sábado, 23 de setembro de 2023

Oração de Intercessão

A oração intercessora em favor dos que sofrem, constitui sempre uma contribuição valiosa para aquele a quem é dirigida.

Não resolve o problema nem retira a aflição, que constituem recurso de reeducação; todavia, suaviza a aspereza da prova e inspira o calceta, auxiliando-o a atenuar os golpes do próprio infortúnio.

Ademais, acalma e dulcifica aquele que ora, por elevá-lo às Regiões Superiores, onde haure as emoções transcendentais que lhe alteram para melhorar as disposições íntimas.

A oração é sempre um bálsamo para a alma, que se torna medicação para os equipamentos fisiológicos.

A emissão do pensamento em prece canaliza forças vivas em direção do objetivo almejado, terminando por alterar a constituição de que  se reveste o ser.

Quem ora, encontra-se, porque sintoniza com a ideia divina em faixas de sutis vibrações, inabituais nas esferas mais densas.

Dirigida aos enfermos, estimula-lhes os centros atingidos pela doença, restaurando o equilíbrio das células e recompondo o quadro, que o paciente deve preservar.

Projetada no rumo do atormentado, alcança-o, desde que este se encontre receptivo, como é fácil de compreender-se. E mesmo que ele não sintonize com a onda benéfica que o alcança, não deixará de receber-lhe o conteúdo vibratório.

Alguém que se recusa à luz solar, mesmo assim é bafejado pela radiação e pelas ondas preservadoras da saúde e da vida.

A oração propicia equivalentes resultados salutares.

A oração pelos mortos constitui valioso contributo de amor por eles, demonstração de ternura e recurso de caridade inestimável.

Semelhante a telefonema coloquial, a rogativa lhes chega ungida de afeto que os sensibiliza, e o conteúdo emocional os desperta para as aspirações mais elevadas, que passam a plenificá-los.

Além disso, pelo processo natural de sintonia com as Fontes geradoras da Vida, aumenta o potencial que se derrama, vigoroso, sobre os destinatários, ensejando-lhes abrir-se à ajuda que verte do Pai na sua direção.

Deve-se orar no lar, sem qualquer perigo de atrair-se para o recinto doméstico o Espírito mentalizado, sendo que, pelo contrário, se este permanece aturdido ou perturbado, junto à família, libera-se ou vai recambiado para hospitais e recintos próprios do Além, onde se restabelece e se equilibra.

Demonstra o teu amor pelos desencarnados, orando por eles, recordando-os com afeto e mantendo na mente as cenas felizes que com eles viveste.

Evita evocações dolorosas, que os farão sofrer o impacto da tua mente neles fixada.

Reveste o teu impulso oracional com os reais desejos de felicidade para eles, que se reconfortarão, por sua vez, bendizendo-te o gesto e o sentimento.

Ninguém, que esteja degredado para sempre. Portanto, todos aguardam intercessão, socorro, oportunidade liberativa.

Ora, pois, quanto possas, pelos que sofrem, pelos que partiram da Terra, igualmente por ti mesmo, repletando-te da paz que deflui do ato de comungar com Deus.


Retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sábado, 16 de setembro de 2023

Firmeza no Amor

Deixa que o amor te luarize o íntimo e aprenderás o real significado da tua existência.

Sob a sua inspiração, terás alento para enfrentar as vicissitudes, porque compreenderás que a transitoriedade dos acontecimentos leva à meta final da felicidade.

Inspirado pelo seu conteúdo, disporás de paciência e coragem para os desafios ásperos do caminho e as agressões da brutalidade que, não raro, tentam interceptar a marcha do bem.

Com ele no coração, cantarás a melodia da esperança e alterarás a conduta, não revidando mal por mal.

O amor é de origem divina.

Ínsito em todas as coisas, é emanação de Deus vitalizando a Criação.

Quando o amor se afasta do homem, estruge a desesperação, aparece a suspeita, predomina o crime, e o ódio intoxica a vida.

O homem sem amor é qual embarcação sem leme, à matroca.

