domingo, 31 de dezembro de 2023

Mulheres ao Mar

 Nórdicas colonizaram ocupações vikings


A imagem de filmes e séries que mostram mulheres e crianças nórdicas se despedindo de pais e maridos guerreiros, que viajavam em busca de novas terras e pilhagens, não faz sentido, de acordo com pesquisadores suecos e noruegueses. Durante as longas viagens vikings entre os séculos 8 e 11, eles estavam nos barcos. Estudo publicado na revista Philosophical Transactions com base no DNA mitocondrial (só transmitido pelas mães) mostra que elas embarcaram rumo a Inglaterra, Irlanda, Islândia e  pequenas ilhas, como Orkney e Shetlands. "A pesquisa apoia a visão de que um significativo grupo de mulheres estava envolvido na colonização", diz Erika Hagelberg, da Universidade de Oslo, que participou do estudo. "Isso põe fim à ideia de que as viagens só envolviam estupros e pilhagens".

Os pesquisadores estudaram dezenas de esqueletos entre 950 e 1200 anos de idade. Compararam o DNA mitocondrial nórdico antigo com 5 mil amostras de indivíduos modernos da Noruega, Grã Bretanha, Islândia e outros países europeus. O resultado mostrou que o DNA materno dos vikings era muito próximo ao de moradores atuais da Islândia, das Orkney e Shetlands - ilhas isoladas do Atlântico Norte. "Mostramos que eles trouxeram as mulheres para colonizar a Islândia e outras áreas", disse a pesquisadora Maja Krzewinska.

Teorias mais antigas afirmavam que os vikings se fizeram ao mar em busca de mulheres, raras em suas terras originais, e que usaram garotas gaélicas para colonizar a Islândia.


Texto sem autoria identificada e retirado da revista Aventuras na História, Ano 12, número 3, Edição 139, Fevereiro de 2015, Editora Caras, São Paulo.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Confusão de Origem

Afinal, quem foram os primeiros habitantes das Américas?


No final de 2014, a análise de DNA de dentes de dois crânios de índios botocudos, encontrados no acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, trouxe uma grande revelação: o genoma era polinésio. Os botocudos, ou aimorés, viviam na atual região de Minas Gerais e Espirito Santo, distantes mais de 7 mil km do polinésio mais próximo, os rapa nui da Ilha de Páscoa. Para chegar de um lugar ao outro, seus antepassados teriam de ter cruzado um bom pedaço do Oceano Pacífico e, depois, atravessado a Cordilheira dos Andes. "O que já era surpreendente se tornou intrigante", afirmou o pesquisador Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague e um dos autores do estudo. Em 2013, uma análise do DNA mitocondrial, que só a mãe transfere aos descendentes, havia apontado a origem polinésia das ossadas. Agora a certeza é quase absoluta. A tribo foi praticamente exterminada no século 19, e hipóteses como a de que seriam escravos vindos do Peru ou de Madagascar (as duas regiões receberam escravos polinésios) acabaram descartadas.

A nova evidência traz à luz uma antiga discussão: quem são os antepassados dos americanos? Durante muito tempo, acreditava-se que os indígenas do continente fossem descendentes de um único grupo asiático que cruzou o Estreito de Bering entre 20 mil e 15 mil anos atrás. O grupo seria o ancestral da chamada cultura Clóvis - com base em artefatos datados de 13 mil anos encontrados no Novo México, EUA. Nos últimos tempos, tal visão tem sido fortemente contestada, graças a novos achados arqueológicos e paleontológicos.

O biólogo mineiro Walter Neves batizou uma descoberta em Lagoa Santa (MG) de Luzia. O fóssil tem 13 mil anos e é negróide. Ou seja, teria vindo da África ou da Oceania. Para Neves, Luzia poderia ser explicada se tivesse ocorrido mais de uma leva migratória pelo Estreito de Bering - com populações de etnias diferentes.

A recente descoberta do botocudos polinésios só ajudou a embaralhar ainda mais a questão. "Acho que está na hora de ser humilde e declarar ignorância", admitiu Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos autores do artigo, publicado na revista científica Current Biology.

Ainda há um terceiro componente: as pesquisas da arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon na Serra da Capivara, no sul do Piauí. A arqueóloga encontrou artefatos humanos ali - e traços do que ela acredita serem fogueiras de 45 mil anos. Para outros grupos de pesquisadores, as evidências, datadas por carbono 14, podem ser apenas incêndios naturais, sem a participação de humanos. Se a hipótese de Niède Guidon estiver correta, tudo o que se sabe sobre o ocupação humana das Américas terá de ser revisado.


Texto sem autoria identificada e retirado da revista Aventuras na História, Ano 12, número 3, Edição 139, Fevereiro de 2015, Editora Caras, São Paulo.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Linha do tempo de Carl Rogers

1902 - Em 8 de janeiro, nasce Carl Ransom Rogers, em Oak Park, Illinois, Chicago, EUA. Ele era o quarto de seis filhos do casal Walter A. Rogers (engenheiro civil) e Julia M. Cushing (dona de casa, fiel seguidora da Igreja Pentecostal Cristã).

1914 - A família, muito religiosa, muda-se para uma fazenda nos arredores de Chicago, para afastar os filhos dos perigos da grande cidade.

1919 - Ingressa na Universidade de Wisconsin, para cursar Agronomia, a primeira opção de carreira escolhida em função da fazenda em que morava.

1921 - Muda do curso de Agronomia para o de História.

1922 - Viaja para a China, para participar do Word Student Christian Federation Conference, quando começou a duvidar de suas convicções religiosas. Para ajudá-lo a esclarecer a sua escolha de carreira, participou de um seminário intitulado Por que estou entrando no Ministério?

1924 - Gradua-se em História. Casa-se com Helen Elliot, muda-se para New York e começa a cursar Teologia no Union-Theological Seminary.

1925 - Muda-se para Vermont, onde faz um estágio com a função de pastor.

1926 - Nasce seu primeiro filho David Elliot Rogers. Transfere-se para o Teachers College da Universidade de Columbia. Deixa a carreira religiosa e começa a trabalhar com crianças, sob orientação de Leta Hollingworth. Seu primeiro emprego foi no Centro de Observação e Orientação Infantil, onde ficou durante doze anos, tendo chegado a ser diretor. Nos oito primeiros anos, absorveu-se num trabalho diagnóstico e aplacamento de casos de crianças delinquentes e desprovidas de qualquer assistência.

1927 - Gradua-se em Masters of Arts. 

1928 - Nasce sua segunda filha: Natalia Rogers. Ao terminar o mestrado em Psicologia, começa a trabalhar no Child Study Departament of the Society of the Prevention of Cruelty to Children, de Rochester.

1929 - Passa a dirigir o centro em que trabalhava e, no ano seguinte, é nomeado diretor, onde fica por 12 anos trabalhando com crianças.

1931 - Recebe o título de PhD em Psicologia Clínica pela Universidade de Columbia.

1935 - Começa a lecionar no Teacher's College da Universidade Rochester. Desse ano até 1940 fou professor na Universidade de Rochester.

1939 - Publica seu primeiro livro, O Tratamento Clínico da Criança-Problema, no qual relata o que tem de mais importante nas suas experiências até esse momento. O livro foi bem aceito e motivou a sua contratação como catedrático da Universidade do Estado de Ohio, sendo sua responsabilidade a disciplina "Técnicas em Psicoterapia".

1940 - Leciona psicologia clínica na Universidade de Ohio. Nesse ano, Rogers se deparou com fortes reações contrárias às suas ideias, quando expôs o seu pensamento numa conferência, na Universidade de Minnesota. Ele a intitulou "Novos conceitos em psicoterapia" e destacou que o alvo da nova terapia era ajudar o indivíduo a crescer de maneira que ele mesmo pudesse resolver as suas dificuldades e as que surgissem, de uma maneira muito mais integrada, baseada numa tendência que ele possui para o crescimento, a saúde e a adaptação. Por isso elegeu o dia 11 de dezembro de 1940 como a data de nascimento da Terapia Centrada no Cliente.

1942 - Publica seu segundo livro Psicoterapia e Consulta Psicológica (Counseling and Psychotherapy). Nele, fez um exame formal e sistematizado da sua abordagem de terapia.

1946 - É eleito presidente da Associação Americana de Psicologia.

1951 - Seu terceiro livro é lançado: Terapia Centrada no Cliente (Client-Centered Therapy) contém sua teoria formal sobre a terapia da personalidade e algumas pesquisas que culminaram com a sua abordagem. Rogers obteve reconhecimento profissional.

1956 - É eleito presidente da Academia Americana de Psicoterapeutas e recebe um prêmio da Associação Americana de Psicologia por (...) "ter desenvolvido um método original para descrever e analisar o processo terapêutico, por ter formulado uma teoria da psicoterapia e dos seus efeitos na personalidade e no comportamento, susceptível de ser testada, pela extensa e sistemática pesquisa para explicitar o valor do método e explorar e testar as implicações da teoria".

1961 - Seu maior sucesso literário "Tornar-se Pessoa" (On Becoming a Person) vende mais de 1 milhão de cópias.

1969 - Primeiro livro dirigido à Educação "Liberdade Para Aprender" (Freedom to Learn). 

1970 - Publica o ensaio "Grupos de Encontro" (On Encounter Groups).

1977 - Lançou outro livro, "Sobre o Poder Pessoal" (On Personal Power). Nesse ano, vem pela primeira vez ao Brasil, promover sua obra. Realiza uma série de workshops, é entrevistado pela revista Veja e acompanha a formação de grupos que aplicam a sua teoria. Desperta interesse de um grande número de pessoas: terapeutas e educadores, entre outros, que passam a ser seus seguidores. Publica também o ensaio "A Pessoa Como Centro".

1979 - Morre Helen, a grande companheira de sua vida. Após sua morte, Rogers dedicou-se ao trabalho espiritual, acreditando na integração do homem com o universo.

