quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Trecho 184

 Antes  que o estio cesse e chegue o outono, no cálido intervalo em que o ar pesa e as cores abrandam, as tardes costumam usar um traje sensível de gloríola falsa. São comparáveis àqueles artifícios da imaginação em que as saudades são de nada, e se prolongam indefinidas como rastos de navios formando a mesma cobra sucessiva.

Nessas tardes enche-me, como um mar em maré, um sentimento pior que o tédio mas a que não compete outro nome senão tédio - um sentimento de desolação sem lugar, de naufrágio de toda a alma. Sinto que perdi um Deus complacente, que a Sustância de tudo morreu. E o universo sensível é para mim um cadáver que amei quando era vida; mas é tudo tornado nada na luz ainda quente das últimas nuvens coloridas.

O meu tédio assume aspectos de horror; o meu aborrecimento é um medo. O meu suor não é frio, mas é fria a minha consciência do meu suor. Não há mal-estar físico, salvo que o mal-estar da alma é tão grande que passa pelos poros do corpo e o inunda a ele também.

É tão magno o tédio, tão soberano o horror de estar vivo, que não concebo que coisa haja que pudesse servir de lenitivo, de antídoto, de bálsamo ou esquecimento para ele. Dormir horroriza-me como tudo. Morrer horroriza-me como tudo. Ir e parar são a mesma coisa impossível. Esperar e descrer equivalem-se em frio e cinza. Sou uma prateleira de frascos vazios.

Contudo que saudade do futuro, se deixo os olhos vulgares receber a saudação morta do dia iluminado que finda! Que grande enterro da esperança vai pela calada dourada ainda dos céus inertes, que cortejo de vácuos e nadas se espalha a azul rubro que vai ser pálido pelas vastas planícies do espaço alvar!

Não sei o que quero ou o que não quero. Deixei de saber querer, de saber como se quer, de saber as emoções ou os pensamentos com que ordinariamente se conhece que estamos querendo, ou querendo querer. Não sei quem sou ou o que sou. Como alguém soterrado sob um muro que se desmoronasse, jazo sob a vacuidade tombada do universo inteiro. E assim vou, na esteira de mim mesmo, até que a noite entre e um pouco do afago de ser diferente ondule, como uma brisa, pelo começo da minha impaciência de mim.

Ah, e a luz alta e maior destas noites plácidas, mornas de angústia e desassossego! A paz sinistra da beleza celeste, ironia fria do ar quente, azul negro enevoado de luar e tímido de estrelas.


Trecho de Fernando Pessoa retirado do Livro do Desassossego, Editora Companhia das Letras, São Paulo, 4ª Edição, 2001.

Canção da Esperança

A esperança tece a linha do horizonte

Traz tanta paz em reluzente e doce olhar

Que nos conforta quando o mar não é tão manso

Quando o que resta é só o frio sem luar.


E nasce leve, devagar

Em uma canção de ninar

Que nos acolhe pra dizer

O amor jamais deixou você


Ó esperança, és para sempre, sempre viva

Te ofereço a minha casa pra morar

Nos meus sentidos quero ter os teus conselhos

Na minha voz eu quero sempre ir te encontrar


Se alguma coisa eu temer

Estou contando com você

Pra me dizer ao me acalmar

Que o amor jamais me deixará


Música de Flávia Wenceslau gravada no CD Quase Primavera de 2007 lançado pela Pindorama Discos. Em 2018, Renata Finotti a regravou em seu CD de estreia intitulado Tesouros em Produção Independente.

domingo, 26 de setembro de 2021

Fruto do Suor

 A terra nova era um paraíso

O milho alto e os rios puros

Dormia o ouro, a cobiça ausente

Era o índio senhor do continente

Foram chegando os conquistadores

Os africanos e os aventureiros

O índio altivo se mesclou ao escravo

Nascia um novo tipo americano


O interesse fabricou garimpos

O ódio à toa levantou paredes

A baioneta desenhou fronteiras

A estupidez nos separou em bandeiras


Tenho um filho nessa terra

Foi um amor sem passaporte

Se o gestar foi brasileiro

Não me chames de estrangeiro

Cada pedra, cada rua

Tem um toque de imigrantes

Levantaram com seus sonhos

Um país que não tem donos


O suor fecunda o solo

E a semente não pergunta:

Brasileiro ou estrangeiro?