Difícil a vida, quando destituída de amor.

Herdeiro da agressividade ancestral, o homem reage, enquanto o amor ensina a agir com correção. Como efeito, somente quando se ama é que se alcança a maioridade, a superior finalidade da existência.

Assim, faze uma pausa no turbilhão de conflitos e atividades nos quais te debates, e ausculta o amor. Ele te falará de bênçãos não fruídas e alegrias ainda não experimentadas, que te despertarão para as emoções libertadoras.

Banha-te, portanto, nos rios invisíveis do amor de Deus e deixa-te arrastar pela sua correnteza...

Jesus, ensinando libertação plena, estabeleceu no amor a Deus e ao próximo a condição única e poderosa para o homem ser feliz.

Ama e dulcifica-te, porquanto, porquanto somente o amor propicia a luz do entendimento e o repouso da paz.


Retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2015.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Esquecer

O que marca o nascimento de um educador é ter olhos para ver o que nunca se viu


Era uma menina de nove anos. Caminhava segura

domingo, 10 de setembro de 2023

Diretores e Diretoras

Não deixem que seus "outros significativos" se transformem em burocracia e relatórios


"Outros significativos" é um conceito de sociologia de que me valho sempre. Estamos cercados por "outros": os caminhantes na rua, os que compram nas feiras, as torcidas de futebol, a gente nas igrejas, os doentes nos hospitais, os motoristas que guiam carros, os deputados e senadores. Todas as pessoas que não são "eu" são os "outros". Sei que esses outros existem, mas a maioria não me importa. Nada significam para mim. Mas, nessa multidão anônima de outros, há uns poucos que me são importantes. Em relação a eles, organizo o meu pensamento e os meus pensamentos. Meus filhos, por exemplo. Meus amigos. Meus leitores. Importa-me o que os meus leitores sentem ao ler um texto meu. Esses são meus "outros significativos".

Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és." Vou alterar esse ditado: "Dize-me quem são os teus outros significativos e dir-te-ei quem és." São os meus outros significativos que fazem de mim o que sou. Isso é uma lição importante para se compreender as razões por que os meninos e adolescentes, nas favelas, optam pela violência: porque aqueles que eles admiram, que têm coragem, que desafiam a polícia, que enfrentam a morte, aos quais damos os nomes de bandidos, são seus "outros significativos", seus heróis.

Dirigindo-me então a você, diretor, diretora, pergunto: "Quem são seus outros significativos?" Ser diretor é pertencer a uma rede política de poder. A função de diretoria se abre para cima - pode chegar mesmo até a Secretaria de Educação ou Ministério da Educação!

O mundo da burocracia é o mundo das pessoas sem face. Elas só têm existência como funções das estruturas burocráticas. Se, por acaso, uma diretora cair em desgraça frente a um superior, ela sabe o que lhe acontecerá. Nada de convites para reuniões, para as quais ela deveria se vestir como diretora. Pois não é verdade isso, que há uma forma de vestir apropriada para as solenidades? Se os seus outros significativos são aqueles que compõe a rede burocrática impessoal, então a sua cabeça estará cheia das coisas que a burocracia determina. Relatórios. Os burocratas são os modernos hereges. O evangelho diz: "No princípio é o Verbo." Os burocratas dizem: "No princípio é o relatório." Se estiver no relatório, existe, mesmo que não tenha existido de fato. Se não está no relatório não existe, mesmo que tenha existido de fato.

Uma professora do sul de Minas fez uma pesquisa sobre o conteúdo das reuniões entre diretores e professoras de várias escolas. O que ela achou foi de arrepiar. Nas atas havia registro de todas as atividades burocráticas, mas não havia referências aos alunos. Os alunos só eram mencionados quando se tornavam "problemas disciplinares".

Para você descobrir quem são seus "outros significativos" é fácil. Anote quantas horas você gasta por semana, lidando com papelada burocrática. Anote também quantas horas ou minutos você gasta misturando-se com os alunos (quem sabe brincando com eles). Aí você saberá...


