sábado, 9 de dezembro de 2023

Abordagem centrada na pessoa, uma nova visão terapêutica

Com seu método revolucionário, abordagem centrada na pessoa, Rogers mudou para sempre os rumos da psicoterapia.


Depois de muitas experiências e anos de trabalho, Carl Rogers teve a certeza de que era preciso modificar os antigos modelos usados na psicoterapia. Desde a postura do terapeuta até a maneira de agir com o seu cliente - que a partir dele passou a ser chamado assim e não mais de paciente -, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), criada por ele teve, grande aceitação. Tanto que, atualmente, é usada não só por psicoterapeutas, mas na educação, por empresas, gestores de equipes, no esporte e em várias outras áreas que envolvam relações humanas.

Existem até mesmo organizações sem fins lucrativos com este nome e finalidade, espalhadas pelo mundo. No Brasil, em São Paulo, foi inaugurada em 2005 a Associação Paulista da Abordagem Centrada na Pessoa - APACP (www.apacp.org.br), congregando profissionais de todo o estado e que tem esta abordagem como referência.

O norte-americano John Keith Wood, PhD (1934 - 2004), professor na Universidade Estadual de San Diego (Califórnia), que acompanhou Carl Rogers, com quem trabalhava em sua primeira viagem ao Brasil, em 1977, define a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), no site da Associação: " O pressuposto fundamental deste método é que em todo indivíduo existe uma tendência atualizadora e inerente ao organismo, para crescer, desenvolver e atualizar as suas potencialidades numa direção positiva e construtiva: A hipótese central é a de que o indivíduo possui dentro de si mesmo vastos recursos para a autocompreensão e para alterar o seu autoconceito, as suas atitudes básicas e o seu comportamento autodirigido, e estes recursos podem ser liberados se um clima definido como atitudes psicológicas facilitadoras puder ser oferecido".

Wood acrescenta que, de acordo com Rogers, "as atitudes psicológicas facilitadoras que promovem a liberação da tendência atualizadora são Congruência (ser real e genuíno); Consideração Positiva Incondicional (significa não colocar condições para a aceitação ou para a apreciação desta pessoa) e Compreensão Empática (significa perceber apuradamente o quadro interno de referência da outra pessoa como se fosse o seu próprio, sem, contudo, perder a condição de 'como se')".

O professor lembra que, segundo Rogers, "estas condições promovem a atualização do indivíduo em qualquer relacionamento interpessoal, seja no relacionamento terapeuta e cliente, pai e filho, líder e grupo, professor e aluno, administrador e equipe; isto é, em qualquer situação cujo objetivo seja o desenvolvimento da pessoa. Por esse motivo, o campo de aplicação da Abordagem Centrada na Pessoa é bastante amplo".

Wood, que é autor de vários livros sobre o assunto e participou, juntamente com Carl Rogers, Maureen Miller, Maria Constança Villas-Boas Bowen e Jack Bowen, dos primeiros grandes grupos formados em Aldeia de Arcozelo, no Rio de Janeiro, em 1977 e 1978 e, na década de oitenta, facilitou vários grupos de encontro e workshops vivenciais, inclusive no Ceará, termina sua explicação advertindo: "A definição da ACP que detalhei aqui não surgiu de um papo no barzinho da praia, no último fim-de-semana. É o próprio conceito de Rogers, e permeia toda a sua vida de trabalho. Pessoas sérias devem estudar o seu trabalho em profundidade. A ACP é exatamente o que as palavras sugerem, uma abordagem, que consiste de atitudes, crenças, intenções da parte da pessoa que se defronta com o fenômeno (uma pessoa em terapia, um grupo de encontro, um workshop que se reúne por vários motivos). Assim, é uma postura." Wood permaneceu no Brasil até sua morte. Esta opinião entre vários outros artigos e palestras feitas por ele sobre o assunto, foi originalmente veiculada no site do VI Fórum Brasileiro da ACP, realizado em Canelas-RS, em 2005.


Semelhanças


Camila Moreira Maia e Idilva Maria Pires Germano, na tese: "Self, sofrimento psíquico e processo terapêutico: uma revisão da Abordagem Centrada na Pessoa à luz da Psicologia Narrativa" (abrapso.org.br), destacam a semelhança entre as duas vertentes psicoterapêuticas e uma citação crítica do renomado psicólogo e autor norte-americano J. Kenneth Gergen (Universidade de Duke).

Segundo as autoras, na obra O Movimento do Construcionismo Social na Psicologia Moderna (1997), Gergen além de afirmar "que a Abordagem Centrada na Pessoa está pautada num paradigma moderno, ele diz ainda que Rogers possui uma visão romântica de homem, pelo fato de achar que 'os seres humanos são naturalmente bons, mas corrompidos pelas circunstâncias do meio'. Segundo ele, é como se existisse um estado humano natural, normal e bom, que deve ser recuperado por meio da psicoterapia".