Só o fruto é importante

Não me sintas forasteiro

Não me invente geografias

Sou tua raça, sou teu povo

Sou teu irmão no dia a dia


Música de Enrique Bergen e Tony Osanah gravado pelo grupo Raíces de América em 1982.

sábado, 25 de setembro de 2021

Retribuir com o bem

 Os desregramentos, sejam de que ordem for, conduzem à enfermidade, ao enfraquecimento dos valores espirituais, à morte.

Aqueles de natureza moral, mais graves, estiolam os sentimentos e insculpem matrizes que perturbam o Espírito nas etapas sucessivas pelas quais deverá deambular no futuro.

Entre outros, o ódio assume, qual ocorre com a perversão do sexo nos dias atuais, proporção calamitosa, envenenando multidões, que se apresentam desesperadas, engalfinhando-se em lutas desgastantes e destrutivas.

O ódio entorpece o discernimento e fixa-se a fogo nos painéis da alma, ardendo sem cessar. Mesmo quando a vingança insana se consuma, prossegue, insaciável, devorando aquele que o cultivou.

Não foi por outra razão que Jesus recomendou se fizesse todo o bem àquele que se compraz na prática do mal.

De fácil contágio, o ódio incendeia as emoções, alterando, completamente, o discernimento, a razão.

O ódio é virose perigosa que consome milhões de vidas, que lhe tombam, irresistíveis, nas malhas bem-urdidas.

Predominando em as naturezas mais primárias do ser, apresenta-se, com a mesma facilidade, no homem culto, nobre, de estrutura equilibrada.

Irrompe como chama devastadora ou instala-se, a pouco e pouco, tomando o terreno das emoções como erva daninha de fácil proliferação.

Há muito ódio entre as criaturas da Terra, disfarçado em mil formas, desenvolvendo combates inditosos.

Vigia as nascentes do teu coração, de onde brotam os teus sentimentos, e sob justificativa alguma dá campo à animosidade.

Discorda, quando necessário, sem briga.

Resguarda-te da agressão, porém, se alcançado por ela, não a revides.

Mantém-te em paz, quando provocado, não vitalizando o mal com energia equivalente, para não dares força ao ódio desgovernado.

A poda, que maltrata a planta, renova-a para a vida.

A barreira, que impede o curso da água,  concede-lhe maior volume e força.

O solo, sulcado, adquire mais recursos para a finalidade a que se destina.

O mesmo ocorre na área da tua vida terrestre.

O que pode parecer desventura e agressão num momento, logo se transformará em benção, se souberes receber o insulto.

O inimigo de agora, se o amares, será transformado no companheiro de amanhã.

Quem O visse no meio da multidão, amando e servindo, não imaginaria que, logo depois, a sós, Ele sofresse as penosas injunções da maldade, da ingratidão e do ódio gratuito com o qual O crucificaram. Porém, passados aqueles momentos de sombra física e moral da Humanidade, Ele retornou esplendente de beleza e amor, para retribuir com o bem todo o mal que Lhe pretenderam fazer.


Texto retirado do livro Momentos de Alegria, Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2014.

domingo, 19 de setembro de 2021

Trecho da Pedagogia da Autonomia

Não é possível ao sujeito ético viver sem estar permanentemente exposto à transgressão da ética. Uma de nossas brigas na História, por isso mesmo, é exatamente esta: fazer tudo o que possamos em favor da eticidade, sem cair no moralismo hipócrita, ao gosto reconhecidamente farisaico. Mas, faz parte igualmente desta luta pela eticidade recusar, com segurança, as críticas que veem na defesa da ética, precisamente a expressão daquele moralismo criticado. Em mim, a defesa da ética jamais significou sua distorção ou negação.

Quando, porém, falo da ética universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana. Ao fazê-lo estou advertido das possíveis críticas que, infiéis  meu pensamento, me apontarão como ingênuo e idealista. Na verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindo-se social e historicamente não como um a priori da História. A natureza que a ontologia cuida se gesta socialmente na História. É uma natureza em processo de estar sendo com algumas conotações fundamentais sem as quais não teria sido possível reconhecer a própria presença humana no mundo como algo original e singular. Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença com um "não-eu" se reconhece como "si própria". Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que se transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude.

Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isto não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados, mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável.

Devo enfatizar também que este é um livro esperançoso, um livro otimista, mas não ingenuamente construído de otimismo falso e de esperança vã. As pessoas, porém, inclusive de esquerda, para quem o futuro perdeu sua problematicidade - o futuro é um dado dado - dirão que ele é mais um devaneio de sonhador inveterado.

