quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Quase Nada

De você sei quase nada

Pra onde vai ou porque veio

Nem mesmo sei

Qual é a parte

Da tua estrada

No meu caminho

Será um atalho

Ou um desvio

Um rio raso

Um passo em falso

Um prato fundo

Pra toda fome

Que há no mundo

Noite alta que revele

O passeio pela pele

Dia claro madrugada

De nós dois não sei mais nada

Se tudo passa como se explica

O amor que fica nessa parada

Amor que chega sem dar aviso

Não é preciso saber mais nada


Música de Zeca Baleiro & Alice Ruiz gravada por ele em seu CD Líricas de 2000 lançado pela MZA Music/ Universal Music.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

O Poeta da Roça

 Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

Trabaio na roça, de inverno e de estio.

A minha chupana é tapada de barro,

Só fumo cigarro de páia de mio.


Sou poeta das brenha, não faço o papé

De argum menestré, ou errante cantô

Que veve vagando, com sua viola,

Cantando, pachola, à percura de amô.


Não tenho sabença, pois nunca estudei,

Apenas eu sei o meu nome assiná.

Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,

E o fio do pobre não pode estudá.


Meu verso rastêro, singelo e sem graça,

Não entra na praça, no rico salão,

Meu verso só entra no campo e na roça,

Nas pobre paioça, da serra ao sertão.


Só canto o buliço da vida apertada,

Da lida pesada, das roça e dos eito.

E às vêz, rescordando a feliz mocidade,

Canto uma sôdade que mora em meu peito.


Eu canto o cabôco com suas caçada,

Nas noite assombrada que tudo apavora,

Por dentro da mata, com tanta corage

Topando as visage chamada caipora.


Eu canto o vaquêro vestido de côro,

Brigando com o tôro no mato fechado,

Que pega na ponta do brabo novio,

Ganhando lugio do dono do gado.


Eu canto o mendigo de sujo farrapo,

Coberto de trapo e mochila na mão,

Que chora pedindo um socorro dos home,

E tomba de fome, sem casa e sem pão.


E assim, sem cobiça dos cofre luzente,

Eu vivo contente e feliz com a sorte,

Morando no campo, sem a cidade,

Cantando as verdade das coisa do Norte.


Poema de Patativa do Assaré retirado do livro Ofício de Poeta, série Literatura em minha casa, Volume 1 - Poesia; Editora Scipione, São Paulo, 2003.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

As Palavras

1

Este é um planeta de palavras

neutras movíveis e versáteis

que de rodízio pela ponte

vão ter à margem oposta


Candentes em água fria

petrificadas no fogo

tumultuam-se as palavras

umas prontas para o jogo 

outras intactas à sorte


Mantêm auras de mistério

nos percursos de ida e volta

conforme o sangue que as gera

o incentivo que as abrasa

conforme a língua que as solta

ou que as segura na raça.


2

Os cardos se abriram

fecharam-se os lírios

horizontes amplos

estreitaram o âmbito

só pela palavra

que em tempo de espera

nos foi sonegada.


A casa estremece

no próprio alicerce

pelo desatino

de alguma palavra

de metal ferino

que nos fira o ouvido

sem qualquer preparo.


Os verdes ondulam

ao longo das várzeas

espelhos se aclaram

no colo das grutas

por palavra terna

que a alma nos enleva

no momento exato.


Ó cores nascidas

ó sombras criadas

ó fontes detidas

ó águas roladas

ó campos abertos

 por simples palavras.


3

Segredos expostos

tingem de rubor

a palavra rosa


Como que em deslize

tocam-se cristais

na palavra brisa


Algo se insinua

de abandono e flauta

na palavra azul


Desgastados mantos

pesam sobre o leito

da palavra fama


Espinheiro agreste

rompe raiva e ruge

na palavra guerra


Não há luz que corte

o ermo corredor

da palavra morte.


Poema de Henriqueta Lisboa retirado do livro Ofício de Poeta, da série Literatura em minha casa, Volume 1 - Poesia, Editora Scipione, São Paulo, 2003.

domingo, 27 de novembro de 2022

Companheiro Fiel

 Se estou trabalhando

- seja a que hora for -

Gatinho se deita ao lado

do meu computador.