Por outro lado, o terapeuta Alex Barbosa Sobreira de Miranda (UES-PI), em seu artigo Abordagem Centrada na Pessoa (artigos.psicologado.com) destaca que "a Abordagem Centrada na Pessoa rejeita as ideias dos outros psicólogos, que se concentraram na perspectiva de que todos sujeito possuía uma neurose básica. Nesse sentido, Rogers defendeu a ideia de que o núcleo básico da personalidade humana era tendência à saúde e ao crescimento. Com essa descoberta, o processo psicoterapêutico nessa ênfase passou a postular uma cooperação entre terapeuta e cliente, a fim de liberar esse núcleo de personalidade, estimulando ao amadurecimento emocional, à redescoberta da autoestima e da autoconfiança".

Controvérsias à parte, Maia e Germano, destacam em seu trabalho que "tanto a Psicologia Narrativa, quando fala das metanarrativas dominantes, quanto a Abordagem Centrada na Pessoa, quando fala do processo de alienação de si, acreditam que um indivíduo entra em situação de mal-estar quando concepções pré-formadas a respeito dele são incutidas na sua maneira de autoconceber-se, de forma que não há espaço para este desenvolver as suas próprias  compreensões sobre si. Há, portanto, de acordo com elas, uma concordância entre as duas formas de pensamento em relação ao caráter rígido e dominado do 'Ser o que realmente se é'."

As acadêmicas concluem que "as ideias defendidas pela Abordagem Centrada na Pessoa, compartilha de muitas noções das psicoterapias de base narrativista; sobretudo, no que diz respeito aos seus objetivos e práticas desencadeadoras de mudanças de autoconceitos e de versões de mundo. Assim, como a Psicologia Narrativa, a ACP não postula a existência de verdades universais; concebe as relações pessoais tanto como formadoras das noções de si dos sujeitos como responsáveis pela produção de formas de existência patológicas e considera que a promoção de bem-estar psíquico está relacionada com a postura de "não saber" adotada pelo terapeuta, com uma apreciação do mundo dos significados do sujeito, com o não julgamento das ações do indivíduo e com a transparência do terapeuta nesta relação".


ACP no futebol


Quem disse que o método criado por Rogers não poderia ser aplicado no esporte mais popular do país? A tese "A Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicologia do Esporte" de Bruno José de Mattos, da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (www.bibliotecadigital.unicamp.br), prova que sim.

Ele diz ter convicção de que de que a ACP favorece a liberdade de escolha da pessoa. "Consciente e autônoma ela terá coragem para aceitar quem realmente é. A partir desta aceitação, irá percorrer trilhas traçadas por si, estas levarão ao seu crescimento. Para isto acontecer é valioso o exercício de confiança nas potencialidades de cada ser humano. A pessoa amplia a sua consciência quando passa a escutar a si própria, quando percebe e compreende os seus próprios sentimentos. É um exercício de autonomia que a Psicologia Humanista da ACP propõe, pautado na qualidade de aceitação, compreensão e honestidade da relação entre psicólogo e cliente".

Mattos destaca que a ACP parte do princípio da autocompreensão e autodeterminação do indivíduo. "Não posso entender um atleta feliz, saudável, congruente nas suas ações sem que seus sentimentos e pensamentos estejam de acordo com a situação vivenciada. Mas também considero não ser uma tarefa fácil".

Em sua experiência com jogadores e a comissão técnica de uma equipe, durante os períodos de preparação e disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior, Mattos percebeu que o trabalho do psicólogo, ao ser congruente com a humanização do atleta, pode levar à sua limitação se ou outros membros da comissão técnica (treinadores, preparados físicos, supervisores) têm uma postura rígida, ortodoxa em suas metodologias e olham para os atletas com ar de superioridade. "Quando isso acontece, o psicólogo fica numa posição de linha de fogo entre os dois lados: a compreensão dos sentidos psicológicos que os atletas vivenciam nas suas experiências versus as diretrizes imutáveis dos protocolos de treinos das comissões técnicas".

Ele questiona "As comissões técnicas passam anos preparando o atleta psicologicamente para os mais variados torneios, mas sem nunca saber quem realmente ele é. Então, que ajuda psicológica é esta no esporte, na qual há o desconhecimento dos sentimentos que o atleta dá pata a sua vida, mas que ao mesmo tempo o condiciona para as competições?"

Mattos encerra a sua tese refletindo sobre o seu papel de psicólogo humanista no Esporte. Inevitavelmente se pergunta: "meu trabalho é bom ou ruim?" E lembra que esta também era a preocupação de Carl Rogers quanto à modificação da personalidade, quando o cliente se submetia ao atendimento psicológico. "Ele chegou a desenvolver estudos experimentais para poder medir as alterações na personalidade das pessoas que buscavam ajuda psicológica", pondera.

Ciente de que o seu atendimento aos atletas de futebol não se configuravam como uma terapia, mas uma atenção psicológica orientada pelas premissas da Abordagem Centrada na Pessoa, Mattos se diz consciente de que o serviço prestado para ajudar aos jogadores e a comissão técnica do time foi benéfico somente para os jogadores, mas de pouca valia ao treinador e ao supervisor.


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

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