Texto de Rubem Alves retirado da revista Educação, Editora Segmento, São Paulo. Agosto de 2006.

sábado, 9 de setembro de 2023

Terapia Libertadora

Diante das admiráveis conquistas psicológicas modernas, apresentando terapêuticas valiosas para os graves problemas emocionais da criatura humana, não podemos subestimar os recursos excepcionais que nos foram  ministrados por Jesus, desde há vinte séculos.

Ensinando a liberação dos traumas e dos conflitos que geram as emoções perturbadoras, os hodiernos tratadistas da psicoterapia recomendam as ações nobilitantes dos pacientes, o autoconhecimento, a expansão dos sentimentos nobres, a alegria nas suas várias facetas, o inter-relacionamento social, ao lado de outros mecanismos que contribuem para uma existência sadia, rica de criatividade e de realização.

Se fizermos uma releitura do Evangelho de Jesus, iremos encontrar as mesmas diretrizes, exaradas em propostas simples quão eficientes, contribuindo para que o mesmo se realize, superando os limites e as constrições que oprimem e afligem o ser.

Ame indiscriminadamente - é a recomendação central, porque o amor é método de libertação de todas as mazelas emocionais e agente poderoso de renovação, motivador de crescimento íntimo e realização pessoal.

Perdoe, sem condicionamento - constituindo a consequência do amor, única maneira de vencer os complexos de inferioridade, de narcisismo, filhos diletos do orgulho insensato.

Caminhe ao lado de quem necessita de companhia - sendo um impositivo de solidariedade, participando dos problemas do outro, graças ao que, constata a insignificância das próprias dificuldades.

Ajude em qualquer circunstância - tornando-se uma terapia de ação benéfica, que permite o olvido das queixas e autoflagelação diante das inumeráveis necessidades das demais pessoas.

Ore sempre - através deste processo, utilizando-se a autoanálise, descobre-se a realidade íntima e ilumina-se pelo esclarecimento de que se torna possuidor.

Todas as propostas de Jesus convidam o indivíduo para o encontro da própria consciência, o descobrimento da identidade e a superação da sombra da personalidade doentia.

O homem ignora-se, mantendo uma atitude infantil, que teima por impor ao grupo social no qual se movimenta.

Crê-se merecedor de consideração e assistência, que nega aos companheiros.

Supõe que a vida lhe deve ser colocada a serviço dos caprichos, em postura egocêntrica, que não faculta aos outros.

Reclama sofrer de carências de vária ordem, que recusa diminuir nos mais necessitados.

Coloca-se em uma posição de vítima, enquanto se torna indiferente, quando não se transforma em sicário de outras criaturas.

Permite-se direitos e créditos, que não concede a ninguém.

A sua, como efeito, é uma jornada solitária, por desprezo sistemático às Leis da Vida.

Nisto consistem as mais graves enfermidades, nas quais se apoiam os indivíduos que elegem a acomodação e a autopiedade como mecanismos de evasão dos compromissos que lhes cumpre atender.

O Evangelho conclama a uma fé dinâmica, objetiva, racional e produtiva.

Propõe a saída da ilha do egoísmo, para a conquista das praias da solidariedade.

Quem se negue a praticá-lo, incide nas patologias psicológicas e em algumas de outras áreas, carecendo de tratamento especializado.

Não obstante, mesmo após esses valiosos recursos, se não muda de atitude interior, adotando o comportamento do amor, do perdão, do auxílio fraternal, da autoiluminação, volve às posturas primitivas e enfermiças, porquanto, só na doação que induz ao auto-oferecimento é que o homem se realiza e se plenifica, adquire a saúde real.


Retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O vírus da "gripe literária"

NÃO SERIA POSSÍVEL QUE TODA AULA - DE FÍSICA, QUÍMICA, HISTÓRIA OU MATEMÁTICA - FOSSE INICIADA COM UM POEMA?