Se vou para a sala

e deito no sofá,

ele logo vai pra lá.


Se à mesa me sento

a escrever poesia

e da sala me ausento

pela fantasia,

volto à realidade

quando, sem querer,

toco de resvés

numa coisa macia.


Já sei, não pago dez:

é o Gatinho

que sem eu saber

veio de mansinho

deitar-se a meus pés.


Poema de Ferreira Gullar retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

sábado, 26 de novembro de 2022

Ouvir com Atenção

    Uma das dificuldades, no inter-relacionamento pessoal, é constituída pela falta de cuidado nas conversações.

    As criatura, dominadas pelos conflitos, perdem, a pouco e pouco, a habilidade para bem ouvir.

    Todos desejam falar, atropeladamente, impondo ideias, discutindo temas não pensados, oferecendo informações sem substância, num afã de apresentar-se, de dominar a situação, de tornar-se o centro de interesse geral.

    Os resultados são os desastres nas relações humanas.

    Surgem, então, técnicas que preparam o homem para relacionar-se com o seu próximo; contudo, se ele não se capacita ao esforço de ouvir com serenidade, malogram as belas formulações.

    Ouvir é uma arte como outra qualquer que exige interesse e propõe cuidados.

    Pode-se ouvir, indiscriminadamente, ruídos, tumultos, sem assimilação de conteúdo.

    Os sons ferem os tímpanos, todavia a arte de ouvir as conversas impõe o respeito por quem está falando.

    Sem consideração pelo interlocutor, quaisquer assuntos perdem a importância, quando não geram polêmicas inúteis, desagradáveis.

    Ouve, sem tensão; mas, com atenção.

    Abre-te à conversação sincera, deixando que o outro fale, sem interrupção.

    Quando chegar a tua vez, sê conciso, claro e cortês.

    A palavra que abençoa, também pode ferir. Sê, pois, zeloso.

    Procura ouvir sem preconceito; porém, com respeito.

    O que ouças, deve ser digerido, a fim de ser bem assimilado.

    Evita ouvir, discutindo mentalmente, recusando-te, julgando, protestando.

    Dominado pelo emocional, perderás o melhor da palavra, confundindo o raciocínio.

    Ouve, desse modo, sem ansiedade, sem rebeldia interior.

    Quando não entendas o pensamento, pede para que seja repetido; se te não surge clara a ideia, propõe esclarecimento.

    O homem fala para melhor entender o seu próximo. Ouvindo-o com equilíbrio, pode dirimir os equívocos e aprender tudo quanto esteja ao alcance.

    Convidado a ouvir, despe-te dos pontos de vista a que te entregas, a fim de poderes absorver o conteúdo dos pensamentos que te sejam apresentados.

    Lentamente perceberás que, ouvindo, redescobrirás mil melodias, palavras e mensagens a que já não davas importância, perdidas no tumulto do que eliminaste por automatismo, deixando de escutá-las.

    Quem ouve bem, aprende, entesoura e renova-se, sabendo selecionar o que lhe é útil, daquilo que deve ser racionalmente dispensado.

    Ouve, portanto, sem perturbação, a fim de lograres precisão


Texto retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Exageros/ Exagerado

 1.

No Polo Norte faz um frio enorme,

um frio polar,

que não é brincadeira.

Por isso, pra se esquentar,

o pinguim dorme 

dentro da geladeira.


2.

Noite escura.

Completo negrume.

Até parece que puseram fraldas

nos vaga-lumes.


3.

D. Pedro I resolveu subir

à montanha mais alta do mundo.

Tanto tempo demorou subindo,

que quando chegou lá em cima

já era D. Pedro II.


4.

Colombo o seu ovo afamado

pôs de pé. Eu, nem sentado.


5.

O homem olha o micróbio

pelo microscópio.

O micróbio olha o homem

pelo telescópio.


