sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Segredinhos de Amor/Todas as cartas de amor são ridículas

Gosto muito de vocês,

muito mesmo,

mas não me peçam explicação,

pois não vai dar pra contar

o que vai morrer comigo,

o que já fechei no meu poço.


Vocês sabem como são 

os segredinhos de amor...

Todo mundo tem os seus

e pobre de quem não tem...


Sei, de fato,

entre amigos há sempre um pacto,

um elo belo,

mas não vale tal fato

pros segredinhos de amor.


Não, não é medo do ridículo.

Nem é o meu segredo um conflito.

Pode até ser coisa infantil

e até meio boba,

mas segredo é segredo, 

coisa guardada a medo

pra alegria e tortura

só da gente.


E em segredo é muito mais segredo

se for um segredinho de amor!


Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas


As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser 

Ridículas.


Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.


A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são ridículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas).


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.


Poema Todas as cartas de amor são ridículas, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, FTD Editora, São Paulo, 1992. 

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