sexta-feira, 31 de maio de 2013

Cantiga de Amigo

      Elomar

Lá na casa dos carneiros
onde os violeiros vão cantar louvando você
Em cantigas de amigo
cantando comigo
somente porque você é
minha amiga, mulher
lua nova no céu que já não me quer

Dezessete é minha conta
vem amiga e conta uma coisa linda pra mim
conta os fios dos meus cabelos
sonhos e anelos
conta-me que o amor que não tem fim
madre, amiga é ruim
Me mentiu jurando amor que não tem fim

Lá na casa dos carneiros
sete candeeiros iluminam a sala de amor
sete violas em clamores
sete cantadores
são sete tiranas de amor
madre amiga, em flor
que partiu e até hoje não voltou

Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim

pois na casa dos carneiros
violas e violeiros
só vivem clamando assim
madre,
amiga é ruim
me mentiu jurando
amor que não tem fim

Belíssima regravação feita por "Diana Pequeno" em seu então LP de 1979 intitulado Eterno Como Areia. 

A Dança

           Pablo Neruda

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

domingo, 19 de maio de 2013

Sermão da Sexagenária

               Padre Vieira

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a  doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora, suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender a falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar (...) deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta do céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a semente, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar, e com a chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem(...)

Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.

Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles grande fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. (...) Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus são as pedras e os espinhos. E por quê? - Os espinhos por agudos, as pedras por duras. (...) Oh! Deus nos livre de vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras! (...) E com os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza, nasce nas pedras.

A Lenda daYara

         Maria Thereza Cunha
 
O pôr-do-sol é a hora da Yara. Ela mora nu fundo das águas, mas à tardinha vem à tona. Vem colher flores aquáticas para se enfeitar, vem brincar com os peixinhos alegres das margens do rio. Ou vem buscar noivo!
 
As índias dizem aos filhos:
 
- Não cheguem perto das águas na hora do pôr-do-sol! A Yara quer moços para afogar!
 
Os filhos escutam e ficam assustados; sabem que a Yara é linda e canta - e encanta!!
 
Certo dia, um tapuia valente remava sossegado. O sol ia alto no céu, mas o índio distraiu-se pensando e as horas se passavam...
 
Os primeiros pássaros voltavam aos ninhos.
 
Os primeiros sapos coaxavam longe. Anoitecia. O sol, lentamente, parecia afundar-se nas águas do rio.
 
Subitamente, de dentro d'água, uma flor brotou! Mas cantava! E sacudia, rindo, os negros cabelos, tão negros quanto seus olhos luminosos. Não era flor, era a Yara!
 
O moço índio virou a canoa e fugiu para a taba.
 
Mas a Yara já o havia enfeitiçado. Sua voz doce não lhe saía dos ouvidos. Sua lembrança o perseguia sempre.
 
E, ao pôr-do-sol, o índio tapuia olhava a canoa, louco para sair pelo rio.
 
- Não vá - pedia-lhe a mãe, chorosa! Ela sabia. Tinha a certeza de que o filho encontrara a linda Yara...
 
Lá longe, brincando com peixinhos e colhendo flores, a Yara cantava, esperando. Ela também sabia que o tapuia teria que voltar.
 
E foi o que aconteceu certa tardinha.
 
Os jasmins exalavam seu perfume.
 
Os pássaros voltavam para os ninhos.
 
E o índio, esquecendo sua taba e sua gente, pulou na canoa e remou...
 
Remou... até encontrar a bela Yara. E a Yara, sempre cantando, levou o índio valente para o fundo das águas...