, deixando de lado a simples aparência, penetrar nos aspectos essenciais de uma situação, ideia ou coisa.

De fato, o ser humano normal, sobretudo adulto, deve aprender a criticar e receber crítica, as duas coisas são como faces de uma mesma moeda: uma não existe sem a outra. Receber e oferecer crítica se constituem, pois, como o mais pleno exercício da racionalidade e o não realizar esse exercício já implica " abrir mão ", mesmo que temporariamente, da capacidade de ser racional.

Algumas pessoas, por falta de aprendizagem, omitem-se em relação à crítica e admitem que ela representa um prejuízo ou um desvalor. É claro: essas pessoas ainda não atingiram a maturidade e, por isso, não são capazes de realizar o mais fácil, que é a autocrítica.

A autocrítica é o primeiro estágio da atividade intelectual de criticar e aqueles que não ultrapassaram esse primeiro estágio necessitam ser apoiados, para aprender a exercer a plena racionalidade.

autoria desconhecida

Mensagem

Entre! - disse Deus pra mim - Então você gostaria de Me entrevistar?
- Se o Senhor tiver um tempinho...
Ele sorriu de forma tranquilo dizendo:
- Meu tempo chama-se eternidade. O que você gostaria de Me perguntar?
- Nada de novo para o Senhor. O que o surpreende mais nos seres humanos?
Nem parou para pensar. Parece que as respostas sempre estiveram lá, esperando por alguém que as quisesse ouvir:
- Que eles se cansam de serem crianças, têm pressa em crescer, mas depois lamentam não serem mais pequenos. Que eles perdem sua saúde para ganhar dinheiro e então perdem seu dinheiro para recuperar a saúde... Que, por tanto pensar em seu futuro, acabam se esquecendo do presente, de tal forma, que não vivem nem no presente ou no futuro. Que eles vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido...
Suas mãos agarraram as minhas e houve silêncio. Ainda pensando em Suas palavras, tomei fôlego e disse:
- Posso perguntar mais uma coisa?
Ele apenas sorriu. Notei, entretanto, que, por trás daquele gesto, havia um quê de desapontamento e tristeza. A imagem era emocionante. Lágrimas podiam ser vistas forçando a saída de Seus profundos olhos. Eu sabia que era responsável por essa situação. Era momento de deixar de ser repórter e virar filho:
- Pai - aos prantos, perguntei: - o que o Senhor pediria que nós, Seus filhos, fizéssemos neste novo ano?
- Que aprendam que não podem fazer com que todos os amem, mas que deixem ser amados. Que aprendam que leva anos para construir a confiança e apenas alguns segundos para destruí-la. Que aprendam que o mais valioso não é o que têm em suas vidas, mas quem têm em suas vidas. Que aprendam que não é bom comparar-se aos outros, pois sempre haverá melhores e piores. Que aprendam que uma pessoa rica não é aquela que tem mais, mas aquela que precisa menos. Que aprendam que devem controlar seus ímpetos, para não serem controlados por eles. Que aprendam que bastam apenas alguns instantes para abrir profundas feridas em quem amamos, mas anos para curá-las. Que aprendam que existem pessoas que os amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar seus sentimentos. Que aprendam que dinheiro compra tudo, menos a felicidade. Que aprendam que, embora tenham o direito de entristecer-se, não têm o direito de entristecer os outros. Que aprendam que grandes sonhos não precisam de asas para serem alcançados, mas de uma pista de pouso para se tornarem realidades. Que aprendam que nem sempre é suficiente ser perdoado pelos outros: vocês precisam perdoar a si mesmos. Que aprendam que são mestres do que possuem e escravos do que dizem. Que aprendam que a verdadeira felicidade não é conquistar seus objetivos, mas estar satisfeito com o que já conquistou. Que aprendam que duas pessoas podem olhar para a mesma coisa e ver algo totalmente diferente. Que aprendam que mesmo que pensem não possuir nada para dar, têm dentro de si o maior dos presentes. Que aprendam que amar é o melhor meio de aproximar as pessoas. Que aprendam que até mesmo a palavra " amar " tem vários significados. Que aprendam que não precisam fazer algo extraordinário para que Eu os ame: Eu simplesmente o faço. Que aprendam que a menor distância que vocês, meus filhos possam estar de mim é... uma prece.