Epitáfio é uma frase que se grava numa lápide, contando algo sobre o enterrado. Já escolhi a minha. Não é original. É a mesma de Robert Frost: "Ele teve um caso de amor com a vida..."

Mário Quintana, sabendo que a morte o esperava em alguma esquina, escolheu a sua: "Eu não estou aqui..." Já imaginaram? Caminhando pelo cemitério, as lápides se sucedendo graves e fúnebres. "Aqui jaz...", "Aqui jaz..." De repente os olhos batem na frase "Eu não estou aqui", que é o mesmo que "Aqui não jaz..." É possível evitar o riso? É possível evitar amar quem assim brincou com a própria morte?

Mário Quintana era um menino que brincava com coisas graves. Sofreu. "Da primeira vez que me assassinaram perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a a cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa de minha." Mas passado o sofrimento, primeiro ele se vingou: "Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão... Eu passarinho..." Ler Mário Quintana é pular de galho em galho, como passarinho.

Pois eu ia pulando de galho em galho como passarinho. E quanto mais alegre eu ficava, mais triste eu ficava. É que eu estava lendo sozinho. E a alegria na solidão é triste. Eu queria mesmo era estar numa roda de gente, professores e alunos, compartilhando alegria.

Aí eu pensei uma ideia doida: "Não seria possível que toda aula, de física, química, história, matemática, fosse iniciada com um poema ou um curto texto literário?"" Por que não? Esses cursos de reciclagem... Pressupõe-se que um professor mais bem informado ensina melhor. Tenho minhas dúvidas. Conheço enciclopédias ambulantes que não conseguem ensinar coisa alguma. Que tal, então, seminários de literatura e poesia para professores de português? Como isso iria fazer bem para a sua saúde! Começar pelo Mário Quintana passarinho, que escreve curtinho e faz rir. Depois, e eu juro, mas juro mesmo, que um professor que leia o livro do escritor moçambicano Mia Couto, Na Berma de Nenhuma Estrada ("berma", beirada de estrada), vai ser contagiado pelo vírus da "gripe literária" e vai sair por aí, contagiando outros. Na próxima vou falar sobre o Mia Couto, pra contagiar vocês...

Veio-me então uma ideia original: aos professores se oferecem frequentemente cursos de atualização e reciclagem, nas matérias de sua especialidade. A ideia é que eles serão melhores professores se tiverem mais informações! Duvido... A minha ideia original é que houvesse para todos os professores cursos... Não! Poesia e literatura não se aprendem em cursos - "samba não se aprende na escola", disse Noel Rosa. Não sei que nome dar: experiências coletivas com a literatura, que só acontecem quando há prazer, espanto, deslumbramento, susto, beleza, riso.

Primeiro, para que os professores ficassem mais ricos por dentro. Segundo, para que as aulas de todas as matérias se iniciassem com dez minutos de poesia. Aí os alunos aprenderiam que literatura não é algo que acontece em certas horas de certos dias. Ela é como o ar; está misturada com a vida toda. Quem lê o Mário Quintana aprende isso.


Texto de Rubem Alves retirado da revista Educação, Editora Segmento, São Paulo, Maio de 2006.

domingo, 3 de setembro de 2023

Masculino e Feminino: Plural

AO REPRODUZIR PRECONCEITOS DE GÊNERO, ESCOLA PREJUDICA FORMAÇÃO E DESEMPENHO DE MENINOS E MENINAS


Eis uma das missões primordiais à condição humana: aprender a ser menino ou menina. Tarefa determinante na formação de cada um deles e que, às vezes, pode causar desencontro e frustração. Segundo uma facção de cientistas, comportamentos e aptidões por determinadas áreas do conhecimento seriam inerentes ao sexo. Por outro lado, correntes defendem que tais características são construídas a partir do modo como cada sociedade interpreta o sexo - o que é conceituado de gênero. O fato é que, a partir do momento em que as diferenças biológicas se convertem em desigualdade, estereótipos e preconceitos são gerados. Em uma análise distante do sexismo, estudiosos afirmam: meninos e meninas sofrem igualmente com a maneira como o masculino e o feminino são ensinados na escola, que poderia se tornar um ambiente de encontro entre eles e transformá-los em pluralidade.

