segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Como Girafinha Flor fez uma descoberta

                                                Terezinha Casassanta

                        Girafinha Flor era a girafa mais solitária e triste do mundo.
                        Ela não tinha pais nem irmãozinhos.
                        Vivia sozinha lá no meio da floresta.
                        Girafinha Flor morava em uma bonita casinha e tinha muitas coisas gostosas para comer. Mas cada dia se tornava mais solitária e triste.
                        Até que uma bela tarde, Girafinha Flor falou:
                        - Deve haver um remédio para curar a solidão. Eu vou à cidade para descobrir.
                        Assim pensando, pôs um lenço no pescoço, um chapéu na cabeça e lá se foi pelo caminho.
                        Ela havia andado só um pouquinho quando encontrou um macaco:
                        - Boa tarde, disse o macaco. Onde você vai?
                        - Eu vou à cidade descobrir um remédio para curar a solidão, respondeu a Girafinha.
                        - Está bem, mas volte depressa, disse o macaco. Eu ficarei esperando por você.
                        Girafinha Flor continuou a andar.
                        Numa curva do caminho viu um coelho cinzento que saltitava contente.
                        - Boa tarde, disse o coelho. Onde você vai?
                        - Vou à cidade descobrir um remédio para curar a solidão, respondeu a Girafinha.
                        - Está bem, mas volte depressa, disse o coelho cinzento. Eu ficarei esperando por você.
                        Girafinha Flor continuou novamente o seu caminho. Atravessou um campo verde e encontrou uma cabrinha pintada.
                        - Boa tarde, disse a cabrinha. Onde vai você?
                        - Vou à cidade descobrir um remédio para curar a solidão, disse a Girafinha.
                        - Está bem! Mas volte depressa, disse a cabrinha. Eu ficarei esperando por você.
                        E mais uma vez, Girafinha Flor continuou o seu caminho. Mas quando ela alcançou a estrada de asfalto preto e brilhante, parou de repente e exclamou:
                        - Eu já descobri o que procurava!
                        - Eu nem preciso ir à cidade mais!
                        E assim pensando, ela voltou para trás e correu o mais depressa que pôde de volta à floresta.
                        Do alto de uma árvore, um papagaio avistou-a e gritou:
                        - Corra, corra, Girafinha, senão a noite chega e você não acha o caminho!
                        Girafinha Flor começou a correr. Mas o dia acabou. A noite chegou. A lua não apareceu.
                        - E agora? perguntou a Girafinha aflita. Como é que vou achar minha casa?
                        - Com seu pescoço comprido, ela espiou por entre os galhos das árvores para pedir ajuda aos passarinhos.
                        Mas os passarinhos dormiam quietinhos e quentinhos nos seus ninhos...
                        Desanimada, a Girafinha baixou a cabeça. E o que você pensa que ela viu?
                        Um bando de vagalumes com suas luzinhas brilhantes que enfeitavam a noite, como se fossem diamantes.
                        - Ajudem-me, por favor! - pediu Girafinha Flor.
                        Os vagalumes se reuniram e formaram uma fita brilhante que piscando dentro da noite indicava o caminho adiante.
                        Girafinha Flor foi seguindo o colar de luzinhas, foi seguindo, até encontrar o seu caminho.
                        Naquela noite, Girafinha Flor dormiu um sono tão gostoso!
                        Sonhou que brincava de roda com os vagalumes, que corria atrás da cabrinha pintada, que conversava com o papagaio.
                        No dia seguinte, Girafinha Flor acordou bem cedinho. Foi para a cozinha e fez doces e salgadinhos. Fez um bolo gostoso e sucos de frutas também.
                        - Eu hoje vou dar uma festa, disse a Girafinha.
                        Uma festa para o meu amigo macaco, o meu amigo coelho cinzento, a minha amiga cabrinha pintada, o meu amigo papagaio, os meus amigos vagalumes...
                        Depois, Girafinha Flor escreveu bonitos convites para a festa e colocou-os na caixa do Pombo-Correio, o carteiro da floresta.
                        Colocou na porta da casa uma tabuleta que dizia: " Sejam bem-vindos, amigos ". Escrito em letras azuis.
                        Foi uma festança! Os amigos cantaram, dançaram, brincaram, comeram, beberam e riram felizes. Depois, todos ajudaram a Girafinha Flor a arrumar a casa.
                        Agora, Girafinha Flor já não é a girafinha mais triste e solitária do mundo. Ela descobriu o remédio para curar a sua solidão. Girafinha Flor encontrou AMIGOS.
                        E você, já encontrou amigos também??

