terça-feira, 15 de novembro de 2022

O menino que carregava água na peneira

 Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.


A mãe disse

que carregar água na peneira

Era o mesmo que roubar um vento e sair

correndo com ele para mostrar aos irmãos.


A mãe disse que era o mesmo que

catar espinhos na água

O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.


Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.


A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio

do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores

e até infinitos.


Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito

Porque gostava de carregar água na peneira


Com o tempo descobriu que escrever seria

o mesmo que carregar água na peneira


No escrever o menino viu

que era capaz de ser

noviça, monge ou mendigo

ao mesmo tempo


O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de interromper o voo de um pássaro

botando ponto no final da frase.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.


O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.


A mãe falou:

Meu filho você vai ser poeta.


Você vai carregar água na peneira a vida toda.


Você vai encher os

vazios com as suas peraltagens


E algumas pessoas

vão te amar por seus despropósitos


Poema  de Manoel de Barros retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

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