autoria desconhecida

O Escritor e o Suicídio

                                 Luís Fernando Veríssimo

Depois de fazer o laço da forca e colocar uma cadeira embaixo, o escritor sentou-se atrás de sua mesa de trabalho, ligou o computador e digitou: " No fundo, no fundo, os escritores passam o tempo todo redigindo a sua nota suicida. Os que se suicidam mesmo são os que a terminam mais cedo. "

Levantou-se, subiu na cadeira sob a forca e colocou a forca no pescoço. Depois retirou a forca do pescoço, desceu da cadeira, voltou ao computador e apagou o segundo " no fundo " . Ficava mais enxuto. Mais categórico. Releu a nota e achou que estava curta. Pensou um pouco, depois acrescentou:

" Há os que se suicidam antes para escapar da terrível agonia de encontrar um final para a nota. O suicídio substitui o final. O suicídio é o final. "

Levantou-se, subiu na cadeira, colocou a forca no pescoço e ficou pensando. Lembrou-se de uma frase de Borges. Encaixa, pensou, retirando a corda do pescoço descendo da cadeira e voltando ao computador. Digitou: " Borges disse que o escritor publica seus livros para livrar-se deles, senão passaria o resto da vida escrevendo-os. O suicídio substitui a publicação. O suicídio é a publicação. No caso, o livro livra-se do escritor. "

Levantou-se, subiu na cadeira, mas desceu da cadeira antes de colocar a forca no pescoço. Lembrara-se de outra coisa. Voltou ao computador e, entre o penúltimo e o último parágrafo, inseriu: " Há escritores que escrevem um grande livro, ou uma grande nota suicida, e depois nunca mais conseguem escrever outro. Atribuem a um bloqueio, ao medo do fracasso. Não é nada disso. É que escrevem a nota, mas esqueceram-se de suicidar. Passam o resto da vida sabendo que faltou alguma coisa na sua obra e não sabendo o que é. Faltou o suicídio. "

Levantou-se, ficou olhando a tela do computador, depois sentou-se de novo. Digitou: " No fundo, no fundo, a agonia é saber quando se terminou.  Há os que não sabem quando chegaram ao final da sua nota suicida. Geralmente são escritores de uma obra extensa. A crítica elogia a sua prolixidade, a sua experimentação com formas diversas. Não sabe que ele não consegue é terminar a nota. "

Desta vez não se levantou. Ficou olhando a tela, pensando. Depois acrescentou: " É claro que o computador agravou a agonia. Talvez uma nota suicida definitiva só possa ser manuscrita ou datilografada à moda antiga, quando o medo de borrar o papel com correções e deixar uma impressão de desleixo para a posteridade, leva o autor a ser preciso e sucinto. "

Tese: é impossível escrever uma nota de suicídio no computador.

Era isso? Ele releu o que tinha escrito. Apagou o segundo " no fundo ",

Era isso. Por via das dúvidas, guardou o texto na memória do computador. No dia seguinte o revisaria. E foi dormir.