Amor da minha vida

Daqui até a eternidade

Nossos destinos foram traçados

Na maternidade


Paixão cruel desenfreada

Te trago mil rosas roubadas

Pra desculpar minhas mentiras

Minhas mancadas


Exagerado

Jogado aos teus pés

Eu sou mesmo exagerado

Adoro um amor inventado


Eu nunca mais vou respirar

Se você não me notar

Eu posso até morrer de fome

Se você não me amar


Que por você eu largo tudo

Vou mendigar, roubar, matar

Até nas coisas mais banais

Pra mim é tudo ou nada


Exagerado

Jogado aos teus pés

Eu sou mesmo exagerado

Adoro um amor inventado


Que por você eu largo tudo

Carreira, dinheiro, canudo

Até nas coisas mais banais

Pra mim é tudo ou nunca mais


Poema de José Paulo Paes retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.


Música Exagerado, de Leoni/ Cazuza/ Ezequiel Neves gravada no então 1º LP de Cazuza lançado pela Gravadora Som Livre em 1985; relançado posteriormente em CD.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Ficção Científica

Depois de uma viagem

pelo espaço sideral,

o astronauta chegou

ao seu destino final:


Um planeta diferente

cujo em-cima estava em-baixo

e o atrás ficava na frente.


Um planeta tão estranho

que a sujeira era limpa

e a água tomava banho.


Um planeta mesmo louco

onde o muito era nada

e o tudo muito pouco.


Um planeta dos mais raros:

o seu ouro era de graça,

o lixo custava caro.


O astronauta não gostou

e foi-se embora. Quando

pensou estar muito longe,

viu-se outra vez chegando


num planeta onde, aliás,

o em-baixo ficava em-cima

e o frente estava por trás...


Poema de José Paulo Paes retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Mistérios do Passado

 Quando Cabral o descobriu,

será que o Brasil sentiu frio?


Diz a História que os índios comeram o bispo Sardinha.

Mas como foi que eles conseguiram abrir a latinha?


Qual o mais velho, diga num segundo:

D. Pedro I ou D. Pedro II?


De que cor era mesmo (eu nunca decoro)

o cavalo branco do Marechal Deodoro?


Poema de José Paulo Paes retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Quem Eu Sou?/Sou Eu

 Eu às vezes não entendo!

As pessoas têm um jeito

de falar de todo mundo

que não deve ser direito.


Em cada lugar que eu vou,

na escola, na rua também,

ouço dizerem assim,

quando se fala de alguém:

- Você conhece Fulano,

que chegou de uma viagem?

- O pai dele é muito rico,

tem dois carros na garagem!

- E o Maneco, lá do clube?

Pensa que é rico também?

Precisa ver que horrível

é o tênis que ele tem!


Aí eu fico pensando

que isso não está bem.

As pessoas são quem são,

ou são o que elas têm?


Eu queria que comigo

fosse tudo diferente.

Se alguém pensasse em mim,

soubesse que eu sou gente.

Falasse do que eu penso,

lembrasse do que eu falo,

pensasse no que eu faço,

soubesse por que calo!


Porque eu não sou o que visto.

Eu sou do jeito que estou!

Não sou também o que eu tenho.

Eu sou mesmo quem eu sou!


Pedi pro sol me responder o que é o amor

Ele me falou é um grande fogo

Procurei nos búzios e tornei a perguntar

Eles me disseram o amor é um jogo

Lembrei que a lua tinha muito pra contar

Ela se abriu pra mim

Disse que o amor usa tantas fases

E uma luz que não tem fim


Eu pedi pro vento que soprasse o que é o amor

Ele garantiu é tempestade

Bandos de estrelas me contaram sem piscar

O amor é pura eternidade

Sem saber direito perguntei pro coração

Que sem medo respondeu

O amor é fogo, água, céu e terra

Sente o amor sou eu


Sou eu quem gera esse energia que conduz

Seu coração a essa estrada, essa luz

O amor é fogo, água, céu e terra

Sente o amor sou eu


Sou eu quem salva o teu caminho da ilusão

Eu que te consagro repetiu meu coração

O amor é fogo, água, céu e terra

Sente o amor sou eu


Poema de Pedro Bandeira retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.


