quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Aceitar-se, o segredo da autoestima

Carl Rogers enfatiza na "abordagem centrada na pessoa" que a aceitação incondicional de si mesmo, apesar das fraquezas e imperfeições, é determinante para uma autoestima saudável.


Muito já se falou da importância da autoestima. Centena de escritores especializados em livros de "autoajuda" tentaram dar receitas prontas de como elevá-la. Entre elas, frases de efeito a serem repetidas várias vezes ao dia, fórmulas do tipo "encontre suas qualidades e não supervalorize os seus defeitos".

Mas Carl Rogers alertou que as coisas são um pouco mais complexas. Segundo ele, a autoestima começa a se formar na mais tenra infância. "O bebê e, mais tarde, a criança e o adolescente que são tratados com carinho, afeto, atenção, consideração, respeito e amor, têm mais chances de se tornarem adultos com satisfatória autoestima." Mesmo assim, diz o psicólogo, podem ocorrer ao longo da vida problemas que afetem a visão de si mesmo. Neste caso, lembra que é fundamental aceitar-se sem qualquer condição e com todas as limitações que por ventura existam.


Importância do Amor


"Desde criança, o indivíduo passa por diversas dificuldades e obstáculos, que Rogers caracteriza como sendo normal ao desenvolvimento. Ela é levada a aprender regras para o seu próprio bem, mas que no futuro podem se tornar pontos inibidores da personalidade", descrevem Luma Guirado Scartezini, Ana Carolina Raad Rocha e Vanessa da Silva Pires em A Necessidade de Autoestima em Carl Rogers (faef.revista.inf.br).

De acordo com as autoras, a partir do instante em que a criança começa a conhecer a sua essência, desenvolve uma necessidade de amor e consideração. Uma carência natural de todo ser humano. Baseadas no trabalho de Maria da Graça Rafael, A relação de ajuda e a ação social: uma abordagem rogeriana, elas explicam que a "a consideração positiva desenvolve-se na primeira infância; por intermédio do amor e dos cuidados recebidos pelo bebê, a criança descobre que o afeto é fonte de satisfação e, assim, ela aprende a sentir uma necessidade de afeição. Conforme o bebê recebe a consideração positiva ou negativa, ele desenvolve a sua autoestima".

Para as acadêmicas, o amor é tão importante para a criança, que ela começa a agir de uma maneira que lhe seja garantido. A necessidade de aprovação faz com que ela passe a ter comportamentos que, muitas vezes, podem ir contra os seus próprios interesses. Agradar aos outros e ser aceita é o que a motiva.

Fundamentadas na obra Introdução à Psicologia (Prentice Hall Base) de Morris e Albert, as autoras descrevem que "Rogers chamou de 'consideração positiva incondicional', caso essas avaliações sempre fossem positivas; ou seja, não haveria distanciamento ou incongruência entre o organismo e o self, a autoestima seria incondicional, as necessidades de consideração positiva e autoestima não discordariam da avaliação organísmica, fazendo a pessoa funcionar de modo completo". Mas, ponderam que a maioria dos pais tem uma relação com seus filhos baseada na "consideração positiva condicional", ou seja, valorizam e aceitam alguns aspectos da criança. Se o seu comportamento satisfizer determinadas condições será aceita, e terá o amor e afeto. "Assim, o autoconceito do indivíduo desvincula-se cada vez mais de sua capacidade inata de ser", argumentam.

Elas salientam que a criança aprende rapidamente o que agrada e desagrada seus pais. O que é reprovado por eles passa a ser encarado como uma rejeição latente, mesmo que a criança acredite que aquele comportamento é certo. "Isto acaba levando a um autoconceito em desacordo com as experiências organísmicas. A criança tenta ser aquilo que os outros querem que ela seja em vez de tentar ser aquilo que realmente é" (Hall, Lindsey e Campbell, Teorias da Personalidade, Artes Médicas).

Neste sentido, as autoras ressaltam que "Rogers realizou  diversas pesquisas que destacaram a importância das avaliações das figuras parentais ou significativas, quanto ao comportamento da pessoa, podendo ocorrer uma grande diferenciação entre o self ideal e o self real (eu ideal x eu percebido). A diferença entre a 'imagem de si' (self real) e o 'desejado' (self ideal, num grupo de características do indivíduo, levará ao índice de autoestima, ou poderá refletir a autoinsatisfação, motivando-o a procurar ajuda (Rafael, 2002)".

Scartezini, Rocha e Pires enfatizam que "quando as pessoas perdem de vista o seu potencial inerente, tornam-se retraídas, rígidas e defensivas, sentindo-se ameaçadas e ansiosas; têm sua vida direcionada pelo que os outros querem e valorizam, sentindo-se desconfortáveis e inquietas. Em algum momento, podem perceber que não sabem realmente quem são e o que querem".