A lenda das três árvores

                             Havia no alto da montanha três árvores que sonhavam o que seria depois de grandes.
                             A primeira, olhando as estrelas, disse: " Eu quero ser o baú mais precioso do mundo, cheio de tesouros ".
                             A segunda, olhando o riacho, suspirou: " Eu quero ser um navio grande para transportar reis e rainhas ".
                              A terceira olhou para o vale e disse: " Quero ficar aqui no alto da montanha e crescer tanto que as pessoas, ao olharem para mim, levantem os olhos e pensem em Deus ". 
                             Muitos anos se passaram e certo dia três lenhadores cortaram as árvores que estavam ansiosas em serem transformadas naquilo que sonhavam. Mas os lenhadores não costumavam ouvir ou entender de sonhos... Que pena!
                              A primeira árvore acabou sendo transformada em um cocho de animais coberto de feno.
                              A segunda virou um simples barco de pesca, carregando pessoas e peixes todos os dias.
                              A terceira foi cortada em grossas vigas e colocadas de lado num depósito.
                              Então, desiludidas e tristes, as três perguntaram: " Por que isso? "
                              Entretanto, uma bela noite, cheia de luz e estrelas, uma jovem mulher colocou seu bebê
recém-nascido naquele cocho de animais. E de repente, a primeira árvore percebeu que continha o maior tesouro do mundo.
                              A segunda árvore estava transportando um homem que acabou por dormir no barco em que se transformara. E quando uma tempestade quase afundou o barco, o homem levantou-se e disse: " Paz ".
                              E, num relance, a segunda árvore entendeu que estava transportando o Rei do céu e da Terra!
                              Tempos mais tarde, numa sexta-feira, a terceira árvore espantou-se quando suas vigas foram unidas em forma de cruz e um homem foi pregado nela.
                               Logo sentiu horrível e cruel. Mas, no domingo seguinte, o mundo vibrou de alegria.
                               E a terceira árvore percebeu que nela havia sido pregado um homem para a salvação da humanidade e que as pessoas sempre se lembrariam de Deus e de seu Filho ao olharem para ela.
                               As árvores haviam tido sonhos e desejos. Mas sua realização foi mil vezes maior do que haviam imaginado.
                               Portanto, não se esqueça: não importa o tamanho do seu sonho! Acreditando nele, sua vida ficará mais bonita e muito melhor de ser vivida!
                             

autoria desconhecida
                              

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Espelho, Espelho Meu

Um historiador de 2092 que se debruçar sobre os jornais, revistas e vídeos de cem anos antes sofrerá a tentação de definir a época atual como a Era de Narciso. Strip-teases de homens musculosos, fotos eróticas como as da cantora Madonna, a proliferação das academias de ginástica - todas essas informações contribuirão para que o estudioso do futuro chegue à conclusão de que os seus antepassados não saíam da frente do espelho e tinham como principal ocupação exibir-se uns para os outros. " Se o final do século XIX foi marcado pelo niilismo ou descrença, os últimos anos do século XX tiveram como característica o narcisismo ", poderia escrever o hipotético pesquisador.

A novidade, porém, é que o narcisismo nem sempre é ruim. " O narcisismo faz parte da personalidade humana e pode existir em vários graus, desde o patológico e negativo até o saudável e positivo ". É o que afirma a psicoterapeuta Raíssa Cavalcanti, chamando a atenção para o fato de que, ao contrário do que se supõe, o narcisista negativo não gosta de si próprio e sofre por causa disso. " Atrás da máscara mostrada socialmente, existe uma pessoa com profundos sentimentos de inferioridade, dependência e fragilidade. Por maior que seja o seu sucesso, alguém assim experimenta a vida como algo vazio, triste e sem significado ", esclarece Raíssa. Entretanto, acrescenta que o narcisismo de um indivíduo pode estar relacionado a condições culturais, pois existem também sociedades narcisistas. " Uma sociedade é narcisista quando é mais valorizado o ter que o ser. Quando a busca da notoriedade substitui a da dignidade ", afirma ela.

adaptado da revista IstoÉ, 23.12.1992.