Música Sou Eu de Isolda e Eduardo Dusek gravada por Simone em seu CD de 1993. A canção deu título ao disco lançado pela Gravadora CBS, hoje Sony Music.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Vai já pra dentro, menino!

 Vai já pra dentro, menino!

Vai já pra dentro estudar!

É sempre essa lengalenga

quando o que eu quero é brincar...


Eu sei que aprendo nos livros,

eu sei que aprendo no estudo,

mas o mundo é variado

e eu preciso saber tudo!


Há tanto pra conhecer,

há tanto pra explorar!

Basta os olhos abrir,

e com o ouvido escutar.


Aprende-se o tempo todo,

dentro, fora, pelo avesso,

começando pelo fim,

terminando no começo


Se me fecho lá em casa,

numa tarde de calor,

como eu vou ver uma abelha

a catar pólen na flor?


Como eu vou saber da chuva,

se eu nunca me molhar?

Como eu vou sentir o sol,

se eu nunca me queimar?


Como eu vou saber da terra,

se eu nunca me sujar?

Como eu vou saber da gentes,

sem aprender a gostar?


Quero ver com os meus olhos,

quero a vida até o fundo,

quero ter barro nos pés,

eu quero aprender o mundo!


Poema de Pedro Bandeira retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

domingo, 20 de novembro de 2022

Lições de Céu

 VÊNUS

Madrugadinha

Vênus machuca

o coração da gente

de solidão azul


CRESPÚSCULO

Na hora em que o dia

não é mais dia,

em que a noite

não é noite ainda,

tudo é magia

e o céu parece

veludo furta-cor

escorrendo

das mãos vazias.


ANÉIS DE SATURNO

Que os mortos viram fantasmas

todo mundo já sabe,

mas que vão namorar escondido

nos vãos dos anéis de Saturno,

por essa ninguém esperava.


AMIGO

No rumo certo do vento

amigo é nau de se chegar

em lugar azul.

Amigo é esquina

onde o tempo para

e a Terra não gira,

antes paira em doçura

contínua.

Oceano tramando sal,

mel inventando fruta,

no rumo certo do vento,

amigo é estrela sempre.


BURACO NEGRO

Essa coisa esquisita

que às vezes

a gente sente,

como se faltasse

um pedaço,

essa vontade que se tem

de não se sabe o quê,

esses abismos que nascem

repentinamente,

esses buracos negros do céu

dentro da alma da gente.


SONHO

Um dia os homens acordaram

e estava tudo diferente:

das armas atômicas nem sinal havia

e todos falavam a mesma língua,

falavam poesia.

Quem visse a Terra do alto

nem reconheceria,

eram campos e campos de trigo

e corações de puro mel.

E foi uma felicidade tamanha,

nos jornais nem um só crime,

que contando ninguém acreditaria.


Poema de Roseana Murray retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa, Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

sábado, 19 de novembro de 2022

Porvir Inexorável

    O indivíduo senciente deve manter como objetivo primacial da existência física a conquista dos valores eternos. Não obstante a consideração pelas conquistas contemporâneas, torna-se-lhe indispensável a compreensão da transitoriedade desses recursos e realizações.

    O acúmulo de riquezas materiais proporciona-lhe conforto, não, porém, felicidade. Esta é decorrente natural do autoencontro responsável, graças ao qual se entrega à conquista de diferentes bens, por enquanto, desdenhados.

    Somente através da reencarnação, compreendida e aplicada à vivência lúcida, é que poderá considerar o vazio da existência corporal, período este para a aprendizagem iluminativa e libertadora.

    Assim considerada, a existência material deixa de ser sucessão de sofrimentos e incertezas para proporcionar os investimentos duradouros, que se transferem de uma para outra forma, no corpo ou além dele, porquanto, em qualquer circunstância, ninguém se apresentará fora da Vida.

    A vida física se caracteriza pela busca do prazer, no entanto, este sempre se expressa acompanhado de sofrimento. Isto, porque, o próprio prazer gera o medo da sua descontinuidade, o que se transforma em aflição.

    A manutenção do prazer estimula o egoísmo, a ambição, a arbitrariedade e seus sequazes criminosos.