1980 - Lança "Um Jeito de Ser" (A Way of Being), onde fez uma retrospectiva da evolução de seu pensamento e atividades profissionais, o que refletiu nas mudanças de terminologia da sua obra: "Sorrio quando penso nos diversos rótulos que dei a esse tema no decorrer de minha carreira - Aconselhamento Não-Diretivo, Terapia Centrada no Cliente, Ensimo Centrado no Aluno, Liderança Centrada no Grupo. Como os campos de aplicação cresceram em número e variedade, o rótulo "Abordagem Centrada na Pessoa" parece ser o mais adequado", explicou.

1983 - "Liberdade para aprender nos anos oitenta" seu segundo livro voltado à Educação.

1987 - Rogers sofreu uma queda e teve de ser operado. Houve complicações na cirurgia; ele entrou em coma e seus filhos, atendendo a seu pedido já feito tempos antes, desligaram as máquinas que o mantinham vivo após o terceiro dia do coma. Ele faleceu aos 85 anos. No ano de sua morte, foi indicado ao prêmio Nobel da Paz, por seu trabalho com o conflito intergrupal nacional na África do Sul e Irlanda do Norte.


Datas organizadas por Ana Elizabeth Cavalcanti e retiradas da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Rogers compreendeu o ser humano em sua totalidade

Para Rogers, cada pessoa é única, com funcionamentos conscientes diferentes, sendo possível categorizá-las e restringi-las apenas à compreensão do inconsciente e à busca incessante de traumas ocorridos na infância.


Cada vez mais ouvimos falar em teorias psicológicas que valorizam tanto o ser humano quanto as suas relações, bem diferentes das crenças da Psicanálise, que aponta os problemas do ser humano unicamente sendo intrapsíquicos, ou seja, residem no inconsciente de cada um, provenientes de traumas infantis.

No entanto, engana-se quem acha que estas correntes ou teorias sejam recentes. Um dos precursores desta corrente é Carl Rogers, um psicólogo americano, nascido em 1902, que ousou dedicar-se ao estudo e à observação de seu próprio trabalho com os seus clientes, vindo a desenvolver, posteriormente, a chamada Abordagem Centrada na Pessoa - ACP.

Carl Rogers foi o primeiro psicólogo a gravar e filmar suas sessões de psicoterapia com a permissão de seus clientes. Fez uso deste material para estudar não só a relação paciente x psicólogo, bem como o próprio ser humano. Na época, uma grande inovação no campo da psicoterapia.

É considerado também um dos nomes mais importantes da Psicologia Humanista, um ramo da Psicologia que surgiu como uma "reação ao determinismo dominante" nas demais correntes, em especial, a Psicanálise. Em suma, a Psicologia Humanista acredita que o ser humano traz com ele uma força tanto de autorrealização, como de crescimento, podendo, no entanto, sofrer alterações do meio ambiente. Alterações ou influências estas que podem ser positivas ou negativas, provenientes de fatores sociais, familiares, econômicos e políticos.

Desta forma, tendo a pensar que Carl Rogers foi um dos pioneiros a compreender o ser humano em sua totalidade, ao invés de restringi-lo apenas à compreensão do inconsciente e à busca incessante de traumas ocorridos na infância, guardados no inconsciente do ser humano e que teria grande influência na vida adulta.


Ênfase ao indivíduo


Rogers amplia, portanto, a compreensão do ser humano, dando ênfase ao próprio indivíduo como um ser vivo que, apesar do meio em que está inserido, possui forças determinantes na busca de seu autodesenvolvimento, mas é também um ser que sofre influências do meio em que vive. Fica claro, portanto, o valor que Carl Rogers atribui às relações interpessoais, apontando para o fato de que o outro também interferir em mim, tanto quanto eu posso interferir no outro. Uma maneira mais humanista e mais complexa, levando em consideração que o ser humano é não só complexo, mas está inserido em um ambiente também complexo, onde ninguém vive só e está livre de influências.

No entanto, Carl Rogers expressa de maneira incisiva que, assim como seres orgânicos vivos, temos uma tendência para crescermos em busca do melhor para cada um de nós, mesmo que o ambiente externo não seja favorável a isso, mas cada um encontra o caminho possível para si.

Rogers passou a compreender que cada pessoa é única, com funcionamentos conscientes diferentes, sendo impossível categorizá-las!

Outras grandes contribuições de Carl Rogers para a psicoterapia são: considerar seus clientes como clientes e não pacientes; o desenvolvimento de trabalhos em grupos, mais especificamente chamado de Encontros e Reflexões e Mudanças no Sistema Educacional.

Quanto ao termo "Clientes", Carl Rogers enfatiza que nem todas as pessoas que procuram por psicoterapia estão, necessariamente, doentes. Portanto, é mais um "salto" que Rogers provoca no mundo da Psicologia, uma vez que, até então, ela era considerada uma Ciência ou uma modalidade direcionada a pessoas doentes, de forma que qualquer sofrimento psíquico era considerado uma doença. Mais ainda, ele compreende que as pessoas que buscam por psicoterapia são pessoas que se encontram em dificuldades e que estas são inerentes à vida. Outra grande contribuição, ainda em relação ao cliente, é que o psicólogo passa a entendê-los como os responsáveis e autônomos por suas próprias vidas, escolhas, bem como pela superação das dificuldades enfrentadas, uma vez que possuem, em sua essência, uma força que os conduz à superação e ao autodesenvolvimento. Desta forma, Rogers também inaugura um outro tipo de papel do psicólogo, em que este não é o "possuidor ou detentor" de todo o saber do cliente. Ele é, apenas, o facilitador de uma conversa em que o próprio cliente irá descobrir-se.

Esta é uma postura que vem ganhando espaço nas últimas décadas. Uma postura de "não saber" do psicólogo que descentraliza o seu poder como sendo o dono da sessão. É uma relação entre cliente e terapeuta, a meu ver, mais humana, mais respeitosa, em que o cliente "troca" e "confia" nele, mas não entrega a sua vida e a sua história nas mãos dele. Ao contrário, tem a oportunidade de, a cada conversa, decidir o rumo de sua vida.

A outra contribuição, o trabalho em grupos, chamado por ele de Encontros, também se diferencia da Psicoterapia em grupo. Nos Encontros, qualquer pessoas pode participar e há facilitadores, ao invés de líderes ou psicólogos. A intenção é que cada um possa participar à sua maneira, com o conteúdo que desejar, sem que, para isso, seja necessária a escolha de um único tema a ser conversado. Desta forma, abre-se espaço para a participação igualitária, bem como uma interação coletiva, de modo a proporcionar a aceitação de todos.

Rogers considera os efeitos deste tipo de trabalho em grupo mais benéfico ou mais enriquecedor do que a Terapia em grupo, na qual, o cliente ou a pessoa irá se sentir aceita apenas pela figura do terapeuta. Nos Encontros, a aceitação tende a ser maior, pois é como se o grupo todo se aceitasse mutuamente.


Método da Não Diretividade na Educação


A terceira grande contribuição e, no meu entender, é em relação à Educação. Rogers aliou sua teoria Centrada na Pessoa, levando em consideração a individualidade de cada um, bem como as suas particularidades e potencialidades, às ideias de Paulo Freire, quando leu o livro "A Pedagogia do Oprimido".

O terapeuta norte-americano passou a defender uma pedagogia que fosse em direção a uma "aprendizagem significativa para o aprendiz", para tornar o ensino algo além do "acúmulo de conhecimentos" e que, acima de tudo, provocasse mudanças tanto no comportamento, nas atitudes e nas escolhas futuras do aprendiz, criando então o Método da Não Diretividade.

 O Método implica, portanto, na figura do professor também como um facilitador, não devendo interferir diretamente na aprendizagem, de forma que o aprendiz tenha total liberdade, bem como responsabilidade na escolha de caminhos que favoreçam a aprendizagem. A seu ver, isto só é possível quando o aluno se torna um agente ativo e não passivo (recebedor do conhecimento).

Atualmente, ouvimos falar de muitas técnicas e teorias que condizem com esta postura, mas ainda impera, em nossa sociedade e em nossa cultura, uma visão de que o professor é o detentor de todo o conhecimento e, também, autoridade máxima na sala de aula. A questão que Rogers inaugura também implica em descentralizar este poder da figura do professor, colocando o aluno como sendo o "centro" da sala de aula, devendo exercer a sua autonomia, inclusive na escolha do conteúdo que quer ou pretende aprender, tendo o professor como um "aliado" neste processo e não como um líder.

Hoje, o que temos de muito parecido é a Escola da Ponte, em Portugal, pautada no que chamam de Pedagogia Democrática, criada por José Pacheco. Atualmente, José Pacheco vive no Brasil, no Estado de São Paulo, e se dedica cada vez mais ao desenvolvimento deste método Democrático na Educação.

Rogers, repensando o sistema de educação, também foi um dos pioneiros a defender a liberdade de expressão na própria sala de aula e em qualquer contexto, tanto de aprendizagem quanto social, dando ênfase ao desenvolvimento da autocrítica. Assim, acreditou sempre num modelo tanto educacional quanto social em que cada um de nós deve e pode se desenvolver enquanto "pessoa atuante".

Como se vê, muitas das ideias e das práticas hoje encontradas na psicoterapia, assim como na Educação, estão relacionadas às origens do pensamento de Rogers, tendo como base a Abordagem Centrada na Pessoa. Trata-se de concepções que favorecem o olhar e a compreensão do ser humano de maneira mais Humanista, valorizando cada ser, libertando-o de conceitos e rótulos e compreendendo a sua capacidade de transformação de sua própria vida e do meio em que está inserido.

Para mim, as suas contribuições são valiosíssimas, mas ainda há muito para ser desenvolvido, tanto no setor psicológico como na área da Educação, uma vez que ainda impera, em nossa cultura, as práticas consideradas centralizadoras, em que tanto o psicólogo quanto o professor possuem, ainda um "pseudo poder" sobre a vida das pessoas.


Texto de Ssmaia Abdul retirado da Revista/Encarte Grandes Ícones do Conhecimento, Mythos Editora, número 07, São Paulo.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Aceitar-se, o segredo da autoestima

Carl Rogers enfatiza na "abordagem centrada na pessoa" que a aceitação incondicional de si mesmo, apesar das fraquezas e imperfeições, é determinante para uma autoestima saudável.