Não tenho raiva de quem assim pensa. Lamento apenas sua posição: a de quem perdeu seu endereço na História.

A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solto no mundo. Com ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar "quase natural". Frases com "a realidade é assim mesmo, que podemos fazer?" ou "o desemprego no mundo é uma fatalidade do fim do século" expressam bem o fatalismo desta ideologia e sua indiscutível vontade imobilizadora. Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O de que precisa, por isso mesmo, é o treino técnico indispensável à adaptação do educando, à sua sobrevivência. O livro com que volto aos leitores é um decisivo não a esta ideologia que nos nega e amesquinha como gente.

De uma coisa, qualquer texto necessita: que o leitor ou a leitora a ele se entregue de forma crítica, crescentemente curiosa. É isso o que este texto espera de você, que acabou de ler estas "Primeiras Palavras".

Trecho da Introdução do livro Pedagogia da Autonomia intitulado Primeiras Palavras, de autoria de Paulo Freire, publicado pela Editora Paz e Terra, São Paulo, 28ª Edição, 2003.

sábado, 18 de setembro de 2021

Ascetismo

 Existem pessoas que, a pretexto de buscarem a paz espiritual, odeiam o mundo, literalmente, e se entregam a uma vida de desprezo a tudo e a todos, num ascetismo fanático, longe da lógica e da razão.

Algumas, embora nos mereçam respeito pelo esforço e intenção, não passam de personalidades psicopatas, que se entregam a mecanismos de fuga sob pretextos que se lhes tornam fundamentais.

Pretendem a felicidade espiritual por meio da mortificação física e creem que, no recolhimento pessoal e no isolamento, conseguirão a morte do ego.

Propõem-se e entregam-se à inação como meta de vida, na expectativa de uma paz que é inoperância, anulação do ser.

O espírito reencarna para evoluir e jamais para estagnar.

A reencarnação é processo de iluminação pelo trabalho, pela transformação moral.

Renascimento significa oportunidade de crescimento pelo amor e pela sabedoria.

Quem se isola, reserva-se a negação da vida e o desrespeito a Deus, embora sob a justificativa de buscá-lO.

Em toda a Criação vibram em uníssono, as notas ritmadas da ação, que gera o progresso, e do movimento, que responde pela ordem universal.

Inatividade e água estagnada guardam os miasmas da morte.

No célebre diálogo entre Krishna e Arjuna, responde o Bem-aventurado ao jovem príncipe pândava, a respeito da ação, na Bhagavad-Gita:

- É vã quão vergonhosa a vida do homem que, vivendo neste mundo de ação, tenta abster-se da ação; que, gozando o fruto da ação do mundo ativo, não coopera, mas vive em ociosidade. Aquele que, aproveitando a volta da roda, em cada instante de sua vida, não quer pôr a mão à roda para ajudar a movê-la é parasita, e um ladrão que toma sem dar coisa alguma em troca.

E prossegue:

- Sábio é, porém, aquele que cumpre bem os seus deveres e executa as obras que são para fazer-se no mundo, renunciando a seus frutos, concentrado na ciência do Eu Real. (*)

Jesus, o excelente Mestre, viveu trabalhando e exaltando o valor da ação como meio de dignificação e paz.

Dentro do mesmo enfoque, Allan Kardec estabeleceu a tríade do Trabalho, Solidariedade e Tolerância, completando que, só a Caridade salva, por ser esta a ação do amor a serviço do homem e da Humanidade.


(*) Bhagavad-Gita - Tradução de Francisco Valdomiro Lorenz - 4ª Edição, Editora O Pensamento (Nota da autora espiritual)

Texto retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª edição, 2014.

sábado, 11 de setembro de 2021

Jesus

Comiam todos o caldo, recolhidos e calados, quando o menino disse:

- Sei um ninho!

A Mãe levantou para ele os olhos negros, a interrogar. O Pai, esse, perdido no alheamento costumado, nem ouviu. Mas o pequeno, ou para responder à Mãe, ou para acordar o Pai, repetiu:

- Sei um ninho!

O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas, e ficou atento, também.

A criança, então, um tudo-nada excitada, contou. Contou que à tarde, na altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pintassilgo de dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no alto, numa galha.

A Mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai regressou ao caldo.

Mas o menino continuou. Disse que então prendera a cordeira a uma giesta e trepara pela árvore acima.

