domingo, 27 de abril de 2014

Oswald de Andrade


Pronominais

" Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro "

O Gramático 

" Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou "

Vício na Fala 

" Pra dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados "

Amor

" humor "



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Pra Rua Me Levar

     Ana Carolina/Totonho Villeroy

Não vou viver
Como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho onde eu vou
Às vezes ando só trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você

É, mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas talvez você nem queira ouvir

Música do CD " Estampado ", lançado em 2003.

Encostar na Tua

        Ana Carolina

Eu quero te roubar pra mim
Eu que não sei pedir nada
Meu caminho é meio perdido 
Mas que perder seja o melhor destino

Agora não vou mais mudar
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chama meu nome
Eu que também não sei aonde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

E saiba que forte eu sei chegar
Mesmo se eu perder o rumo
E saiba que forte eu sei chegar
Se for preciso eu sumo

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Música do CD " Estampado ", lançado em 2003.

Travessia

            Frei Betto

Lá vamos nós, ávidos pelos feriados que se avizinham, na busca frenética da casa de praia, do sítio, do hotel, da montanha, um lugar que nos distancie da cidade e nos faça merecer descanso, ausência de agenda de trabalho, telefonemas, dificuldades e inseguranças. Tudo cessa. A Bolsa de Valores, as intrigas políticas, o relógio que escraviza. Ainda que estrada durma sob nossos pneus imóveis e os ônibus viajem entupidos e os aeroportos se transformem numa feira oriental, vale a ilusão de que haverá sol, as crianças se comportarão como anjos, não faltarão a mesa farta e os copos repletos. Sobretudo paz, fruto espiritual que insistimos em procurar alhures.

Nada mais profano em nossa sociedade que a Semana Santa, exceto o Carnaval. Eis a Modernidade iconoclasta, dessacralizando hábitos e calendários. Outrora, não havia janelas eletrônicas e as novelas eram transmitidas ao vivo nas ruas atulhadas de romeiros e procissões. Na igreja, a cerimônia do lava-pés sobressaindo-se à instituição da eucaristia. Na Sexta-Feira da Paixão, a música clássica das rádios compungidas, as imagens cobertas de roxo, o Senhor morto desfilando sobre os nossos pecados. Jejum e abstinência para uns, peixes e crustáceos para os mais abastados. No sábado, a espera da noite de Aleluia, que resgatava a alegria da Páscoa. Jesus ressuscitou! Domingo de missa alva e o alívio por saber que Ele venceu a morte.

Páscoa significa " passagem ", da opressão à libertação (a travessia do Mar Vermelho, no Êxodo) e da morte à vida (Jesus). Ainda que nada disso diga respeito ao nosso universo pessoal, tão centrado no próprio umbigo, orbitando na tríade família-trabalho-consumo, somos trespassados pela expectativa de uma travessia. Misteriosa espera de algo ou alguém que nos conduza da mediocridade ao meritório, do vazio à plenitude, da rotina ao sentido, do desencanto ao fascínio. O anjo selou-nos com a fome de transcendência. No mais íntimo, sabemos que do lado de fora de nosso ser nada pode aplacar essa sede de plenitude, exceto o amor e o mergulho despojado no silêncio interior, lá onde um Outro resgata a nossa verdadeira identidade.

Um dia um homem peregrinou pela Palestina revelando o que Deus gostaria de nos dizer. Muitos não fizeram caso, a própria família desconfiou de que ficara louco e o poder vigente condenou-o à morte na cruz para que não perturbasse a ordem do Império. Foi crucificado. Em seguida, apareceu vivo a seus discípulos, que nos transmitiram a fé em sua ressurreição.

José Lezama Lima, autor do belo e enigmático Paradiso, fez-se cristão por causa dessa afirmação de Tertuliano: " O filho de Deus foi crucificado: não é vergonhoso porque é infame; o filho de Deus morreu: é ainda mais digno de fé porque é incrível; e depois de morto, ressuscitou: é verdade porque é impossível ".

E, para nós, é vergonhoso crucificar ambições que nos roubam de nós mesmos, acreditar no mistério que ultrapassa a razão e renascer à vida interior e à solidariedade que instaura justiça? O caminho se faz ao caminhar, preveniu-nos Antônio Machado. Talvez renascer no decorrer da vida seja mais atemorizador do que a própria morte. É o lamento de Fernando Pessoa: " Fui o que não sou ". A Páscoa sinaliza que ainda há tempo. Contudo, é preciso não ter medo de ficar descalço, como na Quinta-Feira Santa, e de atravessar a noite escura da Sexta-Feira da Paixão. Então, conheceremos a verdade e a  verdade nos libertará, assegura Aquele que é o paradigma.