Muito já se falou da importância da autoestima. Centena de escritores especializados em livros de "autoajuda" tentaram dar receitas prontas de como elevá-la. Entre elas, frases de efeito a serem repetidas várias vezes ao dia, fórmulas do tipo "encontre suas qualidades e não supervalorize os seus defeitos".

Mas Carl Rogers alertou que as coisas são um pouco mais complexas. Segundo ele, a autoestima começa a se formar na mais tenra infância. "O bebê e, mais tarde, a criança e o adolescente que são tratados com carinho, afeto, atenção, consideração, respeito e amor, têm mais chances de se tornarem adultos com satisfatória autoestima." Mesmo assim, diz o psicólogo, podem ocorrer ao longo da vida problemas que afetem a visão de si mesmo. Neste caso, lembra que é fundamental aceitar-se sem qualquer condição e com todas as limitações que por ventura existam.


Importância do Amor


"Desde criança, o indivíduo passa por diversas dificuldades e obstáculos, que Rogers caracteriza como sendo normal ao desenvolvimento. Ela é levada a aprender regras para o seu próprio bem, mas que no futuro podem se tornar pontos inibidores da personalidade", descrevem Luma Guirado Scartezini, Ana Carolina Raad Rocha e Vanessa da Silva Pires em A Necessidade de Autoestima em Carl Rogers (faef.revista.inf.br).

De acordo com as autoras, a partir do instante em que a criança começa a conhecer a sua essência, desenvolve uma necessidade de amor e consideração. Uma carência natural de todo ser humano. Baseadas no trabalho de Maria da Graça Rafael, A relação de ajuda e a ação social: uma abordagem rogeriana, elas explicam que a "a consideração positiva desenvolve-se na primeira infância; por intermédio do amor e dos cuidados recebidos pelo bebê, a criança descobre que o afeto é fonte de satisfação e, assim, ela aprende a sentir uma necessidade de afeição. Conforme o bebê recebe a consideração positiva ou negativa, ele desenvolve a sua autoestima".

Para as acadêmicas, o amor é tão importante para a criança, que ela começa a agir de uma maneira que lhe seja garantido. A necessidade de aprovação faz com que ela passe a ter comportamentos que, muitas vezes, podem ir contra os seus próprios interesses. Agradar aos outros e ser aceita é o que a motiva.

Fundamentadas na obra Introdução à Psicologia (Prentice Hall Base) de Morris e Albert, as autoras descrevem que "Rogers chamou de 'consideração positiva incondicional', caso essas avaliações sempre fossem positivas; ou seja, não haveria distanciamento ou incongruência entre o organismo e o self, a autoestima seria incondicional, as necessidades de consideração positiva e autoestima não discordariam da avaliação organísmica, fazendo a pessoa funcionar de modo completo". Mas, ponderam que a maioria dos pais tem uma relação com seus filhos baseada na "consideração positiva condicional", ou seja, valorizam e aceitam alguns aspectos da criança. Se o seu comportamento satisfizer determinadas condições será aceita, e terá o amor e afeto. "Assim, o autoconceito do indivíduo desvincula-se cada vez mais de sua capacidade inata de ser", argumentam.

Elas salientam que a criança aprende rapidamente o que agrada e desagrada seus pais. O que é reprovado por eles passa a ser encarado como uma rejeição latente, mesmo que a criança acredite que aquele comportamento é certo. "Isto acaba levando a um autoconceito em desacordo com as experiências organísmicas. A criança tenta ser aquilo que os outros querem que ela seja em vez de tentar ser aquilo que realmente é" (Hall, Lindsey e Campbell, Teorias da Personalidade, Artes Médicas).

Neste sentido, as autoras ressaltam que "Rogers realizou  diversas pesquisas que destacaram a importância das avaliações das figuras parentais ou significativas, quanto ao comportamento da pessoa, podendo ocorrer uma grande diferenciação entre o self ideal e o self real (eu ideal x eu percebido). A diferença entre a 'imagem de si' (self real) e o 'desejado' (self ideal, num grupo de características do indivíduo, levará ao índice de autoestima, ou poderá refletir a autoinsatisfação, motivando-o a procurar ajuda (Rafael, 2002)".

Scartezini, Rocha e Pires enfatizam que "quando as pessoas perdem de vista o seu potencial inerente, tornam-se retraídas, rígidas e defensivas, sentindo-se ameaçadas e ansiosas; têm sua vida direcionada pelo que os outros querem e valorizam, sentindo-se desconfortáveis e inquietas. Em algum momento, podem perceber que não sabem realmente quem são e o que querem".


Crescimento Psicológico


Os estudos sobre o tema vão além. Para a psicóloga Debora Alfama Duarte, em "Autoconhecimento/Crescimento" (deborapsi.no.comunidades.net), por exemplo, a procura incessante pela autorrealização está intimamente ligada com o crescimento psicológico e com todas as opções que fazemos ao longo da vida. Ela acredita que a  Psicologia Humanista, representada pela teoria de Carl Rogers - Abordagem Centrada na Pessoa - explica a autorrealização, numa citação do psicólogo: "A maior força motivadora da personalidade é o impulso para a realização do self".

De acordo com Duarte, as pessoas saudáveis neste aspecto apresentam algumas evidências marcantes; são destemidas para novidades; vivem intensamente cada momento; têm sua própria opinião, não se deixando levar pela dos outros; sentem-se à vontade para expressar o seu pensamento, sentimento e ação e tem ótimo potencial criativo.

A psicóloga afirma que a autoestima "é uma relação com a 'imagem do eu'. E lembra que, "segundo Carl Rogers, a imagem do eu indica a configuração experiencial formada por percepções referentes ao Eu, às relações do Eu com os outros, com o ambiente e com a vida em geral, com os valores que o sujeito associa a estas distintas percepções".

Duarte salienta que o crescimento psicológico se evidencia mais facilmente para aqueles que têm a capacidade de fazer  experiências, o que proporciona um melhor autoconhecimento relacionado aos seus sentimentos positivos; a si mesmo, com os outros; o ambiente que o cerca e com os seus desajustes. "Aceitar-se e expressar os sentimentos a si mesmo e aos outros é ser congruente, já a ansiedade, a tensão e a confusão interna como, por exemplo, achar que: 'não sou capaz de tomar decisões', 'não sei o que quero', são comportamentos de pessoas incongruentes", conclui Duarte.

Dina Patrícia das Neves Vieira Guerreiro, concorda com suas colegas brasileiras. Em sua tese Necessidade Psicológica de Autoestima/Autocrítica: Relação com Bem-Estar e Distress Psicológico (repositorio.ul.pt) ela diz que "as pessoas, na maioria dos casos, valorizam muito a forma como são vistas e valorizadas pelos outros no seu meio". Ela define como notáveis as visões de Rollo May (1953) sobre a percepção pessoal e a autoalienação, e a ênfase de Carl Rogers (1961) sobre a congruência da autopercepção e precisão. E lembra que, nelas, o ambiente social é fundamental. De acordo com Guerreiro, estes autores asseguram que a origem da autoestima está profundamente ligada à aprovação e ao carinho do seu ambiente social e que, tendo-os em altos níveis, estas pessoas são mais propensas a desenvolver elevados níveis de autoestima, face àqueles que são provenientes de um ambiente social desfavorecido.

No entanto, ela lembra que não se pode levar em conta apenas os fatores externos para avaliar e entender a autoestima. "Na literatura, muitas vezes encontramos  pressupostos que acabam por confundir a autoestima adaptativa com atributos pessoais indesejáveis, como a centralidade, o egoísmo, e o senso exagerado de autoimportância, que acabam por levar a comportamentos disfuncionais. Desta forma, o que se pretende no indivíduo é o equilíbrio entre a autoestima e a autocrítica no alcance de um maior ajustamento interno".

Ela esclarece que "uma autoestima ótima é caracterizada por qualidades associadas à genuinidade, verdade, estabilidade, e congruência. Vulnerabilidade na autoestima dos indivíduos podem conduzir a diversas patologias, numa primeira análise, níveis elevados de autoestima podem conduzir a perturbações da personalidade, como narcisismo. Os indivíduos com perturbação narcísica da personalidade acreditam que são superiores, especiais e únicos e esperam que os outros também os reconheçam como tal. Já níveis baixos de autoestima , segundo Bednar, Peterson e Wells (1989), baseiam-se na escolha de evitar situações difíceis, em detrimento de se entregar a estas. Por conseguinte, as autoavaliações da pessoa tornam-se negativas e colocam de lado as avaliações positivas que outras pessoas significativas possam fazer de si. Podendo, nesses casos, conduzir a evitamentos, essencialmente, no que diz respeito a contextos sociais, culminando em perturbações como a ansiedade social".

A citação de Gabriel Garcia Marquez em "Como Contar Um Conto", de 1977, com a qual Guerreiro inicia a sua tese, sintetiza o equilíbrio a que todo o ser humano quer chegar: "Se o escritor se desfaz do que está escrevendo, está no bom caminho. Para escrever, o escritor tem de estar convencido de que é melhor que Cervantes; se não acaba sendo pior do que na verdade é. É preciso apontar para o alto e tentar chegar longe. É preciso ter critério e coragem, é claro, para arriscar o que deve ser riscado e para ouvir opiniões e refletir seriamente sobre elas".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

sábado, 16 de dezembro de 2023

Tornar-se Pessoa

Lançado em 1961, o livro de Carl Rogers "Tornar-se Pessoa" sintetizou o trabalho de mais de trinta anos do famoso psicoterapeuta. Ganhou o mundo. Foi traduzido em diversos idiomas e vendeu mais de um milhão de cópias.


Foi nesta obra máxima, que Carl Rogers expôs de maneira clara, simples e objetiva a sua teoria, seu aprendizado ao longo de mais de três décadas de terapias com os mais variados tipos de pessoas. O livro foi tão impactante que serviu de inspiração não apenas para a psicólogos ou pessoas ligadas ao setor, mas a donas de casa, empresários, pedagogos, publicitários, enfim, a todo e qualquer ser humano interessado em melhorar-se como pessoa.