De novo o Pai levantou as pálpebras cansadas, e ficou tal e qual a Mãe, inquieto, com a respiração suspensa, a ouvir.

E o pequeno ia subindo. O cedro era enorme, muito grosso e muito alto. E o corpito, colado a ele, trepava devagar, metade de cada vez. Firmava primeiro os braços; e só então as pernas avançavam até onde podiam. Aí paravam, fincadas na casca rija.

A subida levou tempo. Foi até preciso descansar três vezes pelo caminho, nos tocos duros dos ramos. Por fim, o resto teve de ser a pulso, porque eram já só vergônteas as pernadas da ponta.

Transidos, nem o Pai nem a Mãe diziam nada. Deixavam, apavorados, mudos, que o pequeno chegasse ao cimo, à crista, e pusesse os olhos inocentes no ovo pintado. O ninho tinha só um ovo.

Aqui, o menino fez parar o coração dos pais. Inteiramente esquecido da altura a que estava, procedera como se viver ali, perto do céu, fosse viver na terra, sem precisão dos braços cautelosos agarrados a nada. E ambos viram num relance o pequeno rolar, cair do alto, da ponta do cedro, no chão duro e mortal de Nazaré.

Mas a criança, apesar de mostrar, sem querer, que de todo se alheara do abismo sobre que pairava, não caiu. Acontecera outra coisa. Depois de pegar no ovo, de contente, dera-lhe um beijo. E, ao simples calor da sua boca, a casca estalara ao meio e nascera lá de dentro um pintassilgo depenadinho.

E o menino contava esta maravilha com a sua inocência costumada, como quando repetia a história de José do Egito, que ouvira ler a um vizinho.

Por fim, pôs amorosamente o passarinho entre a penugem da cama, e desceu. E agora, um nada comprometido, mas cheio da sua felicidade, sabia um ninho.

A ceia acabou num silêncio carregado. Só depois, à volta do lume quente do cepo de oliveira em brasido, é que os pais disseram um ao outro algumas palavras enigmáticas, que o pequeno não entendeu. Mas para quê entender palavras assim? Queria era guardar dentro de si a imagem daquele passarinho  depenado e pequenino. Isso, e ao mesmo tempo olhar cheio de deslumbramento os dedos da Mãe, que, alvos de neve, fiavam linho.

E tanto se encheu da imagem do pintassilgo, tanto olhou a roca, o fuso, e aqueles dedos destros e maravilhosos, que daí a pouco deixou cair a cabeça tonta de sono no regaço virgem da Mãe.


Conto de Miguel Torga retirado do livro Bichos, Editora Coimbra, 5ª Edição, 1984.

Caminho da Autoiluminação

 O homem atinge um alto nível de evolução quando consegue unir o sentimento e o conhecimento, utilizando-os com sabedoria.

Nesse estágio é-lhe mais fácil desenvolver a paranormalidade, realizando o autodescobrimento e canalizando as energias anímicas e mediúnicas para o serviço de consolidação do bem em si mesmo e na sociedade.

O seu amadurecimento psicológico permite-lhe compreender toda a magnitude das faculdades parapsíquicas, superando os impedimentos que habitualmente se lhe antepõem à educação.

Desse modo, a mediunidade põe-se em contato com o mundo espiritual de onde procede a vida e para o qual retorna, quando cessado o seu ciclo material, ensejando-lhe penetrar realidades que se demoram ignoradas, incursionando  com destreza além das vibrações densas do corpo carnal.

O exercício das faculdades mediúnicas, no entanto, se reveste de critérios e cuidados, que somente quando levados em conta propiciam os resultados pelos quais se anela.

A mediunidade é inerente a todos os indivíduos, em graus de diferente intensidade. Como as demais, é uma faculdade amoral, manifestando-se em bons e maus, nobres e delinquentes, pobres e ricos.

Pode expressar-se com alta potencialidade de recursos em pessoas inescrupulosas, e quase passar despercebida em outras, portadoras de elevadas virtudes.

Surge em criaturas ignorantes, enquanto não é registrada nas dotadas de cultura.

É patrimônio da vida para crescimento do ser no rumo da sua destinação espiritual.

O uso que se lhe dê responderá por acontecimentos correspondentes no futuro do seu possuidor.

Uma correta educação da mediunidade tem início no estudo das suas potencialidades: causas, aplicações e objetivos.