As consequências da imagem do que é ser mulher ou homem afetam a vida escolar dos alunos e, por isso, vêm se tornando motivo de estudo. Segundo pesquisas, as meninas estão em maior número na escola e apresentam melhor desempenho. Mas, ainda assim, para educadores, elas são consideradas "invisíveis" nas instituições de ensino. Isso porque, salvo exceções ocupam um espaço intermediário entre os alunos brilhantes e os péssimos. Numericamente, são meninos os frequentadores mais assíduos das salas de reforço e protagonistas de uma cena em que, para ser bom ou inteligente, não é permitido se mostrar esforçado.

O sucesso de um não implica o fracasso do outro e vice-versa. O gênero, dizem os especialistas, tem influência sobre esses resultados. De acordo com o que é esperado de cada sexo, às meninas caberia o papel de "boazinhas": mais quietas, organizadas e esforçadas. Deveriam ter cadernos impecáveis e jamais voltar sujas e suadas do recreio. Já os meninos poderiam se mostrar mais agitados e indisciplinados. Espera-se que eles gostem de futebol, e é tolerado que tenham o caderno menos organizado e o material incompleto. Qualquer deslize nesses padrões de comportamento seria sinal de alerta de uma inversão do que se espera de uma atitude feminina ou masculina.

A mesma distinção acontece quando se justapõem características biológicas e aptidões para determinados campos de conhecimento. Um consenso na área médica, que se alastrou na educação, é o de que meninos dominariam com mais facilidade conceitos das ciências exatas e noções geográficas, ao passo que meninas teriam mais desenvoltura nas áreas de expressão, como linguagem e artes. O que determina isso seria o funcionamento do cérebro, segundo Luiz Celso Vila Nova, professor-adjunto de neurologia infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Departamento Científico de Neuropediatria da Academia Brasileira de Neurologia.

Cérebros diferentes - Vila Nova explica que o motivo não é conhecido, mas as regiões do cérebro envolvidas nas habilidades de linguagem se formam mais cedo no cérebro das meninas, que têm um número maior de conexões entre os hemisférios esquerdo e direito. Já os meninos, acrescenta, têm as áreas envolvidas em habilidades geométricas e espaciais amadurecidas mais cedo. "São tendências, mas não são determinantes. Posso ter uma tendência muito grande para ser um esportista, mas não significa que vou ter oportunidade", ressalta.

Para a antropóloga Maria Luiza Heilborn, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e coordenadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, tais interpretações científicas também são construídas socialmente. " O papel que a biologia desempenha na determinação e na definição dos comportamentos sociais é fraco, pois a espécie humana é essencialmente dependente da socialização", argumenta Maria Luiza. "Prova disso é que as mulheres diferem muito umas das outras em diferentes sociedades."

Como a escola não é uma ilha isolada do mundo, tais expectativas não são só incitadas pela instituição, mas emergem do olhar da sociedade sobre o gênero. Exemplo disso é maneira com as mulheres aparecem nos livros didáticos.

Segundo Daniela Auad, professora titular da Universidade Paulista (Unip) e visitante no Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dificilmente as mulheres são retratadas, por exemplo, em áreas como ciências ou engenharia, profissões consideradas masculinas. Quando ilustradas nos livros didáticos, são apresentadas, majoritariamente, em atividades ligadas as cuidado ou prestando algum tipo de assistência: são donas-de-casa, secretárias, enfermeiras, professoras. "Nem é verdade que as mulheres só ocupam esses cargos e nem é certo que os homens não estão neles", analisa Daniela, autora do livro Educar Meninas e Meninos - Relações de Gênero na Escola.

Outros tipos de preconceito, de acordo com a Daniela, assolam as meninas: a falta de liberdade para movimentar-se, o espaço que ocupam no pátio, geralmente nos cantos, e a pouca palavra que lhes é concedida. "Tomar a palavra é sinal de poder no mundo. É mais do que comum encontrarmos um homem orador numa turma de pedagogia que tem 60 mulheres e três ou quatro homens", conta.