Na época do lançamento, Rogers escreveu: "Esta obra foi elaborada para ajudar aos psicólogos, psiquiatras, educadores, conselheiros escolares, conselheiros religiosos, assistentes sociais, terapeutas do ontologia, diretores ou gestores, especialistas de organização do trabalho, homens dedicados às ciências políticas, para que todos eles possam encontrar no meu trabalho uma relação direta com os seus problemas profissionais. Sinceramente, é a eles que dedico esta minha obra. Existia ainda um outro motivo, mais complexo e pessoal: a busca de um público que ouvisse o que eu tinha para dizer: o comum, pois ele se refere à pessoa e à sua mudança num mundo que parece ignorá-la ou diminuí-la. Há ainda uma última razão para publicar este livro, um motivo que tem para mim uma enorme importância. Trata-se da grande, da desesperada necessidade do nosso tempo de adquirir o máximo de conhecimentos de base e a maior competência possível para estudar tensões que ocorrem nas relações humanas. [...] Espero que se torne evidente que esses conhecimentos, aplicados preventivamente, poderão ajudar no desenvolvimento de pessoas maduras, não defensivas e compreensivas que possam enfrentar de uma maneira construtiva as tensões que se lhes deparem no futuro. Se eu conseguisse tornar patente a um significativo número de pessoas os recursos por utilizar dos conhecimentos já disponíveis no domínio das relações  interpessoais, considerar-me-ia amplamente recompensado".

As expectativas do autor foram amplamente superadas. A repercussão do livro foi tamanha, que ele passou a ser conhecido como o "psicólogo da América". Sua teoria e algumas expressões usadas por ele na obra entraram definitivamente para as escolas da psicologia. A noção de empatia, por exemplo, tornou-se importantíssima na psicanálise.

Alguns pesquisadores acreditam que muitas teorias de Rogers praticamente se diluíram nas inúmeras escolas. Muitas de suas ideias foram amplamente aceitas apesar de algumas serem revolucionárias para a época. É dele também que vem a importância dada à autoestima. Suas ideias prevalecem até os nossos dias, dentro das profissões de saúde mental. Ele colocou a pessoa como arquiteto de sua própria transformação e capaz de ver dentro dela os próprios valores e conquistas.

Na introdução do livro, o psiquiatra Peter D. Kramer (65 anos), especialista em depressão, destaca que "para Rogers, o homem é 'incorrigivelmente socializado em seus desejos'. Ou, como ele coloca o problema repetidamente, quando o homem é mais plenamente homem, ele é merecedor de confiança. Rogers foi, na classificação de Isaiah Berlin, um porco-espinho: Ele sabia uma coisa, mas o sabia tão bem que poderia fazer disso um mundo. A escola de psicanálise de ponta atualmente é chamada de 'psicologia do self', um nome que Rogers poderia ter cunhado. Como a terapia centrada no cliente, que Rogers desenvolveu na década de 40, a psicologia do self entende a relação, mais do que o insight, como sendo central à mudança; e como a psicoterapia centrada no cliente, a psicologia do self sustém que o nível ótimo de frustração deva ser 'o menor possível'. A postura terapêutica em psicologia do self não podia estar mais próxima à consideração positiva incondicional".

Kramer finaliza dizendo que a abertura do livro pelo autor, intitulada: "Este sou Eu" não precisaria de qualquer introdução, pois contrasta com a postura defendida por seu colegas, que acreditavam que o terapeuta deve se apresentar como uma lousa em branco. "A opinião predominante era de que Rogers poderia ser repudiado, pois não era sério. Esta opinião esconde e revela uma visão estreita do que é sério ou intelectual. Rogers era um professor de universidade e um doutor amplamente publicado, tendo a seu crédito dezesseis livros e mais de duzentos artigos. O próprio sucesso do livro Tornar-se Pessoa pode ter prejudicado a reputação acadêmica de Rogers; ele era conhecido pela argumentação direta e simplicidade".


Como tornar-se pessoa?


Esta é a questão levantada por Rogers no livro de 480 páginas. Nele está a síntese de sua teoria aplicada em vários "clientes", como ele passou a chamar seus pacientes. Seu conteúdo revela que ninguém nasce pronto ou acabado, que não existem modelos de perfeição que devem ser seguidos. Cada ser humano parte do nada e passa a vida tornando-se aquilo que é.

Rogers inicia a obra traçando seu próprio perfil. Mostrando-se por inteiro. Como começou, quando mudou seu modo de pensar, se deu conta de que o psicanalista freudiano estava distante demais de quem precisava ajudar e, finalmente, porque acredita que sua teoria na prática funciona.

Nas primeiras partes do livro ele acentua: "Este é um livro sobre o sofrimento e a esperança, a angústia e a satisfação na sala de todos os terapeutas. É sobre o caráter único da relação que o terapeuta estabelece com cada cliente, e, igualmente, sobre os elementos comuns que descobrimos em todas essas relações. Este livro é sobre as experiências profundamente pessoais de cada um de nós (...). É um livro sobre mim, sentado diante do cliente, olhando para ele, participando da luta com toda a profundidade e a sensibilidade de que sou capaz".

A seguir, vai descrevendo o seu aprendizado: "Nas minhas relações com as pessoas, descobri que não ajuda, em longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que não sou. Não serve de nada agir calmamente e com delicadeza num momento em que estou irritado e disposto a criticar. Não serve de nada agir como se soubesse as respostas dos problemas quando as ignoro. Não serve de nada agir como se sentisse afeição por uma pessoa quando, nesse determinado momento, sinto hostilidade para com ela. Não serve de nada agir como se estivesse cheio de segurança quando me sinto  receoso e hesitante". Mais à frente ele destaca a necessidade de aceitação das outras pessoas de nosso convívio e como mudou a sua postura de como ajudar para como fazer esta pessoa se ajudar.

Já capítulo Como Tornar-se Pessoa, Rogers salienta que "um dos elementos da terapia de que mais recentemente tomamos consciência é o quanto ela é para o cliente, a aprendizagem de uma aceitação plena e livre, sem receio, dos sentimentos positivos de outra pessoa. Não é um fenômeno que ocorra com muita clareza em todos os casos de longa duração, mas, mesmo nesses, não se produziu uniformemente. No entanto, é uma experiência tão profunda, que fomos levados a perguntar se não se  trataria de uma direção muito importante no processo terapêutico, que, em todos os casos bem-sucedidos, talvez se verifique em certa medida, a um nível não verbalizado". Dito isso, o autor passa a trabalhar a afeição por si mesmo no cliente. Ou seja, a autoestima, importantíssima a seu ver para se chegar a qualquer lugar. A seguir, ele enfatiza a descoberta que norteia toda a sua teoria: "a descoberta de que o centro da personalidade é positivo". Mais à frente, o processo de tornar-se pessoa centraliza-se na resposta do cliente à pergunta: "Quem sou eu, realmente? Por trás da máscara, o processo de tornar-se é viável".

Quase no final, ele lembra as inevitáveis perguntas que todo ser humano se faz ao longo da vida: "Qual é o meu objetivo na vida?", "O que procuro?", "Qual é a minha finalidade?". No caso de seus clientes, Rogers diz que as respostas estão sempre envoltas em confusões sobre eles mesmos e cita um caso: "Vejamos o que diz um rapaz de dezoito anos, numa das primeiras entrevistas: 'Eu sei que não sou assim tão exuberante e tenho receio de que o descubram. É por isso que falo essas coisas... Qualquer dia, descobrem que eu não sou assim tão exuberante. Estou precisamente fazendo tudo para que esse dia seja o mais longínquo possível... Se me conhecesse como eu me conheço (pausa). Não vou lhe dizer que pessoa eu penso realmente que sou'."

Rogers finaliza focando os rumos da terapia sem antes enfatizar os resultados comprovados pela sua centrada na pessoa, na qual o cliente sente-se à vontade com o terapeuta e este totalmente aberto a ele. "Ela permite uma exploração em si mesmo de sentimentos cada vez mais estranhos, desconhecidos e perigosos, exploração que apenas é possível devido à progressiva compreensão de que é incondicionalmente aceito. Começa então o confronto com elementos da sua experiência, que no passado tinham sido negados à consciência como demasiado ameaçadores, demasiado traumatizantes para a estrutura do eu. Descobre-se vivenciando plenamente esses sentimentos na relação, de modo que, em cada momento, ele é o seu medo, a sua irritação, a sua ternura ou a sua força. E à medida que vive esses sentimentos variados, em todos os seus graus de intensidade, descobre que vivenciou a si mesmo, que ele é todos esses sentimentos. Depara com o seu comportamento mudando de uma forma construtiva em conformidade com o seu eu, do qual teve recentemente a experiência".


Aplicação abrangente


A ideia de servir de inspiração para os mais diversos segmentos da sociedade foi plenamente atingida pelo psicoterapeuta americano com o seu livro. A professora Maria do Céu Mota em artigo Tornar-se Pessoa (aventra.eu) diz que durante a sua licenciatura em Ensino de Música, o livro de Carl Rogers foi muito importante para ela. "É um livro cheio de ensinamentos não só para professores, mas para todos", opina. Segundo ela, juntamente com o indiano Krishnamurti, Rogers veio por associação, porque, no seu entender, ambos são semelhantes, não obstante estarem geograficamente tão distantes. "Penso que é uma ótima oportunidade de relembrar os seus ensinamentos e conhecer o que ele aprendeu na sua longa experiência como psicólogo, e psicoterapeuta por meio desta obra. Escolho à sorte algumas passagens, significativas: 'Não ajuda, em longo prazo, agir como se eu não fosse quem sou (...) tentar manter uma atitude de fachada (...) quando me aceito a mim mesmo como sou, estou a modificar-me. (...) todos nós temos medo de mudar'."

Mota alerta para o que considera a grande mensagem de Rogers no livro: "esta 'vida plena' não é para quem desanima facilmente. Implica em coragem de ser. Significa que se mergulha em cheio na corrente da via".