Cora Coralina

                        Marcelo Barra/Rinaldo Barra

Mulher da terra
 Ao pé da serra
Velha menina
Voa e me ensina a ser passarinho
Que bebe da fonte e volta pro ninho

Cora, da casa da ponte
Dos versos, do tempo
Do rio que leva
Segredos de Ana
Pra algum lugar

Coralina coragem
Coralina coração
Flor do tempo
Força e vontade
Pedra por pedra
Ana por Ana

Cora senhora
No espelho de agora
A ponte, o rio
Os sonhos de outrora
Mulher passarinho
Que bebe da água
E volta pro ninho

Coralina coragem
Coralina coração
Flor do tempo
Força e coragem
Pedra por pedra
Ana por Ana

Crítica Positiva

                           Caco de Paula
                                      Amigo é quem, com compaixão e sabedoria,
                                      ajuda o outro a enxergar melhor a si mesmo.

                                  Amor, meus amigos têm razão. Aqui, por escrito, pareço muito mais amoroso do que quando estou aí ao seu lado, desferindo aqueles golpes verbais, que às vezes machucam. Aqui, pareço mais sensato, espiritual, tranquilo. De corpo presente, às vezes sou hormonal, impulsivo - e quase sempre falo mais do que precisava falar. Aqui, vou me tornando refém deste personagem que se deslumbra com sabedorias. Com você, tropeço na incoerência, torno-me imprevisível, causo desapontamentos. Aqui, por escrito, escolho as palavras, edito meus pensamentos. Aí, sou mais real, às vezes cruel. E nem sempre percebo isso. Que bom é ter amigos que nos mostram como somos humanos, imperfeitos humanos, demasiadamente humanos.
                                  Deveríamos agradecer todos os dias por ter quem discorde de nós e nos critique. Verdadeiros amigos fazem isso. São espelhos reais. Quem não se vê como realmente é flutua por aí, fora de órbita. É muito fácil inflar como um balão e perder o contato com o chão. Conta-se que um grande imperador, quando chegava vitorioso de suas batalhas e era carregado em triunfo pelo povo, fazia-se acompanhar de um escravo, encarregado de dizer-lhe no ouvido algo que o impedisse de ser hipnotizado por toda aquela louvação: " Você é calvo, barrigudo, está envelhecendo e um dia irá morrer ". Esse incisivo choque de realidade funcionava como um eficiente antídoto contra o ego inflado.
                                   Talvez estivesse faltando um pouco desse antídoto para mim. Assim, você haveria de compreender que eu não digo certas coisas por mal. Talvez, como acontece na maioria das vezes, tenha dito apenas para não perder a piada. Insensatez. Quando o que nos domina é a mente afiada, a agilidade verbal, a vaidade de nos sentirmos inteligentes e implacáveis, podemos ser muito cínicos e cruéis. Em alguns ambientes pretensiosamente intelectualizados, esse cinismo chega a ser estimulado e confundido com bom humor - quando na verdade é uma arma afiada pronta pra ferir, demonstrar desprezo, destilar mágoa, explodir em raiva.
                                  Que bom seria se pudéssemos agir mais com o coração. Há um desafio aí, um equilíbrio que nem sempre se consegue manter. E uma oportunidade para entender melhor o que é compaixão. Compaixão não é ter piedade, misericórdia, dar tapinhas nas costas do outro, indulgentemente. Compaixão é sentir o que o outro sente e, às vezes, quando preciso, é dizer ao amigo umas verdades. Como meus amigos já me disseram. Eles também agiram com sabedoria. Apenas a sabedoria, sem compaixão, também seria insuficiente. Ainda que fosse a mesma verdade, ela viria de uma forma cortante, dura e fria. Assim, ouvi o que tinha de ouvir, mas o que me foi dito chegou de maneira amorosa, com coração tocando coração. Espero também poder ser um bom amigo para os amigos. Espero agir com compaixão e sabedoria. Não só aqui, enquanto escrevo estas palavras, mas também aí, quando estiver com você. Talvez eu seja capaz de resistir à piada fácil e à esgrima verbal.