Cristificação Pelo Amor

                                      Joanna de Angelis


                       É certo que gostarias de ser amado, recebendo a afetividade de outrem em demonstrações de carinho conforme as necessidades que acreditas te afligirem.
                       Talvez fosse melhor que te chegassem ao sentimento as expressões retributivas do amor que esparzes, diminuindo-te as carências íntimas, acalmando-te as ansiedades, alegrando-te.
                       O problema, porém, é geral.
                       Não há indivíduo algum que se encontre referto na Terra, nessa área.
                       Quem recebe amor de determinadas pessoas, aspira pelo afeto de outras, que não aquelas que se lhe acercam.
                       Tens o pensamento dirigido para alguém que, possivelmente, não te corresponde, assim como outrem te anela, sem que sintas algo de especial por ele.
                       Se as pessoas se correspondessem na mesma faixa de ternura; se os corações se manifestassem na mesma onda de sentimento; se os afetos se exteriorizassem na mesma vibração de trocas, a Terra já seria o Paraíso desejado. Há, no entanto, infinidade de graus, nos quais se manifestam as emoções. Ninguém, todavia, que viaje a sós.
                       Possivelmente, não te associas com a pessoa de quem gostas, ou não recebes a companhia do ser amado. Todavia, se espraiares o olhar de bondade compreensiva identificarás companhias outras agradáveis, que se encontravam solitárias, porque anelavam por ti e não logravam aproximar-se. São os aparentemente inexplicáveis paradoxos da existência corporal, cujas causas se encontram na conduta passada, quando de outras reencarnações.
                       Ama, desse modo, sem impor-te, sem exigir retribuições. Experiemente querer bem pelo prazer de fazê-lo e descobrirás um filão de ouro atraente, que te propiciarás uma grande fortuna, em forma de paz e de satisfação pessoal.
                       O melhor do amor é amar, e não somente ser amado. A preparação de uma viagem, não raro, é sempre mais agradável do que esta em si mesma ou a chegada que, às vezes, causa frustração e desencanto.
                       As chamadas " pessoas maravilhosas " , por quem te apaixonas, assim o são, porque as desconheces.
                       Todos os homens têm problemas, limitações, defeitos, necessidades.
                       O insucesso das uniões conjugais, na maioria dos casos, resulta da precipitação na escolha, da imaturidade na busca, do apego às ilusões e da efetividade por ídolos de pés de barro, que se despedaçam facilmente.
                       Enobrece-te com o amor, irradiando-o em forma de simpatia, de gentileza, de serviço pelo próximo, de abnegação. Não há quem resista à força do amor sem interesse imediato, sem aprisionamento.
                       Ama, portanto, libertando.
                       Cristifica-te através do amor. Talvez, para conseguí-lo, seja-te necessário crucificar-te nas traves da renúncia e da sublimação. Todavia, somente por meio da crucificação é que alguém se pode cristificar. E o amor, sem dúvida, ainda é o mais suave, perfeito e eficaz instrumento para consegui-lo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Recado ao Senhor 903

                                    Rubem Braga


                          Vizinho -
                          Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em emu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o  senhor ainda teria so seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito, a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 - que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos, apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45 e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está numerada totalmente. E reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.
                            ... Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: " Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou " e o outro respondesse: " entra vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos para bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela ".
                            E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.

Vida Toda Linguagem

                          A vida e a linguagem são inseparáveis. Você sabe: vivemos entre as palavras, fazemos a vida com as palavras. Não há registro de nenhuma sociedade humana que se organize sem linguagem. As palavras atravessam praticamente todas as dimensões de nossa existência, desde os mais secretos sinais dos nossos sonhos até as situações mais objetivas do trabalho cotidiano. Inumeráveis redes de comunicação verbal tecem nossa história, cada dia. Pensamos para falar, falamos para pensar. Por isso, as palavras: para comunicar o vivido e o por viver, para resgatar a memória como também para enunciar desejos, as esperanças, as várias formas de se fecundar o presente e gestar o futuro. O que vivemos. O que amamos. O que sofremos. Existe também o não dito. Não é possível, dizer tudo, ainda que desejasse. Muitas vezes, é difícil dizer algo. Em muitos momentos, lutamos com as palavras - para esclarecer e organizar as nossas próprias ideias, assim como para a travessia de comunicação com os outros. Para que a nossa existência faça sentido. Para que o outro nos reconheça. E também para reconhecer o outro. A nossa voz. As outras vozes. E, apesar de todos os esmagamentos e de todas as desfigurações, vamos praticando as nossas palavras. Somos - todos - capazes de linguagem. Pensamos e falamos as relações da vida cotidiana. De algum modo, fazemos ouvir a nossa voz, ainda que timidamente, ainda que precariamente. Mas, ao escrever, muitas vezes, inumeráveis vezes, não conseguimos expressar nossas ideias, as nossas emoções, nossas palavras!