O professor Adolfo Pereira, mestrando em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida pelo UNIFAE e especialista em Gestão de Pessoas pela PUC de São Paulo, concorda com Mota. No artigo "Líder elefante e líder escada" (www.rhportal.com.br), ele enfatiza que "a tendência das relações reais é mais para se modificarem do que para se manterem estáticas" é o que afirmou Carl R. Rogers no livro Tornar-se Pessoa (1961, p. 29). "Seguindo Rogers deveríamos, portanto, estar mais acostumados com as mudanças, especialmente no âmbito dos relacionamentos dentro das organizações. Mais especificamente, nas relações entre chefes e subordinados. Chefe ou líder, neste texto, representa aquele ou aquela profissional que está à frente de um setor, equipe ou empresa. Gostaria de tocar numa 'ferida' que, invariavelmente, insiste em se fazer presente nas organizações de todo porte, que é 'o medo do chefe de perder o seu cargo para outro (a) que faz parte da equipe ou está tentando ingressar na organização'. O problema se concretiza quando ele usa o seu poder para anular aquele (a) que lhe representa uma ameaça. Isso acontece nas organizações? Conheço mais de uma centena de casos. Eu chamo este tipo de chefe de 'líder elefante', porque sempre que alguém o ameaça, ele levanta a sua pata gigante e o esmaga como se pisasse sobre uma pequenina formiga. Isto é horrível! Ruim para todo mundo, mas acontece o tempo todo".

Flávio Souza, trainer coach da International Coaching, em Empatia Cibernética de Competência Inconsciente: Excelência na Comunicação para Profissionais do Século XXI (www.tecmeddeditora.com.br) ressalta: "(...) o sucesso profissional é primeiramente um produto da capacidade e tendência de empatia do indivíduo, seja em qualquer área de atuação, fazendo-se ainda mais presente nas profissões que se estabelecem uma relação de ajuda. Nesta esfera, a empatia cumpre funções de abrir caminho para a aproximação, informação, ensino/aprendizagem, motivação, liderança, influenciação, e para a ajuda. A empatia amplifica, intensificando essas atitudes, buscando aliviar as necessidades de si mesmo e do outro, exprimindo-se, assim, na forma mais ativa da abordagem centrada na pessoa, que segundo Rogers (1962), trata-se de 'uma filosofia, um modo de ser a vida, um modo de ser, que se aplica a qualquer situação onde o crescimento - de uma pessoa, de um grupo, de uma comunidade - faça parte dos objetivos'. Tomamos como conceito de empatia a capacidade de um indivíduo em se reconhecer no outro e compartilhar com ele os seus sentimentos, emoções, condição situacional e representações sensoriais e estruturas de mundo no momento em que se processa a comunicação; promovendo assim uma conexão e sintonia inconsciente entre as partes envolvidas neste processo do relacionamento, proporcionando compreensão, confiança, segurança e ternura aos indivíduos envolvidos neste sistema, permitindo uma comunicação eficaz e eficiente (...). Então para o estabelecimento de uma empatia autêntica".

Ainda sobre a obra de Carl Rogers, o editor Emanuel Oliveira Medeiros, do Jornal Correio de Açores (www.correiodosacores.net), ao recomendar o livro no suplemento educação, sintetiza a receptividade do público ao livro: "é um clássico contemporâneo. Foi um livro  publicado, inicialmente, em 1961. Depois foi traduzido e publicado em Portugal. Os bons livros, sempre falam à pessoa que somos ou queremos ser. Os tempo que correm, propícios às tensões nas relações humanas, suscitam razões acrescidas para ler este livro. Sobretudo vivê-lo, até onde é possível, a começar pelo título, aparentemente paradoxal! Um livro com rigor acadêmico a serviço de todos".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Ensino livre e responsável

A "abordagem centrada na pessoa", de Rogers, encontrou na educação um campo fértil. Nos dois livros que escreveu, dirigidos a este setor, ele detalha como deve ser a "aprendizagem significativa" que envolve professores e alunos num único objetivo: crescimento.


Assim como foi aproveitada em diversas áreas, a Teoria Centrada na Pessoa (TCP) do psicólogo norte-americano caiu como uma "luva" no ensino. Muitos chegaram a mudar seu nome para "Abordagem Centrada no Aluno", tal a viabilidade de adaptação que enxergavam. O próprio Rogers notou esta possibilidade e escreveu dois livros especialmente dedicados a isso. Em "Liberdade para Aprender", lançado em 1972 e "Liberdade para Aprender em Nossa Década", em 1985, ele destaca, entre vários princípios da aprendizagem, que "o ser humano possui aptidões naturais para aprender e que a aprendizagem autêntica supõe que o assunto seja percebido pelo estudante como pertinente em relação aos seus objetivos".

Ao explicar o que é Aprendizagem Significativa, na primeira obra, Rogers diz que "a educação tradicionalmente imaginou a aprendizagem como um tipo ordenado de atividade cognitiva pertencente ao lado esquerdo do cérebro. O hemisfério esquerdo deste tende a funcionar de modo lógico e linear. Progride passo a passo numa linha reta, enfatizando as partes, os pormenores que constituem o todo. Aceita apenas o que é certo e claro, lida com ideias e conceitos e está associado com os elementos masculinos da vida". Ele enfatiza: "Este é o único tipo de funcionamento que tem sido inteiramente aceitável para escolas e faculdades". Mas, segundo o psicólogo, "envolver a pessoa como um todo na aprendizagem significa liberar e utilizar também o lado direito do cérebro. Este hemisfério funciona de maneira diferente", esclarece. "(...) é intuitivo, aprende a essência antes de conhecer os pormenores. É estético e não lógico, dá saltos criativos. É o modo do artista, do cientista criativo. Acha-se associado às qualidades femininas da vida".

O terapeuta exemplifica com uma citação do famoso cineasta Ingmar Bergman. De acordo com ele, "Bergman resume de maneira muito incisiva o modo pelo qual estes dois tipos de funcionamento se reúnem numa aprendizagem que utiliza todas as nossas capacidades. Diz ele: Atiro uma lança no escuro - isso é intuição. Então, tenho de enviar uma expedição selva adentro para encontrar o caminho dela - isso é lógica". Ele conclui o raciocínio, ressaltando que "a aprendizagem significante combina o lógico e o intuitivo, o intelecto e os sentimentos, o conceito e a experiência, a ideia e o significado. Quando aprendemos desta maneira, somos integrais, utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas".

No artigo "Teoria Geral de Carl Rogers - O ensino centrado no aluno: uma abordagem não diretiva". (www.educacaopublica.rj.gov.br), Joana Tolentino e Paulo Mendes Taddei, enfocam justamente esta problemática do ensino tradicional. Eles questionam: "Afinal, o que está por trás desse modelo é um novo paradigma de ser, de pessoa, de jovem. Será que a pessoa que queremos, que amanhã decida os rumos do mundo, é aquela sem autonomia, sem capacidade de fazer escolhas, sem saber nem mesmo quem é, apenas decorando e repetindo fórmulas e estruturas sociais - muitas vezes distorcidas? Pois esse é o jovem que a educação tradicional tutorial está produzindo. De repente, olhamos para a juventude atual e ficamos perplexos com a sua total  ausência de reflexão, de crítica, de autonomia, de envolvimento com o mundo que a cerca, sem ética nem percepção do todo que é a vida. Logo nós, tão acostumados em estabelecer nexos causais para tudo: qual seria a causa de tão desastroso efeito? Por que agora tão descabida perplexidade, se não formamos indivíduos questionadores e atuantes, mas apenas reprodutores da ordem vigente? Por isso, para Rogers, educação sem atuação é adestramento. E atuar pressupõe refletir, questionar e fazer escolhas. Esse é o maior ensinamento que, praticando, pode ser dado".


Proximidades entre Rogers e Freire


Fernanda Fochi Nogueira Insfrán em As contribuições de Carl Rogers e Paulo Freire para a educação: o caso de um pré-vestibular comunitário (www.encontroacp.psc.br), desenvolveu um trabalho inovador em educação comunitária. Junto a uma equipe de vinte e cinco voluntários, entre professores, coordenadores e colaboradores, criou um curso pré-vestibular na cidade de Araruama, Rio de Janeiro, utilizando os preceitos educativos de Carl Rogers e Paulo Freire. O objetivo, conta Fernanda, é lógico, era a aprovação dos alunos em faculdades federais de primeira linha. Todos os alunos vinham de escolas públicas. Mas, ela diz que a intenção foi também proporcionar a eles uma aprendizagem mais crítica e reflexiva, por meio da conscientização e responsabilização dos alunos enquanto sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.

Ao comparar a tendência  pedagógica Liberal Tecnicista com a Liberal Não Diretiva, Insfrán salienta que o autor Cipriano Luckesi, em Filosofia da Educação (Cortez), "mostra que a pedagogia liberal tecnicista tem como principal objetivo preparar recursos humanos para o mercado de trabalho. Ainda segundo Luckesi, inspirada na psicologia behaviorista de Skinner e em autores como Gagné, Bloom e Mager, a pedagogia tecnicista atua no aperfeiçoamento da ordem social vigente, articulando-se com o sistema produtivo. É conteúdo útil à aprendizagem apenas o redutível ao conhecimento observável e mensurável. Elimina-se a subjetividade".

A mestranda destaca que em nosso país esta tendência começou a ser utilizada na década de 60, atendendo às aspirações da ditadura militar. Já a pedagogia não diretiva criada por Rogers, defende que "o único homem instruído é aquele que aprendeu como aprender, como se adaptar à mudança; o que se deu conta de que nenhum conhecimento é garantido, mas que apenas o processo de procurar o conhecimento fornece base para a segurança" (Liberdade para Aprender em nossa década, Rogers).

Insfrán sintetiza que, segundo o autor, o ideal é mudar o foco do ensino para melhorar a aprendizagem, ou seja, "não é necessário se ater tanto às coisas que o estudante deve aprender, mas preocupar-se com o como, porque e quando aprendem os alunos, como se vive e se sente a aprendizagem, e quais as suas consequências sobre a vida deles".