Este texto é Dedicado a Você! Eu sei que você não vai lê-lo pois desconhece este espaço. De qualquer maneira, teria sido o que eu gostaria de dizer, mas que você não quis escutar...

O Samurai

Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que agora se
dedicava a ensinar o zen aos jovens.
Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar
qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos
apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação:
esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de
uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava
com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta.
Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo e
aumentar sua fama.
Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho
aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade e o jovem
começou a insultar o velho mestre.
Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou
todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu
impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso
guerreiro retirou-se.
Desapontados pelo fato de que o mestre aceitou tantos insultos e
provocações, os alunos perguntaram:
- Como o senhor pôde suportar tanta indgnidade? Por que não usou sua
espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de
mostrar-se covarde diante de todos nós?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem
pertence o presente? - perguntou o Samurai.
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos - disse o mestre.
- Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava
consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As
pessoas não podem lhe tirar a calma. Só se você permitir...

O gato é uma lição

                         Artur da Távola


Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso. " Falso ", poruqe não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela sua individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.

Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não entende o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso, quando surge nele um ato de  entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.

O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode ( ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta.

Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.

O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem.

Portas

                   Içami Tiba

                                Se você abre uma porta: você pode ou não entrar em uma nova sala. Você pode entrar e ficar observando a vida. Mas, se você vence a dúvida, o medo e entra, dá um grande passo.
                                Nesta sala, vive-se... Mas, também, tem um preço...
                                São inúmeras outras portas que você descobre. Às vezes, quebra-se a cara; às vezes curte-se mil e uma... O grande segredo é saber quando e qual porta deve ser aberta. A vida não é rigorosa, ela propicia erros e acertos.
                               Os erros podem ser transformados em acertos, quando com eles se aprende.
                                Não existe a segurança do acerto eterno.
                                A vida é generosa, a cada sala que se vive, descobrem-se tantas outras portas!
                                E a vida enriquece quem se arrisca a abrir novas portas. Ela privilegia quem descobre seus segredos e generosamente oferece afortunadas portas.
                                Mas a vida também pode ser dura e severa. Se você não ultrapassar a porta, terá sempre a mesma porta pela frente.
                                É a repetição perante a criação; é a monotonia de uma só cor perante a multiplicidade das cores; é a estagnação da vida...
                                Para a vida, as portas não são obstáculos, mas...
                                Diferentes paisagens...

Para Repartir Com Todos

                                         Thiago de Mello

Com este canto te chamo
Porque dependo de ti.
Quero encontrar um diamante,
Sei que ele existe e aonde está.
Não me acanho de pedir ajuda
Sei que sozinho nunca vou achar.
Mas desde logo advirto:
Para repartir com todos.
Traz ternura que escondes
Machucada no peito.
Eu levo um resto de infância
Que meu coração guardou.
Vamos precisar de fachos
Para as veredas da noite que oculta,
E, às vezes, defende
O diamante.

Vamos juntos
Traz toda luz que tiveres,
Não te esqueças do arco-íris
Que escondes no porão.
Eu ponho a minha coronga,
De uso na selva, é uma luz
Que se aconchega na sombra.

Não vale desanimar
Nem preferir atalhos
Sedutores que nos perdem,
Pra chegar mais depressa.

Para repartir com todos,
Mesmo com quem não quer vir
Ajudar, falto de sonho.
Com quem preferir ficar
Sozinho bordando de ouro
O seu umbigo engelhado.
Mesmo com quem se fez cego
Ou se encolheu na vergonha
De aparecer procurando
Com quem foi indiferente
E zombou das nossas mãos
Infatigadas na busca,
Mas também com quem tem medo
Do diamante e seu poder,
E até com quem desconfia
Que ele exista mesmo.
E existe:
O diamante se constrói
Quando o procuramos juntos
No meio da nossa vida
E cresce, límpido, cresce,
Na intenção de repartir
O que chamamos de amor.