Adquirida a consciência mediúnica, o exercício sistemático, sem pressa, contribui para o equilíbrio das suas manifestações.

Uma conduta saudável, calcada nos princípios evangélicos, atrai os bons Espíritos, que passam a cooperar em favor do medianeiro e da tarefa que ele abraça, objetivando os melhores resultados possíveis de empreendimento.

O direcionamento das forças mediúnicas para fins elevados propicia qualificação superior, resultando em investimento de saber eterno.

Se te sentes portador de mediunidade, encara-a com sincero equilíbrio e dispõe-te a aplicá-la bem.

O homem ditoso do futuro será um indivíduo PSI, um sensível e consciente instrumento dos Espíritos, ele próprio lúcido e responsável pelos acontecimentos da sua existência.

Desveste-te de quaisquer fantasias em torno dos fenômenos de que és objeto e encara-os com realismo, dispondo-te à sua plena utilização.

Amadurece reflexões em torno deles e resguarda-os das frivolidades, exibicionismos vãos, comercialização vil, recurso para a exaltação da personalidade ou das paixões inferiores.

Sê paciente com os resultados e perseverante nas realizações.

Toda sementeira responde à medida que o tempo passa.

A educação da mediunidade requer tempo, experiência, ductilidade do indivíduo, como sucede com as demais faculdades e tendências culturais, artísticas e mentais que exornam o homem.

Quem seja portador de cultura, de bondade e sinta a presença dos fenômenos paranormais, está a um passo da realização integral, a caminho próximo da autoiluminação.


Texto retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador,  4ª Edição, 2015.

sábado, 4 de setembro de 2021

Companhia Perturbadora

Reflexionas, sofrido, em tentativas racionais para compreender por que pessoas aparentemente generosas falam mal de ti, são inamistosas para contigo, recusam a tua presença fraterna...

Consideras, magoado, que nada de mal lhes fizeste, antes reservaste respeito e consideração para com elas.

Intentastes um relacionamento agradável, e foste repelido.

Supões que se trata de antipatia provinda de existências passadas...

Não apenas estes, a quem conheces, opõem-se a ti e comentam desairosamente a teu respeito.

Ouviram falar sobre ti, ou viram-te em um momento breve, não possuindo justificativas para objetar-se aos teus labores.

Multiplicam-se, porém, em todas as áreas humanas, estas ocorrências.

Inimigos surgem inesperadamente, retalhando os grupos sociais com as tesouras da intriga, da maledicência, da malquerença.

Se pudesses ou devesses interrogá-los pelos motivos da inimizade, argumentariam com veemência, explicariam de variada forma, todavia, não se dariam conta da geradora real desse desconcerto.

Sabendo disfarçar-se, ela permanece oculta, no entanto destila veneno e atira petardos aguçados que atingem muitas vidas.

Essa companheira perturbadora é a inveja.

Aqueles que não cresceram emocionalmente cultivam-na, infelizes com o triunfo dos outros, a sua aparência de felicidade, a beleza, a inteligência e a saúde de que sejam portadores...

O invejoso não necessita de razões para externar os sentimentos inferiores, que se convertem em rancor, ojeriza ou sistemática perseguição.

Desejando superar as demais criaturas, não vence as más inclinações morais, entregando-se à campanha inglória da crucificação de outras vidas.

Luta com tenacidade contra a inveja.

Dilui o sentimento negativo na solução do respeito às conquistas alheias.

Desconheces os testemunhos ocultos e silenciosos daqueles a quem invejas ou contra os quais competes.

Muitos desses indivíduos são mais nobres do que parecem, porquanto, sob dores morais e físicas muito fortes, não se deixam trair, aparentando uma realidade que não estão vivendo, como forma de preservar o equilíbrio social e familiar.

O êxito, a fama, o destaque, a glória são conquistas efêmeras, e aqueles que as alcançam oferecem um tributo muito pesado.

Não invejes ninguém nem posição alguma.

Contenta-te com o que tens, o que és; anelas e luta pelo teu crescimento interior e a tua realização plenificadora.

Não é o volume do que se faz, que realmente revela a pessoa que o realiza. Cada ser vale a medida do seu esforço em relação aos recursos de que dispõe.

Executa o teu trabalho com amor, e dá-lhe o toque de ternura pessoal que o tornará especial e exclusivo.

Jesus referiu-se à fé do tamanho de um grão de mostarda, à alegria pelo reencontro de uma insignificante dracma que estava perdida, valorizando as pequenas-grandiosas coisas da vida como de real importância.