A teoria de educação de Paulo Freire tem muitas semelhanças com a de Rogers, acredita Insfrán. Ela lembra que sua "Pedagogia do Oprimido", publicada pela primeira vez em 1970, nasceu em meio aos duros anos de ditadura militar brasileira, durante a qual ele foi preso e exilado. "Freire foi um dos primeiros a desenvolver técnicas de alfabetização de adultos e seu nome tem prestígio internacional na pedagogia", destaca.

A acadêmica enfatiza que "Freire desenvolveu uma pedagogia antiautoritarismo, de atuação não formal, onde aluno e professor devem atuar num sentido de mudança da realidade social. Uma educação crítica e problematizadora, que trabalha com "temas geradores" da prática dos alunos e conteúdos advindos dos próprios alunos". Ela acrescenta que ele criticou duramente as pedagogias tradicional e tecnicista, usando a expressão "educação bancária", na qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos.

No seu entender, desenvolvendo a autonomia do saber (Liberdade para Aprender - Rogers), pode-se chegar à pedagogia problematizadora (A Pedagogia do Oprimido, Freire). Foi o que fez nesta experiência com os pré-vestibulandos. E conclui: "Somente um sujeito responsável pela sua aprendizagem e perseverante quanto a suas metas, é capaz de se tornar crítico e reflexivo sobre o contexto em que vive e atuar na modificação deste meio."


Ferramenta para a Psicopedagogia


A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) de Rogers pode ser uma ferramenta útil para a psicopedagogia. É o que afirma Benjamim da Silva Amorim em A Psicopedagogia e a Abordagem Centrada na Pessoa (artigos.psicologado.com). Ele conta que "ao estudar a ACP, uma abordagem que dá sustentação teórica ao Ensino Centrado no Aluno pude entender o porquê das dificuldades de aprendizagem de muitas crianças e adolescentes. Em práticas com outros alunos que apresentam problemas de aprendizagem e que, desmotivados, são conduzidos ao fracasso escolar pela repetência, a ACP traz preceitos auxiliadores na construção do conhecimento para estes alunos". E acrescenta: " Pela minha formação humanista, e dentro dos preceitos da ACP, valorizo acima de tudo o potencial da pessoa para o crescimento, tentando criar para os alunos aos quais atendo um ambiente que lhes dê condições de fazer fluir este potencial latente que cada um possui. Desta forma, os bons resultados, me levam a crer que, ao unir a teoria rogeriana com os conhecimentos psicopedagógicos, pode-se fazer uma diferença real e profunda na vida escolar destes estudantes".

O psicopedagogo lembra uma citação de Rogers em seu livro Liberdade para aprender em nossa década: "Com frequência, fracassamos em reconhecer que grande parte do material que é apresentado aos alunos na sala de aula, tem para eles a mesma qualidade desconcertante e sem sentido que a lista de sílabas absurdas tem para nós. Isto é especialmente verdadeiro para a criança carente, cujo ambiente não fornece qualquer contexto para o material com que está se confrontando. Mas quase todos os estudantes descobrem que grande parte de seu currículo não têm sentido para eles. Desse modo, a educação se torna uma fútil tentativa de aprender material que não possui significado pessoal." Para corrigir isso Amorim destaca a sugestão de Rogers baseada na aprendizagem significante ou significativa, que possui sentido e envolve não apenas os pensamentos como também as sensações e as experiências, conduzindo a uma aprendizagem verdadeira.

Em tom de desabafo, Amorim conclui: "Mais de sete décadas se passaram desde que Rogers publicou suas primeiras ideias, e ainda elas parecem nos chocar, pois pouco daquela escola tradicional foi modificada. Quando há uma tentativa de aplicar uma psicologia humanista em qualquer instituição de ensino esta é considerada experimental. As dificuldades encontradas por Rogers são ainda as mesmas encontradas por aquele profissional que busca aplicar a Abordagem Centrada na Pessoa dentro de nossas escolas".

Apesar das barreiras, ele dá pistas de que não pretende desistir: "o mais importante é a construção da relação pessoal entre o psicopedagogo e o aluno, relação que deve ter como base o respeito, a confiança, o apreço, que dependem de certas atitudes expressas pelo psicopedagogo, como a compreensão empática, autenticidade e aceitação positiva incondicional, e que posteriormente, ao longo dos encontros entre eles, o próprio aluno apresentará tais características, culminando com uma modificação de seu comportamento e facilitando o real aprendizado".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

domingo, 10 de dezembro de 2023

Como atingir a plenitude em nossa existência?

A "vida plena" é um processo, não um estado de ser. É uma direção, não um destino. (Carl Rogers, Tornar-se Pessoa, 1961)


Plenitude na vida é sinônimo de felicidade e realização? Afinal, como atingi-los? Tem o mesmo significado para todos? É um estado de espírito ou é "vencer", ser bem-sucedido na vida? Acumular bens materiais suficientes e mais do que o necessário para uma vida digna? Será que é tudo ou nada disso?

Carl Rogers acredita que só uma pessoa segura de si ou confiante, que conhece as suas qualidades e defeitos profundamente é capaz de atingir essa vida plena, essa tal felicidade e realização plenas. Em seu livro Tornar-se Pessoa, ele descreve as etapas necessárias para atingir esse, digamos, "êxtase existencial". O primeiro passo, segundo ele, é "A Abertura crescente à experiência". Uma atitude oposta à defensiva, pois de forma progressiva a pessoa consegue perceber o que se passa em si, ou seja, se torna capaz de ouvir a si mesma. Neste contexto, ela está mais aberta aos seus sentimentos considerados negativos - receio, desânimo e desgosto - assim como aos seus sentimentos positivos - coragem, ternura e fervor. "É livre para viver os seus sentimentos subjetivamente, como eles em si existem, e é igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de impedi-lo de atingir a consciência".

O segundo passo é o "Aumento da Vivência Existencial", que para o psicólogo significa que a essência e a personalidade de cada um afloram das experiências vividas. Muito diferente do ajustamento de si mesmo a um sistema preconcebido e determinado pelo sistema vigente. Ou seja, a pessoa passa a ser um participante ativo e observador, interagindo com o mundo, respeitando a sua própria natureza em vez de tentar controlá-la. No livro, Rogers esclarece que esse momento implica numa flexibilidade, liberdade de ação que possibilite o total aproveitamento da experiência. "O máximo de adaptabilidade, uma descoberta de estrutura na experiência, uma organização fluente, mutável, do eu e da personalidade. (...) Abrir o espírito àquilo que se está passando agora, e descobrir no processo presente a estrutura específica que se apresenta, tal como ela é, uma das principais características da 'Vida Plena'."

A terceira fase é "Uma Confiança Crescente no Seu Organismo", isto é, a pessoa torna-se mais capaz de confiar na sua adaptabilidade natural diante de novidades, porque descobriu sem medo que era capaz e está satisfeita e confiante com o seu comportamento.

O último passo é "O Processo de um Funcionamento mais Pleno". Ele explica que, chegando a este estágio, "a pessoa mostra-se mais aberta aos testemunhos que provém de outras fontes; mergulha completamente no processo de ser e de se tornar o que é".

Assim procedendo, Rogers conclui que, apenas os adjetivos "feliz", "satisfeito", "contente", "agradável", não definem a plenitude da vida, mesmo que a pessoa venha a senti-los em sua conquista. No seu entender, é muito mais propício conceituá-la com outros termos como "enriquecedor", "apaixonante", "valioso", "estimulante" e "significativo". "O processo da 'Vida Plena' não é um gênero de vida que convenha aos que desanimam facilmente. Este processo implica a expansão e a maturação de todas as potencialidades de uma pessoa. Implica a coragem de ser. (...) Significa que se mergulha em cheio na corrente da vida. E, no entanto, o que há de mais profundamente apaixonante em relação aos seres humanos é que, quando a pessoa se torna livre interiormente, escolhe esta 'Vida Plena'."


Êxtase Humano


"Se tomarmos a vida plena como sinônimo de 'vida boa' na definição do psicólogo Carl Rogers, criador da Abordagem Centrada na Pessoa, compreenderemos, por este conceito, um processo de liberdade psicológica dirigida em quaisquer das direções, implicando em uma abertura crescente à experiência e uma redução contínua das atitudes defensivas, para que possamos viver plenamente cada momento de nossas vidas, como sendo um novo a cada instante", explica o psicólogo Silva Cavalcante Júnior, mestre em Educação Especial e Ph.D. em Leitura e Escrita pela University of New Hampshire (EUA), em Como viver uma vida plena na Universidade? (www.espacoacademico.com.br).

Cavalcante, que também é professor titular dos cursos de graduação e mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza, Ceará (UNIFOR), acrescenta que, se agirmos dessa maneira, sendo um membro atuante na vida, nossa experiência nos levará à plenitude. Ele explica que Rogers define essa estado de êxtase humano como "a pessoa que funciona em seu modo mais pleno, experimentando todos os seus sentimentos, e sem medo de nenhum deles, mergulhando completamente no processo de tornar-se quem ele ou ela, realmente é, e constituindo-se uma pessoa total - corpo, mente, sentimentos, espírito e poderes psíquicos integrados. Alguém, enfim, que consegue mergulhar em cheio na corrente da vida".

De acordo com o professor, Rogers descreve em seu livro Um Jeito de Ser (1983), que "esta nova pessoa tem sido encontrada entre os executivos que desistiram da competição em terno e gravata, da sedução dos altos salários e das opções da Bolsa para viver uma vida mais simples; homens e mulheres jovens de jeans que estão desafiando a maior parte dos valores da cultura atual e vivendo de novas maneiras; padres, freiras e pastores que deixaram de lado os dogmas de suas instituições para viver de uma maneira que faça mais sentido; mulheres que estão lutando contra as limitações que a sociedade impõe à sua individualidade e superando-as; os negros, as minorias latinas e os membros de outras minorias que estão se libertando de séculos de passividade e caminhando em direção a uma vida assertiva, positiva; aqueles que passaram por grupos de encontro e que estão encontrando lugar para o sentimento e para o pensamento em suas vidas; e os evasores escolares criativos, que estão tentando objetivos mais elaborados que a sua escolaridade estéril permite".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Abordagem centrada na pessoa, uma nova visão terapêutica

Com seu método revolucionário, abordagem centrada na pessoa, Rogers mudou para sempre os rumos da psicoterapia.