Ainda assim, um fenômeno internacional vai de encontro ao que seria uma relação hostil da escola com as meninas. Pesquisas mostram que as mulheres estão em maior número nas instituições de ensino, alcançam maiores graus de escolaridade e melhores notas em testes de avaliação quando comparadas aos homens. No Brasil, dados do estudo Trajetória da Mulher na Educação Superior, do Instituto Nacional de Estados e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), indicam que, embora a população de homens até 20 anos de idade seja maior, as mulheres são maioria a partir da 5ª série do fundamental. De acordo com o resultado da pesquisa, que analisa a participação feminina no período entre 1996 e 2004, a diferença entre meninos e meninas aumenta no decorrer da vida escolar: vai de apenas 1% nas séries do EF para cerca de 13% na graduação universitária.

São números relevantes sobre o ensino público, mas que podem se esgotar neles mesmos e não refletir no mercado de trabalho e na representação política das mulheres. Para Cláudia Vianna, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), pesquisas qualitativas apontam que o fato de as meninas estarem em maior número na escola não demonstra, necessariamente, que elas estão indo bem. "Levando em conta a baixa expectativa dos professores e esse conceito de feminilidade, que estimula muito pouco a agressividade, acho ainda preocupante a relação da escola com as meninas", diz.

Para Cláudia, a escola não ensina as garotas a lutar pelo que querem e as poupa de tomar atitudes que lhes serão impostas pelo mundo. "Elas são invisíveis tanto como boas quanto como más alunas. Sempre tem um 'mas' na opinião das professoras. É estudiosa, mas muito calada ou pouco participativa. Ora, se isso é verdade, por que não se estimula uma reação delas?", critica.

O modelo de feminilidade comum na escola, como se pode perceber, não corresponde nem ao comportamento real das meninas nem ao que a escola espera dos alunos. Sabe-se que as meninas também têm suas formas de fazer bagunça, participar ou desobedecer. E há de se acreditar que as instituições de ensino não queiram formar crianças passivas, caladas e sentadas. Mas, então, por que toleram menos comportamentos considerados espontâneos e agressivos entre as meninas? Ou mesmo a exibição da sexualidade feminina?

"Se dois alunos se beijarem no pátio, provavelmente, a menina é que vai para o diário de indisciplina da escola", afirma a pesquisadora Marília Pinto de Carvalho, também professora da Faculdade de Educação da USP, que teve conhecimento desse fato verídico por meio de uma pesquisa feita por uma aluna dela. "Há um certo tipo de padrão de mulher e homem que a escola não consegue romper", lamenta.

Claro que a indisciplina é um problema e o professor precisa manter a ordem, completa Marília, mas as meninas só se tornam visíveis na escola quando comparadas aos meninos. É impressionante ouvir que elas são terríveis, iguais aos garotos, e averiguar que representam meia dúzia entre 300 alunos que fazem a mesma coisa", analisa.

Na avaliação de Marília, "a consequência de tal invisibilidade pode gerar revolta, passividade ou ser uma profecia que se autorrealiza: elas acabam se tornando, de fato, invisíveis". Melhor seria que as diferenças entre os sexos se tornassem desigualdades, pois o suposto fracasso masculino abrange questões igualmente complexas e prende os meninos a um modelo de masculinidade também preconceituoso.

Entre as explicações de especialistas para o pior desempenho e menor número de garotos na escola, está o fato de terem uma relação conflituosa com a instituição: maiores índices de reprovação, de evasão, seja ela definida ou não. São também os maiores protagonistas da indisciplina escolar e vítimas da violência social. Por isso, não se pode separar a discussão  de gênero das de classe social, raça e geração a que o aluno pertence.

