quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Ensino livre e responsável

A "abordagem centrada na pessoa", de Rogers, encontrou na educação um campo fértil. Nos dois livros que escreveu, dirigidos a este setor, ele detalha como deve ser a "aprendizagem significativa" que envolve professores e alunos num único objetivo: crescimento.


Assim como foi aproveitada em diversas áreas, a Teoria Centrada na Pessoa (TCP) do psicólogo norte-americano caiu como uma "luva" no ensino. Muitos chegaram a mudar seu nome para "Abordagem Centrada no Aluno", tal a viabilidade de adaptação que enxergavam. O próprio Rogers notou esta possibilidade e escreveu dois livros especialmente dedicados a isso. Em "Liberdade para Aprender", lançado em 1972 e "Liberdade para Aprender em Nossa Década", em 1985, ele destaca, entre vários princípios da aprendizagem, que "o ser humano possui aptidões naturais para aprender e que a aprendizagem autêntica supõe que o assunto seja percebido pelo estudante como pertinente em relação aos seus objetivos".

Ao explicar o que é Aprendizagem Significativa, na primeira obra, Rogers diz que "a educação tradicionalmente imaginou a aprendizagem como um tipo ordenado de atividade cognitiva pertencente ao lado esquerdo do cérebro. O hemisfério esquerdo deste tende a funcionar de modo lógico e linear. Progride passo a passo numa linha reta, enfatizando as partes, os pormenores que constituem o todo. Aceita apenas o que é certo e claro, lida com ideias e conceitos e está associado com os elementos masculinos da vida". Ele enfatiza: "Este é o único tipo de funcionamento que tem sido inteiramente aceitável para escolas e faculdades". Mas, segundo o psicólogo, "envolver a pessoa como um todo na aprendizagem significa liberar e utilizar também o lado direito do cérebro. Este hemisfério funciona de maneira diferente", esclarece. "(...) é intuitivo, aprende a essência antes de conhecer os pormenores. É estético e não lógico, dá saltos criativos. É o modo do artista, do cientista criativo. Acha-se associado às qualidades femininas da vida".

O terapeuta exemplifica com uma citação do famoso cineasta Ingmar Bergman. De acordo com ele, "Bergman resume de maneira muito incisiva o modo pelo qual estes dois tipos de funcionamento se reúnem numa aprendizagem que utiliza todas as nossas capacidades. Diz ele: Atiro uma lança no escuro - isso é intuição. Então, tenho de enviar uma expedição selva adentro para encontrar o caminho dela - isso é lógica". Ele conclui o raciocínio, ressaltando que "a aprendizagem significante combina o lógico e o intuitivo, o intelecto e os sentimentos, o conceito e a experiência, a ideia e o significado. Quando aprendemos desta maneira, somos integrais, utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas".

No artigo "Teoria Geral de Carl Rogers - O ensino centrado no aluno: uma abordagem não diretiva". (www.educacaopublica.rj.gov.br), Joana Tolentino e Paulo Mendes Taddei, enfocam justamente esta problemática do ensino tradicional. Eles questionam: "Afinal, o que está por trás desse modelo é um novo paradigma de ser, de pessoa, de jovem. Será que a pessoa que queremos, que amanhã decida os rumos do mundo, é aquela sem autonomia, sem capacidade de fazer escolhas, sem saber nem mesmo quem é, apenas decorando e repetindo fórmulas e estruturas sociais - muitas vezes distorcidas? Pois esse é o jovem que a educação tradicional tutorial está produzindo. De repente, olhamos para a juventude atual e ficamos perplexos com a sua total  ausência de reflexão, de crítica, de autonomia, de envolvimento com o mundo que a cerca, sem ética nem percepção do todo que é a vida. Logo nós, tão acostumados em estabelecer nexos causais para tudo: qual seria a causa de tão desastroso efeito? Por que agora tão descabida perplexidade, se não formamos indivíduos questionadores e atuantes, mas apenas reprodutores da ordem vigente? Por isso, para Rogers, educação sem atuação é adestramento. E atuar pressupõe refletir, questionar e fazer escolhas. Esse é o maior ensinamento que, praticando, pode ser dado".


Proximidades entre Rogers e Freire


Fernanda Fochi Nogueira Insfrán em As contribuições de Carl Rogers e Paulo Freire para a educação: o caso de um pré-vestibular comunitário (www.encontroacp.psc.br), desenvolveu um trabalho inovador em educação comunitária. Junto a uma equipe de vinte e cinco voluntários, entre professores, coordenadores e colaboradores, criou um curso pré-vestibular na cidade de Araruama, Rio de Janeiro, utilizando os preceitos educativos de Carl Rogers e Paulo Freire. O objetivo, conta Fernanda, é lógico, era a aprovação dos alunos em faculdades federais de primeira linha. Todos os alunos vinham de escolas públicas. Mas, ela diz que a intenção foi também proporcionar a eles uma aprendizagem mais crítica e reflexiva, por meio da conscientização e responsabilização dos alunos enquanto sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.

Ao comparar a tendência  pedagógica Liberal Tecnicista com a Liberal Não Diretiva, Insfrán salienta que o autor Cipriano Luckesi, em Filosofia da Educação (Cortez), "mostra que a pedagogia liberal tecnicista tem como principal objetivo preparar recursos humanos para o mercado de trabalho. Ainda segundo Luckesi, inspirada na psicologia behaviorista de Skinner e em autores como Gagné, Bloom e Mager, a pedagogia tecnicista atua no aperfeiçoamento da ordem social vigente, articulando-se com o sistema produtivo. É conteúdo útil à aprendizagem apenas o redutível ao conhecimento observável e mensurável. Elimina-se a subjetividade".