Depois de muitas experiências e anos de trabalho, Carl Rogers teve a certeza de que era preciso modificar os antigos modelos usados na psicoterapia. Desde a postura do terapeuta até a maneira de agir com o seu cliente - que a partir dele passou a ser chamado assim e não mais de paciente -, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), criada por ele teve, grande aceitação. Tanto que, atualmente, é usada não só por psicoterapeutas, mas na educação, por empresas, gestores de equipes, no esporte e em várias outras áreas que envolvam relações humanas.

Existem até mesmo organizações sem fins lucrativos com este nome e finalidade, espalhadas pelo mundo. No Brasil, em São Paulo, foi inaugurada em 2005 a Associação Paulista da Abordagem Centrada na Pessoa - APACP (www.apacp.org.br), congregando profissionais de todo o estado e que tem esta abordagem como referência.

O norte-americano John Keith Wood, PhD (1934 - 2004), professor na Universidade Estadual de San Diego (Califórnia), que acompanhou Carl Rogers, com quem trabalhava em sua primeira viagem ao Brasil, em 1977, define a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), no site da Associação: " O pressuposto fundamental deste método é que em todo indivíduo existe uma tendência atualizadora e inerente ao organismo, para crescer, desenvolver e atualizar as suas potencialidades numa direção positiva e construtiva: A hipótese central é a de que o indivíduo possui dentro de si mesmo vastos recursos para a autocompreensão e para alterar o seu autoconceito, as suas atitudes básicas e o seu comportamento autodirigido, e estes recursos podem ser liberados se um clima definido como atitudes psicológicas facilitadoras puder ser oferecido".

Wood acrescenta que, de acordo com Rogers, "as atitudes psicológicas facilitadoras que promovem a liberação da tendência atualizadora são Congruência (ser real e genuíno); Consideração Positiva Incondicional (significa não colocar condições para a aceitação ou para a apreciação desta pessoa) e Compreensão Empática (significa perceber apuradamente o quadro interno de referência da outra pessoa como se fosse o seu próprio, sem, contudo, perder a condição de 'como se')".

O professor lembra que, segundo Rogers, "estas condições promovem a atualização do indivíduo em qualquer relacionamento interpessoal, seja no relacionamento terapeuta e cliente, pai e filho, líder e grupo, professor e aluno, administrador e equipe; isto é, em qualquer situação cujo objetivo seja o desenvolvimento da pessoa. Por esse motivo, o campo de aplicação da Abordagem Centrada na Pessoa é bastante amplo".

Wood, que é autor de vários livros sobre o assunto e participou, juntamente com Carl Rogers, Maureen Miller, Maria Constança Villas-Boas Bowen e Jack Bowen, dos primeiros grandes grupos formados em Aldeia de Arcozelo, no Rio de Janeiro, em 1977 e 1978 e, na década de oitenta, facilitou vários grupos de encontro e workshops vivenciais, inclusive no Ceará, termina sua explicação advertindo: "A definição da ACP que detalhei aqui não surgiu de um papo no barzinho da praia, no último fim-de-semana. É o próprio conceito de Rogers, e permeia toda a sua vida de trabalho. Pessoas sérias devem estudar o seu trabalho em profundidade. A ACP é exatamente o que as palavras sugerem, uma abordagem, que consiste de atitudes, crenças, intenções da parte da pessoa que se defronta com o fenômeno (uma pessoa em terapia, um grupo de encontro, um workshop que se reúne por vários motivos). Assim, é uma postura." Wood permaneceu no Brasil até sua morte. Esta opinião entre vários outros artigos e palestras feitas por ele sobre o assunto, foi originalmente veiculada no site do VI Fórum Brasileiro da ACP, realizado em Canelas-RS, em 2005.


Semelhanças


Camila Moreira Maia e Idilva Maria Pires Germano, na tese: "Self, sofrimento psíquico e processo terapêutico: uma revisão da Abordagem Centrada na Pessoa à luz da Psicologia Narrativa" (abrapso.org.br), destacam a semelhança entre as duas vertentes psicoterapêuticas e uma citação crítica do renomado psicólogo e autor norte-americano J. Kenneth Gergen (Universidade de Duke).

Segundo as autoras, na obra O Movimento do Construcionismo Social na Psicologia Moderna (1997), Gergen além de afirmar "que a Abordagem Centrada na Pessoa está pautada num paradigma moderno, ele diz ainda que Rogers possui uma visão romântica de homem, pelo fato de achar que 'os seres humanos são naturalmente bons, mas corrompidos pelas circunstâncias do meio'. Segundo ele, é como se existisse um estado humano natural, normal e bom, que deve ser recuperado por meio da psicoterapia".

Por outro lado, o terapeuta Alex Barbosa Sobreira de Miranda (UES-PI), em seu artigo Abordagem Centrada na Pessoa (artigos.psicologado.com) destaca que "a Abordagem Centrada na Pessoa rejeita as ideias dos outros psicólogos, que se concentraram na perspectiva de que todos sujeito possuía uma neurose básica. Nesse sentido, Rogers defendeu a ideia de que o núcleo básico da personalidade humana era tendência à saúde e ao crescimento. Com essa descoberta, o processo psicoterapêutico nessa ênfase passou a postular uma cooperação entre terapeuta e cliente, a fim de liberar esse núcleo de personalidade, estimulando ao amadurecimento emocional, à redescoberta da autoestima e da autoconfiança".

Controvérsias à parte, Maia e Germano, destacam em seu trabalho que "tanto a Psicologia Narrativa, quando fala das metanarrativas dominantes, quanto a Abordagem Centrada na Pessoa, quando fala do processo de alienação de si, acreditam que um indivíduo entra em situação de mal-estar quando concepções pré-formadas a respeito dele são incutidas na sua maneira de autoconceber-se, de forma que não há espaço para este desenvolver as suas próprias  compreensões sobre si. Há, portanto, de acordo com elas, uma concordância entre as duas formas de pensamento em relação ao caráter rígido e dominado do 'Ser o que realmente se é'."

As acadêmicas concluem que "as ideias defendidas pela Abordagem Centrada na Pessoa, compartilha de muitas noções das psicoterapias de base narrativista; sobretudo, no que diz respeito aos seus objetivos e práticas desencadeadoras de mudanças de autoconceitos e de versões de mundo. Assim, como a Psicologia Narrativa, a ACP não postula a existência de verdades universais; concebe as relações pessoais tanto como formadoras das noções de si dos sujeitos como responsáveis pela produção de formas de existência patológicas e considera que a promoção de bem-estar psíquico está relacionada com a postura de "não saber" adotada pelo terapeuta, com uma apreciação do mundo dos significados do sujeito, com o não julgamento das ações do indivíduo e com a transparência do terapeuta nesta relação".


ACP no futebol


Quem disse que o método criado por Rogers não poderia ser aplicado no esporte mais popular do país? A tese "A Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicologia do Esporte" de Bruno José de Mattos, da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (www.bibliotecadigital.unicamp.br), prova que sim.

Ele diz ter convicção de que de que a ACP favorece a liberdade de escolha da pessoa. "Consciente e autônoma ela terá coragem para aceitar quem realmente é. A partir desta aceitação, irá percorrer trilhas traçadas por si, estas levarão ao seu crescimento. Para isto acontecer é valioso o exercício de confiança nas potencialidades de cada ser humano. A pessoa amplia a sua consciência quando passa a escutar a si própria, quando percebe e compreende os seus próprios sentimentos. É um exercício de autonomia que a Psicologia Humanista da ACP propõe, pautado na qualidade de aceitação, compreensão e honestidade da relação entre psicólogo e cliente".

Mattos destaca que a ACP parte do princípio da autocompreensão e autodeterminação do indivíduo. "Não posso entender um atleta feliz, saudável, congruente nas suas ações sem que seus sentimentos e pensamentos estejam de acordo com a situação vivenciada. Mas também considero não ser uma tarefa fácil".

Em sua experiência com jogadores e a comissão técnica de uma equipe, durante os períodos de preparação e disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior, Mattos percebeu que o trabalho do psicólogo, ao ser congruente com a humanização do atleta, pode levar à sua limitação se ou outros membros da comissão técnica (treinadores, preparados físicos, supervisores) têm uma postura rígida, ortodoxa em suas metodologias e olham para os atletas com ar de superioridade. "Quando isso acontece, o psicólogo fica numa posição de linha de fogo entre os dois lados: a compreensão dos sentidos psicológicos que os atletas vivenciam nas suas experiências versus as diretrizes imutáveis dos protocolos de treinos das comissões técnicas".

Ele questiona "As comissões técnicas passam anos preparando o atleta psicologicamente para os mais variados torneios, mas sem nunca saber quem realmente ele é. Então, que ajuda psicológica é esta no esporte, na qual há o desconhecimento dos sentimentos que o atleta dá pata a sua vida, mas que ao mesmo tempo o condiciona para as competições?"

Mattos encerra a sua tese refletindo sobre o seu papel de psicólogo humanista no Esporte. Inevitavelmente se pergunta: "meu trabalho é bom ou ruim?" E lembra que esta também era a preocupação de Carl Rogers quanto à modificação da personalidade, quando o cliente se submetia ao atendimento psicológico. "Ele chegou a desenvolver estudos experimentais para poder medir as alterações na personalidade das pessoas que buscavam ajuda psicológica", pondera.

Ciente de que o seu atendimento aos atletas de futebol não se configuravam como uma terapia, mas uma atenção psicológica orientada pelas premissas da Abordagem Centrada na Pessoa, Mattos se diz consciente de que o serviço prestado para ajudar aos jogadores e a comissão técnica do time foi benéfico somente para os jogadores, mas de pouca valia ao treinador e ao supervisor.


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Inovador e Versátil Legado Teórico

Rompendo com vertentes tradicionais da psicanálise, o trabalho do psicólogo norte-americano Carl Rogers foi de tal forma impactante, que sintetizou a tese dos humanistas em uma só teoria.