    Cultivando com acendrado interesse a ignorância, o homem distrai-se no relacionamento com amigos; armazena joias e dinheiro, víveres e trajes; multiplica habitações e veículos, embora o seu corpo somente os possa usar um a um. Demais, advindo a morte, que é inevitável, vê-se constrangido a deixar tudo, levando apenas a si mesmo e com ele os atos impressos nos painéis da consciência.

    Ninguém te condena por seres previdente; porém, a tua consciência te reprocha a ganância.

    Pessoa alguma te fiscaliza a conduta gozadora; mas, a tua consciência te diz que isto não te basta.

    Deus não te proíbe fruir dos bens, nem da vida; todavia, tua consciência, apesar de anestesiada, vez que outra desperta, assinalando a tua ilusão...

    Descoberta a causa do sofrimento do senciente, que é a ignorância,o seu antídoto é, de logo, a sabedoria.

    Clareia-te, assim, com as luzes da reencarnação e saberás conduzir a vida sem apego, sem desconsideração, descobrindo-lhe o vazio do mediano e aplicando parte do teu tempo na preparação do teu provir eterno, que te espreita, e para o qual marchas inexoravelmente, quer o queiras ou não.


Texto retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Segredinhos de Amor/Todas as cartas de amor são ridículas

Gosto muito de vocês,

muito mesmo,

mas não me peçam explicação,

pois não vai dar pra contar

o que vai morrer comigo,

o que já fechei no meu poço.


Vocês sabem como são 

os segredinhos de amor...

Todo mundo tem os seus

e pobre de quem não tem...


Sei, de fato,

entre amigos há sempre um pacto,

um elo belo,

mas não vale tal fato

pros segredinhos de amor.


Não, não é medo do ridículo.

Nem é o meu segredo um conflito.

Pode até ser coisa infantil

e até meio boba,

mas segredo é segredo, 

coisa guardada a medo

pra alegria e tortura

só da gente.


E em segredo é muito mais segredo

se for um segredinho de amor!


Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas


As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser 

Ridículas.


Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.


A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são ridículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas).


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.


Poema Todas as cartas de amor são ridículas, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, FTD Editora, São Paulo, 1992. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

O medo do menino

 Que barulho estranho,

vem lá de fora,

vem lá de dentro?!...


Que barulho medonho

no forro,

no porão,

na cozinha,

ou na despensa!...


Será fantasma

ou alma penada?

Será bicho furioso

ou barulhinho de nada?


E o menino olha

na escura escada

e não vê nada.


E olha na vidraça

e uma sombra o ameaça.


Quem se esconde

Esconde onde?


Se vem alguém passo a passo

na rua deserta

o medo aumenta.

Passos de gente da casa

encolhe o medo.

Se somem vozes e passos

de gente da casa, 

no ato, no quarto,

vem o arrepio.


E o menino encolhe, 

fica todo enroladinho.

E se embrulha nas cobertas,

enfia a cabeça no travesseiro

e devagar, devagarinho,

sem segredo,

vem o sono

e some o medo.


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Tem tudo a ver

 A poesia

tem tudo a ver

com tua dor e alegrias,

com as cores, as formas, os cheiros,

os sabores e a música

do mundo.


A poesia

tem tudo a ver

com o sorriso da criança,

o diálogo dos namorados,

as lágrimas diante da morte,

os olhos pedindo pão.


A poesia

tem tudo a ver com a plumagem, o voo e o canto,

a veloz acrobacia dos peixes,

as cores todas do arco-íris,

o ritmo dos rios e cachoeiras,

o brilho da lua, do sol e das estrelas,

a explosão em verde, em flores e frutos.


A poesia

- é só abrir os olhos e ver -

tem tudo a ver

com tudo.


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O menino que carregava água na peneira

 Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.


A mãe disse

que carregar água na peneira

Era o mesmo que roubar um vento e sair

correndo com ele para mostrar aos irmãos.


A mãe disse que era o mesmo que

catar espinhos na água

O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.


Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.


A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio

do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores

e até infinitos.


Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito

Porque gostava de carregar água na peneira


Com o tempo descobriu que escrever seria

o mesmo que carregar água na peneira


No escrever o menino viu

que era capaz de ser

noviça, monge ou mendigo

ao mesmo tempo


O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de interromper o voo de um pássaro

botando ponto no final da frase.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.


O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.


A mãe falou:

Meu filho você vai ser poeta.


Você vai carregar água na peneira a vida toda.


Você vai encher os

vazios com as suas peraltagens


E algumas pessoas

vão te amar por seus despropósitos


Poema  de Manoel de Barros retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Flores em Você

 De todo o meu passado

Boas e más recordações

Quero viver meu presente

E lembrar tudo depois

Nessa vida passageira

Eu sou eu, você é você

Isso é o que mais me agrada

Isso é o que me faz dizer:

Que vejo flores em você!


Música de Edgard Scandurra gravada pelo grupo Ira! em seu então LP Vivendo e não Aprendendo lançado em 1986 pela Gravadora WEA e relançado em CD no ano de 2000.

domingo, 13 de novembro de 2022

O Pião

 A mão firme e ligeira

puxou com força a fieira:

e o pião

fez uma elipse tonta

no ar e fincou a ponta

no chão.


É o pião com sete listas

de cores imprevistas.

Porém,

nas suas voltas doidas,

não mostra as cores todas

que tem:


- fica todo cinzento,

no ardente movimento...

E até

parece estar parado,

teso, paralisado,

de pé.


Mas gira. Até que, aos poucos,

em torvelins tão loucos

assim,

já tonto, bamboleia,

e bambo, cambaleia...

Enfim,

tomba. E, como uma cobra,

corre mole e desdobra

então, 

em hipérboles lentas,

sete cores violentas,

no chão.


Poema de Guilherme de Almeida retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

sábado, 12 de novembro de 2022

Estado Mental de Felicidade

    A problemática da felicidade encontra solução eficaz no comportamento íntimo do indivíduo em relação à vida.

    Por que transferir para o futuro o momento de ser feliz, quando se pensa em conseguir determinados valores, que possivelmente não lograrão completar o quadro de harmonia e ventura pessoal?

    Pode-se e deve-se ser feliz em cada instante, pois que tal conquista procede do estado de espírito e não dos recursos materiais amealhados de que se pode dispor.

    O dinheiro soluciona alguns problema; projeta a personalidade; promove socialmente o indivíduo, mas não resolve as situações interiores, nas quais estão as bases da harmonia como do desequilíbrio.

    É necessário valorizar-se o que realmente pode proporcionar a felicidade e não os seus acessórios. Digamos, então, que esta é um estado mental, variando de pessoa para pessoa, conforme o seu grau de evolução, portanto, a sua aspiração maior.

    As conquistas materiais não dispõem do poder de fazer as criaturas felizes. Podem diminuir-lhes a aflição, atender a algumas necessidades, minorar amarguras, gerar bem-estar e conforto...

    Esperando-se conseguir o beneplácito da felicidade, mediante as dádivas da cornucópia da fortuna, por exemplo, perdem-se muitos instantes felizes que dificilmente retornarão.

    Essa felicidade dourada, sem preocupações, ociosa, não existe; é miragem que se dilui ante a realidade.

    Podes conseguir o estado mental da felicidade de permanente, crendo que ela é propiciada pelo amor a Deus, que a deposita no escrínio dos teus sentimentos, a fim de que aí a desdobres, brindando-as às demais pessoas.

    Assim, não obstante as mudanças e circunstâncias em que te encontres, alterando o ritmo dos assuntos e acontecimentos externos, ela permanecerá contigo, porque está em ti.

    O vendaval das paixões não a expulsa; a frialdade do abandono não a empalidece; a chuva das acusações não a conspurca; o granizo da ofensa não a fere; o ouro das ambições não a entorpece; o fogo das lutas cruzadas não a atinge.

    Ela permanece serena, e qual chama abençoada, com a luz aponta o caminho seguro a seguir, acalmando as ansiedade do coração.

    A felicidade plena e compensadora não é deste mundo. No entanto, germina e se desenvolve enquanto o Espírito avança pela estrada  reencarnacionista, graças às ações desenvolvidas e ao comportamento mantido.