Assim, vigia as nascentes dos teus sentimentos, a fim de que a inveja não se transforme em algoz das tuas aspirações e tormentosa inimiga daqueles que lutam e sofrem, no processo da evolução, no qual todos nos encontramos situados.


Texto retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Mal Nenhum

 Enquanto a vida cai ao seu redor

Lamento te encontrar assim!

Enquanto tudo pode ser melhor

Você só pode achar ruim!

E já vai longe

O tempo que a gente se entendeu

Longe como um sonho que já se perdeu!

Longe, tão distante

O professor de mim, lamento de enxergar assim!

Aonde havia força, uma luz

Há hoje o medo de mostrar

Um lado fraco, o passo que conduz

A vida ao seu real lugar,

Pois não há mal nenhum

Em se deixar transparecer

Tudo aquilo que à gente faz temer

Mal nenhum não ser capaz de esconder

Sofrer para encontrar a paz

E não há mal nenhum não ser

Um super homem não

Mal nenhum em evitar comparação

Então quem sabe lá no fundo ainda

Possa ver

Meu velho amigo, meu irmão

De novo!


Música de Fernando Forni gravada no CD Amálgama, de Roseli Martins, Tratore, 2003.

Pequenos Segredos

 Essa senhora

Que passa aqui na rua

Insuspeita, só

Guarda um segredo inconfessável:

Ela sai com um garotão

Da idade do seu filho

Enquanto o seu marido

Esquenta a pança no fogão


Esse rapaz

Dentro do elevador

Tem mil mulheres atrás

Mas passa a noite toda olhando

A vizinha nua

Enquanto a sua namorada fica pela rua

E cai nos braços de qualquer um


Mas é tão normal

Eles são tão normais

Como você é tão normal

Com os seus pequenos segredos


Essa mulher 

Tem seus 29 anos

E como outra qualquer

Narra as suas aventuras amorosas

Pras amigas, que não sabem que a moça

Nunca se deitou com um homem sequer


Esse garoto

Leva a namoradinha no domingo pro almoço

E apresenta pra família

Mas no escuro do seu quarto

Bate papo e faz juras de amor

A um homem pela internet


Música de Clara Gurjão gravada no CD Ela, com a participação de Sílvia Machete. Produção Independente de 2016.

Filhos de Plutão

 É da natureza do signo

Estar sempre de mal com alguém

Ficar sempre de bem

Não digo ficar zen

Pois isso é impossível


É da natureza do signo

Sentir a dor, fazer doer também

Palavras afiadas

Frase envenenada

O corte incisivo


É agressivo, é progressivo, é instintivo

É corrosivo, decisivo, intensivo

A culpa que ocupa espaço

Já embutida no preço


É dolorido feito um beijo sem abraço

É tão estranho quanto o carnaval cair em março

É o tresloucado trem fora do trilho

É o encontro de dois fios desencapados


Música de Roseli Martins que faz parte do CD Amálgama, gravado em 2003 pela Tratore. 

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

O mundo é tentador, rapaz

O mundo é tentador, rapaz

Nem tente bater asas se tem medo de voar

O mundo é tentador, rapaz

É muita vida, é muito riso, muito chão pra explorar


Quero ficar,

Nem vem que não tem

Quando cê foi com a farinha, o pão prontinho te entreguei

Nesse lugar

Não tem reza nem amém

Nem vem falar no meu ouvido, em hedonismo me formei


Tente lembrar

Do dia em que deixei você chegar devagarinho

Sem querer me apegar

Desalinhar

Tua ordem descompor

Eu dou as cartas nesse jogo e viro a mesa sem pudor


O mundo é tentador, rapaz

Nem tente bater asas se tem medo de voar

O mundo é tentador, rapaz

É muita vida, é muito riso, muito chão pra explorar


Pra onde mira teu sentido

Tua libido, os teus ouvidos

Pra onde vai a tua língua, a tua ginga

A tua rima, a tua sina


Eu deito e rolo, me embolo

Em muitos colos, por outros solos,

Deslizo e sinto infinito

Em cada giro, em cada grito, eu admito que...


O mundo é tentador, rapaz

Nem tente bater asas se tem medo de voar

O mundo é tentador, rapaz

É muita vida, é muito riso, muito chão pra explorar


Música de Clara Gurjão gravada no CD Ela, Produção Independente de 2016.