"É inegável a importância e consistência do legado teórico produzido por Rogers para a  Psicologia e Pedagogia. Entre muitos outros setores", declara Dilercy Aragão Adler, no ensaio Carl Rogers: Principais Constructos Teóricos e a Realidade Social, Contrapontos Necessários (www.redem.org). Porém, ela considera que há um antagonismo entre suas argumentações e as condições existenciais da sociedade na qual vivia e para a qual propunha sua tese. "Fica claro nos seus estudos que as principais premissas consideram um homem abstrato, a-histórico, descolado de uma dada realidade social. E, em outras palavras, não contemplam uma visão histórica e condições materiais da realidade social em que esse homem está inserido".

Baseada na declaração de Rogers, em sua obra Tornar-se Pessoa, de 1961 - "Nas minhas relações com as pessoas, descobri que não ajuda, em longo prazo, agir como se eu não fosse quem sou. [...] descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo, aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo" - a psicóloga afirma que "de uma forma muito lúcida, ele diz que parece ser uma atitude cada vez mais comum, na cultura vigente, esperar que se queira que todas as pessoas sintam, pensem e acreditem como a si próprio. E exemplifica: é difícil para os pais permitirem aos filhos que pensem diferente (isso aconteceu com ele quando se afastou dos princípios religiosos da família); na esfera nacional: que outra Nação tenha valores e comportamentos diferentes. E fecha o argumento dizendo: "Qualquer pessoa é uma ilha, no sentido muito concreto do termo; a pessoa só pode construir uma ponte para comunicar com outras ilhas se, primeiramente, se dispôs a ser ela mesma e se lhe é permitido ser ela mesma".

Adler conclui, então, que só se pode ajudar alguém a tornar-se pessoa, quando aceitam seus sentimentos, atitudes e crenças que compõem seus elementos reais e vitais.

A acadêmica considera que a partir da prática psicoterápica e de sua teoria da personalidade, Rogers desenvolveu abordagens para todas as relações interpessoais. "Suas concepções são também aplicadas à educação, na área da liderança militar e industrial, na prática do serviço social, enfermagem, assistência religiosa e até mesmo nos estudos da Teologia e da Filosofia".


Rogers x Freud


Inúmeros estudos já foram elaborados sobre Freud e Rogers. No artigo A Natureza Humana segundo Freud e Rogers (gruposerbh.com.br), a psicóloga e professora da Universidade Federal da Paraíba, Sônia Maria Lima de Gusmão, traça um paralelo entre as teorias dos dois estudiosos. Profundas diferenças denotam que o psicólogo norte-americano rompeu com os fundamentos do conhecido e aclamado "Pai da Psicanálise". "Um dos pontos mais contraditórios entre a teoria psicanalítica e a teoria centrada na pessoa é aquele que diz respeito à natureza humana. Os autores que abordam essas teorias, frequentemente, enfatizam tal aspecto. Parece não haver dúvidas de que a posição de Rogers é nitidamente otimista em confronto com a de Freud", explica a autora.

Gusmão destaca que, para Freud, o homem possui um permanente conflito entre forças antagônicas existentes em seu interior. Enquanto na Abordagem Centrada na Pessoa, Rogers acentua: "O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver os seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e a eficácia necessárias ao funcionamento adequado".

Para a professora, o contexto em que cada um deles viveu influenciou significativamente a elaboração de suas concepções sobre a natureza humana. Ela lembra que Sigmund Freud nasceu no século 19, em 1856, em Freiberg Mähren, atual P íbor, República Tcheca. Viveu em Viena (Áustria) e morreu em Londres, em 1939. Ele sofreu os entraves de duas guerras mundiais. Sua época foi marcada pela repressão sexual, o que lhe trouxe experiências profissionais bem diferentes das de Rogers. Freud foi o criador da Psicanálise e influenciou, igualmente, várias áreas do conhecimento, além da Psicologia. Por sua vez, Rogers nasceu em 1902, num pequeno subúrbio de Oak Park, situado nos arredores de Chicago, Illinois (Estados Unidos) e morreu em 1987, aos 85 anos, em seu próprio país. Foi criado sob rígidos princípios religiosos.

Gusmão cita ainda a opinião de Richard Farson, Diretor do Instituto Esalen, São Francisco, autor de Carl Rogers: o home e suas ideias (Evans, Richard I.) que considerava Rogers um revolucionário tranquilo "pela maneira como contribuiu para mudar vários aspectos da psicologia e de mudar de outras áreas, é sem dúvida alguma um marco referencial na obra  psicológica existente".

A psicóloga afirma que na visão de Freud, o ego e o superego têm o seu lado obscuro ou inconsciente. "Quando apreciamos a obra freudiana, observamos que toda ela é marcada por um certo ceticismo em relação ao homem. Sendo a natureza humana, no seu entender, determinada, sobretudo, pelas pulsões e forças irracionais, oriundas do inconsciente; pela busca de um equilíbrio homeostático; e pelas experiências vividas na primeira infância. Tudo o que o homem construiu - as artes, as ciências, as suas instituições e a própria civilização - num contexto mais amplo, não passa de sublimações dos seus impulsos sexuais e agressivos. Neste sentido, pode-se afirmar que, sem as defesas, é impossível a civilização, e que uma sociedade livre e sem necessidade de controle está fora de cogitação".

Neste sentido, ela salienta que Rogers foi alvo de críticas e chamado de ingênuo e romântico, por acreditar que o ser humano é fundamentalmente bom. No entanto, declara em seu livro Tornar-se Pessoa, de 1961: "Não possuo visão ingênua da natureza humana. Tenho bem consciência de que para se defender e movido por medos intensos, indivíduos podem e, de fato, se comportam de modo incrivelmente destrutivo, imaturo, regressivo, antissocial e nocivo".

A compreensão de Rogers a respeito da natureza humana vai além dessa constatação, afirma Gusmão. Na mesma obra, ele diz que "contrariamente à opinião que vê os mais profundos instintos do homem como sendo destrutivos, observei que, quando o homem é, verdadeiramente, livre para tornar-se o que ele é no mais fundo de seu ser (como no clima seguro da terapia), quando é livre para agir conforme a sua natureza, como um ser capaz de perceber as coisas que o cercam, então ele, nitidamente, se encaminha para a globalidade e a integração".

Gusmão conta que Rogers se mostrou perplexo quando um freudiano do porte de Karl Menninger lhe disse, numa discussão sobre o tema, que percebia o homem como sendo " inatamente destrutivo". Tal afirmativa conduziu o criador da Abordagem Centrada na Pessoa, às seguintes questões publicadas na apostila Carl Rogers e a Natureza Humana (Universidade de Chicago), 1957: "Como pode ser que Menninger e eu trabalhando com um objetivo tão semelhante, num relacionamento tão íntimo com indivíduos angustiados, experimentemos as pessoas tão diferentemente? Talvez, como sugere Snyder, essas profundas diferenças não contem quando o terapeuta se interessa realmente por seu cliente. Mas, como pode o analista sentir um interesse positivo para com o seu paciente, quando sua própria tendência inata é destruir? E ainda mesmo que suas tendências destrutivas fossem adequadamente inibidas e controladas por seu analista, quem controlou a destrutividade daquele analista? E assim sucessivamente, ad infinitum".


Paul Tillich e Rogers


Em Carl Rogers Dialogues, no Diálogo entre Carl Rogers e Paul Tillich, publicado na Revista da Abordagem Gestáltica (pepsic.bvsalud.org) há a transcrição do diálogo entre o teólogo protestante alemão Paul Tillich (1886 - 1965) e Carl Rogers realizado em março de 1965, no estúdio de rádio e televisão da Faculdade Estadual de San Diego, na Califórnia.

Tillich migrou para os Estados Unidos em 1933, tornando-se cidadão norte-americano em 1940 e professor de várias universidades americanas como Harvard e University of Chicago Divinity School, onde permaneceu até o seu falecimento.

O diálogo apresenta um rico conteúdo: "(...) Rogers: Em minha própria experiência, o potencial de aceitação da outra pessoa tem sido demonstrado repetidas vezes, quando um indivíduo sente que ele é tanto plenamente aceito em tudo que é capaz de expressar como ainda é estimado como pessoa. Isso tem uma influência muito grande sobre a sua própria vida e o seu comportamento.

Tillich: Sim, acredito que esse aspecto é realmente o centro do que chamamos de boas novas na mensagem cristão. (...)"

"(...) Rogers: Eu concordo quanto à dificuldade de criar uma liberdade completa. Estou certo de que nenhum de nós poderá criar isso para outra pessoa na sua integralidade... No entanto, o que me impressiona é que mesmo tentativas imperfeitas de criar um clima de liberdade e aceitação e entendimento parecerem liberar a pessoa para mover-se em direção a alvos sociais. Não sei se é o seu pensamento acerca do aspecto demônico, que faz com que coloque um ponto de interrogação aqui.

Tillich: Agora, deixe-me primeiro responder acerca do que você acabou de dizer, e aqui concordo plenamente. Eu diria que há atualizações fragmentárias na história e concordo especialmente com o profundo insight que obtivemos, em grande parte pela psicoterapia, acerca da tremenda importância do amor nas primeiras fases do desenvolvimento infantil. Então, perguntaria: 'Onde estão as forças que criam uma situação na qual a criança recebe esse amor que dá a ela, posteriormente, a liberdade de encarar a vida e não de escapar dela por meio de neuroses e psicoses?'. Deixo essa questão em aberto. Mas agora você está interessado acerca do demônico, e você não é o único. (...) O único termo adequado que encontrei foi o usado pelo Novo Testamento, que se encontra nas histórias acerca de Jesus: similar ao estar possesso. Isso significa uma força, debaixo de uma força, que é mais forte do que a boa vontade do indivíduo. Quero deixar bem claro que não me refiro a um sentido mitológico - como pequenos demônios ou o próprio Satanás correndo pelo mundo - mas me refiro a estruturas que são ambíguas, ambas, até certo ponto, criativas, mas, sem sentido último, destrutivas. É isso que quero dizer com o demônico. (...)


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.