Uma tendência comum, mas simplista, é atribuir ao trabalho infantil a culpa de os meninos terem uma relação difícil com a escola. Além de as estatísticas não serem capazes de captar o trabalho doméstico das meninas e seu efeito sobre a escolaridade delas, a causalidade pode não ser necessariamente essa.

"A gente pensa os pobres como se para eles apenas a questão econômica tivesse importância. Só que as pessoas são muito mais complexas que isso. Elas têm uma série de valores e a educação é um deles", afirma Marília. O menino que sai da escola definitivamente e ingressa no mercado de trabalho já tem um histórico de problemas com a instituição. "Não é só o trabalho que tira o menino da escola, mas a má relação entre ele e a escola também o empurra para o trabalho. No mínimo, as duas coisas atuam juntas", pondera.

Segundo a pesquisadora, os meninos têm uma trajetória escolar muito mais difícil e cheia de obstáculos, e a própria tolerância com a indisciplina deles os acaba atrapalhando. "Eles precisam ter certo grau de agitação, agressividade, no mínimo ser meio malandro, crítico, ou terá, então, sua própria identidade sexual colocada em questão. Pode ser bom aluno, desde que mostre que faz muito esforço por isso. É um grau de exigência tremendo", ressalta Marília.

Ao mesmo tempo em que há uma cobrança acentuada não só da escola, mas também dos adultos e dos próprios colegas sobre a imagem da masculinidade, os meninos estão carentes, de certa forma, de um modelo sólido de figura paterna, em vista da dissolução das famílias nucleares e tradicionais.

Concentração de mulheres - Como a escola é um ambiente majoritariamente feminino, não é fácil encontrar professores do sexo masculino, principalmente no ensino infantil ou nas séries iniciais do ensino fundamental. Até meados do século XX, a única oportunidade que as mulheres tinham de permanecer nos estudos eram os cursos normais, formadores de professores. Aos poucos, houve uma identificação da profissão com a feminilidade, e as mulheres foram autorizadas a frequentar esses ambientes. "Esse espaço foi conquistado com ambiguidade, colocando essa profissão como algo menos profissional, ligado ao instinto maternal", explica Cláudia Vianna. Essa concepção, que concretizou a tríade mãe-mulher-professora, é ainda mais forte na educação infantil, o que resultou "em uma ideia de trabalho voluntário ou mal-remunerado".

Sandro Ribeiro Chagas compõe o quadro dos raros professores das séries iniciais do EF e já lecionou em uma escola pública na periferia da capital paulista em que era o único homem entre os docentes. Ele conta que os alunos  estranhavam a sua presença. "Com o tempo, se acostumaram. Percebi que os meninos gostavam de conversar sobre assuntos extraclasse, como futebol. Já as meninas demoraram mais tempo para se adaptar."

Rodrigo Cordeiro Galvão, também professor das séries iniciais do EF, é o único homem da escola em que trabalha, na zona oeste de São Paulo (SP), e concorda que os meninos sentem falta da figura masculina na escola, principalmente quando estão na educação infantil. Ele já se acostumou a trabalhar só com mulheres e tem um bom relacionamento com elas, mas não esconde que gostaria de ter mais colegas do sexo masculino na escola. "Acho que seria muito interessante e importante para a criança", afirma.

Se para alguns as dificuldades na vida escolar dos meninos são socialmente construídas, há quem acredite que elas são biológicas. É o caso do terapeuta Steve Biddulph, radicado na Austrália, e que vendeu milhares de exemplares de Criando Meninos na França, Inglaterra e Austrália. No livro, mostra que os garotos têm reações diferentes a um mesmo estímulo colocado também às meninas.

Biddulph propõe que os meninos entrem na escola um ano mais tarde do que as meninas porque acredita, seriam mais lentos no desenvolvimento da coordenação  motora e cognitiva. Ele exemplifica outra diferença, como o fato de os meninos serem mais estimulados a se movimentar por terem 25% a mais de músculos. "Seria bom que ficassem em salas de aulas separadas das meninas até o início da adolescência, pois eles se desenvolvem de maneira tão diferente que podem acabar incomodando e distraindo uns aos outros", diz. 