A mestranda destaca que em nosso país esta tendência começou a ser utilizada na década de 60, atendendo às aspirações da ditadura militar. Já a pedagogia não diretiva criada por Rogers, defende que "o único homem instruído é aquele que aprendeu como aprender, como se adaptar à mudança; o que se deu conta de que nenhum conhecimento é garantido, mas que apenas o processo de procurar o conhecimento fornece base para a segurança" (Liberdade para Aprender em nossa década, Rogers).

Insfrán sintetiza que, segundo o autor, o ideal é mudar o foco do ensino para melhorar a aprendizagem, ou seja, "não é necessário se ater tanto às coisas que o estudante deve aprender, mas preocupar-se com o como, porque e quando aprendem os alunos, como se vive e se sente a aprendizagem, e quais as suas consequências sobre a vida deles".

A teoria de educação de Paulo Freire tem muitas semelhanças com a de Rogers, acredita Insfrán. Ela lembra que sua "Pedagogia do Oprimido", publicada pela primeira vez em 1970, nasceu em meio aos duros anos de ditadura militar brasileira, durante a qual ele foi preso e exilado. "Freire foi um dos primeiros a desenvolver técnicas de alfabetização de adultos e seu nome tem prestígio internacional na pedagogia", destaca.

A acadêmica enfatiza que "Freire desenvolveu uma pedagogia antiautoritarismo, de atuação não formal, onde aluno e professor devem atuar num sentido de mudança da realidade social. Uma educação crítica e problematizadora, que trabalha com "temas geradores" da prática dos alunos e conteúdos advindos dos próprios alunos". Ela acrescenta que ele criticou duramente as pedagogias tradicional e tecnicista, usando a expressão "educação bancária", na qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos.

No seu entender, desenvolvendo a autonomia do saber (Liberdade para Aprender - Rogers), pode-se chegar à pedagogia problematizadora (A Pedagogia do Oprimido, Freire). Foi o que fez nesta experiência com os pré-vestibulandos. E conclui: "Somente um sujeito responsável pela sua aprendizagem e perseverante quanto a suas metas, é capaz de se tornar crítico e reflexivo sobre o contexto em que vive e atuar na modificação deste meio."


Ferramenta para a Psicopedagogia


A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) de Rogers pode ser uma ferramenta útil para a psicopedagogia. É o que afirma Benjamim da Silva Amorim em A Psicopedagogia e a Abordagem Centrada na Pessoa (artigos.psicologado.com). Ele conta que "ao estudar a ACP, uma abordagem que dá sustentação teórica ao Ensino Centrado no Aluno pude entender o porquê das dificuldades de aprendizagem de muitas crianças e adolescentes. Em práticas com outros alunos que apresentam problemas de aprendizagem e que, desmotivados, são conduzidos ao fracasso escolar pela repetência, a ACP traz preceitos auxiliadores na construção do conhecimento para estes alunos". E acrescenta: " Pela minha formação humanista, e dentro dos preceitos da ACP, valorizo acima de tudo o potencial da pessoa para o crescimento, tentando criar para os alunos aos quais atendo um ambiente que lhes dê condições de fazer fluir este potencial latente que cada um possui. Desta forma, os bons resultados, me levam a crer que, ao unir a teoria rogeriana com os conhecimentos psicopedagógicos, pode-se fazer uma diferença real e profunda na vida escolar destes estudantes".

O psicopedagogo lembra uma citação de Rogers em seu livro Liberdade para aprender em nossa década: "Com frequência, fracassamos em reconhecer que grande parte do material que é apresentado aos alunos na sala de aula, tem para eles a mesma qualidade desconcertante e sem sentido que a lista de sílabas absurdas tem para nós. Isto é especialmente verdadeiro para a criança carente, cujo ambiente não fornece qualquer contexto para o material com que está se confrontando. Mas quase todos os estudantes descobrem que grande parte de seu currículo não têm sentido para eles. Desse modo, a educação se torna uma fútil tentativa de aprender material que não possui significado pessoal." Para corrigir isso Amorim destaca a sugestão de Rogers baseada na aprendizagem significante ou significativa, que possui sentido e envolve não apenas os pensamentos como também as sensações e as experiências, conduzindo a uma aprendizagem verdadeira.

Em tom de desabafo, Amorim conclui: "Mais de sete décadas se passaram desde que Rogers publicou suas primeiras ideias, e ainda elas parecem nos chocar, pois pouco daquela escola tradicional foi modificada. Quando há uma tentativa de aplicar uma psicologia humanista em qualquer instituição de ensino esta é considerada experimental. As dificuldades encontradas por Rogers são ainda as mesmas encontradas por aquele profissional que busca aplicar a Abordagem Centrada na Pessoa dentro de nossas escolas".

Apesar das barreiras, ele dá pistas de que não pretende desistir: "o mais importante é a construção da relação pessoal entre o psicopedagogo e o aluno, relação que deve ter como base o respeito, a confiança, o apreço, que dependem de certas atitudes expressas pelo psicopedagogo, como a compreensão empática, autenticidade e aceitação positiva incondicional, e que posteriormente, ao longo dos encontros entre eles, o próprio aluno apresentará tais características, culminando com uma modificação de seu comportamento e facilitando o real aprendizado".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

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