    Reservada para o Reino dos Céus, é indispensável que o homem lhe conduza as matrizes íntimas mediante as quais se desvela no momento oportuno.


Retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Bem-te-vi... Bem-te-vi...

 Que terás visto?

Há quanto tempo tu avisas, bem-te-vi...

Bem-te-vi da minha infância, sempre a gritar,,

sempre a contar, fuxiqueiro,

e não viste nada.


Meu amiguinho, preto-amarelo.

Em que ninho nasceste, de que ovinho vieste,

e quem te ensinou a dizer: Bem-te-vi?...

Bem te vejo, queria eu também cantar e repetir

para ti: Bom dia, bem te vejo, te escuto.

Bem-te-vi sobrevivente

de tantos que já não voam sobre o rio,

nem pousam nas palmas dos coqueiros altos...


Mostra para mim, meu velho companheiro

de uma infância ultrapassada,

tua casa, tua roça, teu celeiro, teu trabalho, 

tua mesa de comer,

tuas penas de trocar,

leva-me à tua morada de amor e procriar.


Vamos ao altar de Deus agradecer ao Criador

não desaparecerem de todo os bem-te-vis

dos Reinos de Goiás.


Canta para mim, tão antiga como tu,

as estorinhas do passado.

Bem-te-vi inzoneiro, malicioso e vigilante.

Conta logo o que viste, fuxiqueiro do espaço,

sempre nas folhas dos coqueiros altos,

que também vão morrendo devagar 

como morrem os coqueiros,

comidos de velhice e de lagartas.


Poema de Cora Coralina retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Dois e dois: quatro

 Como dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

embora o pão seja caro

e a liberdade pequena


Como teus olhos são claros

e a tua pele, morena


como é azul o oceano

e a lagoa, serena


como um tempo de alegria

por trás do terror me acena


e a noite carrega o dia

no seu colo de açucena


- sei que dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena


mesmo que o pão seja caro

e a liberdade, pequena


Poema de Ferreira Gullar retirado do livro Caminho da Poesia, da série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Desenho de Caminhão

 Lápis, papel, num minuto

ele fez seu avião,

fez um navio minúsculo,

fez também um caminhão.


O navio foi ao fundo,

caiu longe do avião.

O menino deu um pulo,

entrou no seu caminhão.


Quem tem um lápis tem tudo,

alegrias da invenção, 

tem à frente o vasto mundo,

estradas pro caminhão.


O menino já tem rumo,

tem caminhos, condução;

agora, vai num segundo

dar partida ao caminhão.


Poema de Antonieta Dias de Moraes retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

A lua no cinema

 A lua foi ao cinema,

passava um filme engraçado,

a história de uma estrela

que não tinha namorado.


Não tinha porque era apenas

uma estrela bem pequena,

dessas que, quando apagam,

ninguém vai dizer, que pena!


Era uma estrela sozinha,

ninguém olhava pra ela,

e toda a luz que ela tinha

cabia numa janela.


A lua ficou tão triste

com aquela história de amor,

que até hoje a lua insiste:

- Amanheça, por favor!


Poema de Paulo Leminski retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Meio-dia

 Meio-dia. Sol a pino.

Corre de manso o regato.

Na igreja repica o sino;

Cheiram as ervas do mato.


Na árvore canta a cigarra;

Há recreio nas escolas:

Tira-se, numa algazarra,

A merenda das sacolas.


O lavrador pousa a enxada

No chão, descansa um momento,

E enxuga a fronte suada,

Contemplando o firmamento.


Nas casas ferve a panela

Sobre o fogão, nas cozinhas;

A mulher chega à janela,

Atira milho às galinhas.


Meio-dia! O sol escalda,

E brilha, em toda a pureza,

Nos campos cor de esmeralda,

E no céu cor de turquesa...


E a voz do sino, ecoando

Longe, de atalho em atalho,

Vai pelos campos, cantando

A Vida, a Luz, o Trabalho!


Poema de Olavo Bilac retirado do livro Caminho de Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.