É aí que entra mais um dos pontos discutíveis da questão de gênero. Será que o convívio na escola entre meninos e meninas é contraproducente? Voltar a separar os alunos por sexo poderia ajudá-los? No Brasil, a grande maioria dos estudiosos é a favor da escola mista e considera um atraso a volta da escola separada por sexo. "Pode até ser que controlem melhor a questão da disciplina, mas não adiantaria. Não são as meninas que atrapalham os meninos e nem vice-versa", defende Cláudia Vianna. Para ela, a separação empobreceria a formação dos alunos e poria a perder o que há de melhor no convívio escolar: as trocas. Não é preciso negar as diferenças entre os sexos e nem exaltá-las, o que não significa abandonar as crianças e deixar que se tornem meninos e meninas por conta própria - educação é justamente uma intervenção sistemática no processo de formação. O próprio conceito de gênero nasceu indiretamente com o movimento feminista e representou a forma mais bem acabada de as mulheres lutarem por condições de vida semelhantes às dos homens, demonstrando que não deveria existir uma prevalência da condição masculina sobre a feminina e nem vice-versa.


Texto de Lívia Perozim retirado da Revista Educação, Editora Segmento, São Paulo, Ano 10, nº 9, Maio de 2006.

sábado, 2 de setembro de 2023

No Campo da Mente

Canaliza as tuas forças mentais para a ideação do bem em preparativos de materialização.

As energias da mente são o potencial de força que estrutura a vida.

Jogadas a esmo, perdem a finalidade superior para a qual existem, concretizando irrisão e desequilíbrio.

Assim, cuida do direcionamento dos teus pensamentos, evitando os devaneios que te incendeiam de paixões perturbadoras, que anelas e, certamente, não se consumarão.

Mesmo que aconteçam, sustentadas pelo teu desejo ardente, são fogos-fátuos que logo desaparecem.

Exercita a tua mente, fixando ideias otimistas de saúde e de trabalho.

Insiste com essas formas ideais, e elas se consubstanciarão, mantidas pelo fluxo do anelo, condensando-se no plano da realidade objetiva.

Quando saibas comandar a mente, alternar-se-á, em profundidade, o ritmo da tua existência.

O cenho contraído cederá lugar à alegria espontânea; a ira fácil dará campo à benevolência; a exigência será substituída pela compreensão, e experimentarás o prazer de ser bom, pelo bem que faças, que te fará bem.

Insiste no pensamento gentil, edificante.

A mente, que se faz leviana, exorbita na alucinação e padece a hipertrofia das aspirações felizes.

A formulação de propósitos saudáveis faculta a viabilidade deles, que se convertem em realização.

O homem se torna aquilo que cultiva na mente.

A usina mental é dínamo gerador de que o espírito se utiliza para a viagem carnal e,  fora dela, para expressar a sua identidade e valor, que exterioriza no processo da evolução.

Se embalas pesadelos, defrontarás sempre sofrimentos.

Se vitalizas esperanças de paz, encontrarás tranquilidade.

Triunfo e insucesso são termos iguais de qualquer empresa: aquele que elejas, merece a tua fixação e o teu trabalho, mediante os quais o lograrás.

No bloco de pedra dorme a estátua, que o artista e de lá a arranca, a esforço e dedicação.

No solo adusto se oculta a seara, que o agricultor descobre a contributo de adubação, irrigação e semeação.

No barro imundo repousa a peça de cerâmica, que o oleiro modela com carinho e habilidade.

Ne mente vigem o ideal, a forma, a vida.

Aplica com sabedoria as tuas forças mentais e não as perturbes com os desvios da ilusão.

Jesus, que as conhecia em profundidade, usou-as, convidando-nos a aplicá-las bem, quando enunciou que podemos fazer tudo quanto Ele fez, se quisermos, se tivermos fé e valor de lutar contra as imperfeições, e extrair, do bloco de granito que ainda somos, a centelha divina que dorme em nós.


Retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.