Crescimento Psicológico


Os estudos sobre o tema vão além. Para a psicóloga Debora Alfama Duarte, em "Autoconhecimento/Crescimento" (deborapsi.no.comunidades.net), por exemplo, a procura incessante pela autorrealização está intimamente ligada com o crescimento psicológico e com todas as opções que fazemos ao longo da vida. Ela acredita que a  Psicologia Humanista, representada pela teoria de Carl Rogers - Abordagem Centrada na Pessoa - explica a autorrealização, numa citação do psicólogo: "A maior força motivadora da personalidade é o impulso para a realização do self".

De acordo com Duarte, as pessoas saudáveis neste aspecto apresentam algumas evidências marcantes; são destemidas para novidades; vivem intensamente cada momento; têm sua própria opinião, não se deixando levar pela dos outros; sentem-se à vontade para expressar o seu pensamento, sentimento e ação e tem ótimo potencial criativo.

A psicóloga afirma que a autoestima "é uma relação com a 'imagem do eu'. E lembra que, "segundo Carl Rogers, a imagem do eu indica a configuração experiencial formada por percepções referentes ao Eu, às relações do Eu com os outros, com o ambiente e com a vida em geral, com os valores que o sujeito associa a estas distintas percepções".

Duarte salienta que o crescimento psicológico se evidencia mais facilmente para aqueles que têm a capacidade de fazer  experiências, o que proporciona um melhor autoconhecimento relacionado aos seus sentimentos positivos; a si mesmo, com os outros; o ambiente que o cerca e com os seus desajustes. "Aceitar-se e expressar os sentimentos a si mesmo e aos outros é ser congruente, já a ansiedade, a tensão e a confusão interna como, por exemplo, achar que: 'não sou capaz de tomar decisões', 'não sei o que quero', são comportamentos de pessoas incongruentes", conclui Duarte.

Dina Patrícia das Neves Vieira Guerreiro, concorda com suas colegas brasileiras. Em sua tese Necessidade Psicológica de Autoestima/Autocrítica: Relação com Bem-Estar e Distress Psicológico (repositorio.ul.pt) ela diz que "as pessoas, na maioria dos casos, valorizam muito a forma como são vistas e valorizadas pelos outros no seu meio". Ela define como notáveis as visões de Rollo May (1953) sobre a percepção pessoal e a autoalienação, e a ênfase de Carl Rogers (1961) sobre a congruência da autopercepção e precisão. E lembra que, nelas, o ambiente social é fundamental. De acordo com Guerreiro, estes autores asseguram que a origem da autoestima está profundamente ligada à aprovação e ao carinho do seu ambiente social e que, tendo-os em altos níveis, estas pessoas são mais propensas a desenvolver elevados níveis de autoestima, face àqueles que são provenientes de um ambiente social desfavorecido.

No entanto, ela lembra que não se pode levar em conta apenas os fatores externos para avaliar e entender a autoestima. "Na literatura, muitas vezes encontramos  pressupostos que acabam por confundir a autoestima adaptativa com atributos pessoais indesejáveis, como a centralidade, o egoísmo, e o senso exagerado de autoimportância, que acabam por levar a comportamentos disfuncionais. Desta forma, o que se pretende no indivíduo é o equilíbrio entre a autoestima e a autocrítica no alcance de um maior ajustamento interno".

Ela esclarece que "uma autoestima ótima é caracterizada por qualidades associadas à genuinidade, verdade, estabilidade, e congruência. Vulnerabilidade na autoestima dos indivíduos podem conduzir a diversas patologias, numa primeira análise, níveis elevados de autoestima podem conduzir a perturbações da personalidade, como narcisismo. Os indivíduos com perturbação narcísica da personalidade acreditam que são superiores, especiais e únicos e esperam que os outros também os reconheçam como tal. Já níveis baixos de autoestima , segundo Bednar, Peterson e Wells (1989), baseiam-se na escolha de evitar situações difíceis, em detrimento de se entregar a estas. Por conseguinte, as autoavaliações da pessoa tornam-se negativas e colocam de lado as avaliações positivas que outras pessoas significativas possam fazer de si. Podendo, nesses casos, conduzir a evitamentos, essencialmente, no que diz respeito a contextos sociais, culminando em perturbações como a ansiedade social".

A citação de Gabriel Garcia Marquez em "Como Contar Um Conto", de 1977, com a qual Guerreiro inicia a sua tese, sintetiza o equilíbrio a que todo o ser humano quer chegar: "Se o escritor se desfaz do que está escrevendo, está no bom caminho. Para escrever, o escritor tem de estar convencido de que é melhor que Cervantes; se não acaba sendo pior do que na verdade é. É preciso apontar para o alto e tentar chegar longe. É preciso ter critério e coragem, é claro, para arriscar o que deve ser riscado e para ouvir opiniões e refletir seriamente sobre elas".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário