quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Hélio

 Hélio, o Sol, pertencia à geração dos Titãs, anterior aos Olímpicos. Passa por ser filho do Titã Hiperião e da titânida Teia. Era irmão de Éos, a Aurora e de Selene, a Lua. Hélio tinha por mulher Perseida, uma das filhas de Oceano e de Tétis, que lhe deu como filha Circe, a feiticeira. Estes, o rei da Cólquida, Pasífae, mulher de Minos e um filho, Perseu, que destronou o irmão Eetes. Consta que Hélio se uniu a diversas outras mulheres: à ninfa Rodes, mãe dos Helíades, a Clímene, mãe das Helíades, a Leucótoe, filha de Órcamo e de Eurínome. Hélio era representado como um jovem de grande beleza, com a cabeça cercada de raios, à maneira de uma cabeleira de ouro. Percorria o céu, num carro de fogo arrastado por quatro cavalos, Pírois, Eoo, Éton e Flégon, dotados de grande rapidez. Os quatro nomes originam-se de chama, fogo ou luz. Cada manhã, precedido pelo carro da Aurora, Hélio se atirava por um caminho que passava pelo meio do céu. À tarde chegava ao mar, onde banhava os cavalos fatigados. Hélio repousava num palácio de ouro, de onde partia no outro dia pela manhã. Quando os companheiros de Ulisses lhe comeram os bois, animais de brancura imaculada e de chifres dourados, ameaçou retirar-se para o seu palácio embaixo da Terra, se os culpados não fossem castigados. Hélio é considerado como o olho do mundo, aquele que tudo vê.


Retirado do livro Dicionário da Mitologia Grega; Ruth Guimarães, Editora Cultrix, São Paulo, 2004.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Orunmilá

 Orunmilá, conhecido também como Ifá, é o orixá e a divindade da profecia dos iorubás, e é muito respeitado por seu conhecimento e sabedoria.


O termo Orunmilá é formado pela contração de orun-l'o-mo-a-ti-la, que significa "Somente o Céu conhece os meios de libertação", e é também o resultado da contração de orun-mo-ola, "Somente o céu pode libertar". A palavra Ifá tem como raiz fa, e significa acumular, abraçar, conter. O termo indica que todo o conhecimento e as tradições iorubás se encontram no corpus literário de Ifá.

Orunmilá designa a divindade e palavra Ifá significa ao mesmo tempo a divindade e o sistema divinatório a ela associado. Para orientar os que o procuram, o sacerdote de Ifá dirige-se ao Odu Corpus. O corpus narrativo de Ifá contém a história da maioria dos orixás, ensinamentos sobre curas por meio de plantas. Dessa forma, os sacerdotes de Orunmilá também conhecem o preparo de medicamentos necessários para a cura de doenças.

Sobre Orunmilá existem muitos mitos que esclarecem a sua essência como orixá. Um deles narra que teria tido oito filhos aos quais ensinou todos os mistérios da profecia e adivinhação. Outro conta que ele teria nascido em Ifé, onde era um grande curador e adivinho. Após ter adquirido fama, fundou uma cidade chamada Ipetu, onde se tornou rei conhecido como Alaketu. Conta-se que era muito popular e considerado um grande profeta. Ele teria selecionado dezesseis homens desejosos de aprender a arte divinatória.

Conta-se também que Orunmilá participou do processo de criação e veio para a Terra em companhia de outros deuses primordiais. Teria então nascido em Ifé, local considerado o ponto de origem da espécie humana. Ele teria recebido de Olodumaré o privilégio de conhecer a origem de todos os orixás, de todos os seres humanos e de todas as coisas que existem no mundo. Daí a sua responsabilidade em guiar o destino de todos.

Segundo as tradições iorubás, somente Orunmilá pode sondar o futuro, pois é o único conhecedor do ipin ori, o destino do ori. Ori em iorubá significa cabeça e se refere a uma intuição espiritual e destino. É o orixá pessoal em toda sua força e grandeza.

Os sacerdotes de Orunmilá geralmente são procurados por um grande número de pessoas, grande parte em situação de crise, e que não sabe exatamente como agir devido ao seu estado de fragilidade. O sacerdote é proibido de tirar vantagens da situação e não pode recusar atender mesmo aqueles que não têm  condições de pagar por seus préstimos. Cabe ao sacerdote orientá-las e lhes dar o aconselhamento necessário para que solucionem seus problemas. 

A iniciação de um sacerdote de Ifá não inclui a perda da consciência, pois se trata de uma iniciação intelectual. Ele passa por um longo período de aprendizagem de conhecimentos precisos, em que a memória é fundamental. Ele deve aprender uma grande quantidade de lendas e histórias contidas nos 256 Odus ou signos de Ifá. No conjunto todo, o aprendizado forma uma espécie de enciclopédia oral dos tradicionais conhecimentos do povo iorubá.


Retirado da revista Sexto Sentido Especial - Orixás, nº 46; Mythos Editora, São Paulo, 2010.

sábado, 25 de dezembro de 2021

Advertência e Encorajamento

Após as bênçãos da semeação, a terra aparece reverdecida, e surgem as searas luminosas com as bênçãos da flor e do fruto.

Superados os graves períodos de amanhar a terra, retirando-lhe calhaus, abrolhos e pedrouços, surge o momento feliz em que as sementes se multiplicam a cem por um, a mil por um, prenunciando abundância de grãos sobre a mesa da esperança.

Parece que, no verdor rico de projetos felizes, paira a grande paz.

Todavia, a necessidade de defender a gleba, torna-se-nos muito maior, agora, do que antes.

O solo adusto e ingrato, deixado ao abandono, inspira repulsa e desprezo; mas o pomar, o jardim e a lavoura - nos quais predomina abundância de bênçãos - a cupidez, o interesse malsão e a exploração da avidez vigiam; e, como ladrões impiedosos sentindo-se impossibilitados de furtar os grãos e apropriar-se da terra, ateiam-se incêndios criminosos com os quais se comprazem, acreditando-se vencedores.

As lutas recrudescem.

As facilidades são apenas aparentes.

O crescimento na horizontal da vida não significa implantação na vertical dos sentimentos.

Imperioso redobrar a vigilância.

Os bastiões da fé estremecem; abrem-se brechas que dão acessos a incursões malevolentes e perigosas.

A segurança de uma parede é a harmonia dos blocos que se justapõem. Retirado o primeiro, os próximos são inevitáveis.

As defecções de muitos companheiros comprometem o trabalho do Senhor.

A instabilidade de corações afervorados faculta o desequilíbrio e as incursões negativas.

Hoje, como ontem, o cristão decidido não dispõe de tempo para o repouso inútil ou para a colheita de glórias frívolas.

As forças em litígio predominam no país emocional de cada indivíduo.

Enquanto não prevaleçam a paz, o equilíbrio, a ordem e o amor, no comando das ações, estaremos em conflitos e caminharemos em crise.

O trabalho, disso decorrente, será frágil, susceptível de desmoronamento.

À medida que a seara cresce, aumenta o número daqueles que a detestam, de um como do outro plano da vida.

Não facilitemos! Mantenhamo-nos em serenidade vigilante, conclamando-nos, uns aos outros, à observância dos compromissos firmados e à vigilância da oração.

Não há castelo inexpugnável, quando aqueles que ali residem torpedeiam-lhe as bases.

Não há defesas que se sobreponham-se a um cerco demorado, se faltam, no reduto sitiado, o equilíbrio e a ajuda recíproca.

O trabalho de Jesus progride em nossas mãos, mas cuidemos para que, fracas, não venham a comprometer a realização interior.

Estes são dias muito graves.

Acompanhamos a insensatez abraçada ao entusiasmo de fogo-fátuo, sem dimensão do futuro nem estruturas no presente.

Nós outros, que já nos comprometemos ao largo dos séculos, e falhamos quase sem cessar, cuidemos para que o novo insucesso não nos assinale a marcha, quando estamos próximos do porto final.

Renovemos propósitos saudáveis, retiremos a borra do pessimismo e do desencanto, compreendendo que é nos dejetos que a vegetação se faz mais luxuriante e no charco o lótus esplende com mais alvura, como ocorre com o lírio que explode em perfume.

Façamos do cansaço, do desencanto e da rotina, o adubo forte da sementeira da esperança.

Iluminemo-nos de dentro para fora, a fim de que a nossa luz não projete sombras.

Prossigamos, com o ardor de ontem e a confiança no amanhã, vencendo, cada hora e todo o dia, com o mesmo idealismo de fé, sem deixar que as altercações do mal e as forças negativas tomem das nossas paisagens interiores, manchando-as de sombras.

Jesus confia em nós, e, Seus Amigos espirituais, contam com o esforço de cada um e a decisão de todos.

A nossa, será uma vitória coletiva.

A deserção de alguém será atraso na marcha de outros e a queda de alguns será insucesso em muitos.

Mãos dadas e corações unidos, olhos postos na Grande Luz, avancemos, joviais, estóicos e felizes.


Retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis;  Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Olodumaré, o deus supremo

 Na mitologia iorubá, Olodumaré, conhecido também como Olorum, é o deus supremo que criou o universo e a vida.


Para muitos, Olodumaré é um deus que está fora da compreensão humana, por ser ditante e inacessível aos seres humanos. Ele separou o imaterial do material. O imaterial se refere ao infinito, o orum, habitado por seres sobrenaturais e entidades conhecidas como araòruns. É nesse local que habitam os antepassados e os orixás. O material se refere ao aiye (Terra), o mundo habitado pelos humanos, seres naturais.

Em algumas tradições, orum se situa no céu. Em outras, ele se localiza abaixo da terra. Essa ideia pode aparentemente ser comprovada durante as oferendas aos orixás, quando o sangue de animais sacrificados é derramado em um buraco cavado na terra, em frente ao local consagrado ao deus.

Para manter o controle sobre sua criação, Olodumaré, conhecido também como Olorum, criou os orixás que governam o mundo e suas criaturas. Cabe a ele resolver as questões e atritos entre os orixás.

Cada orixá é representado de forma material pelos elementos, e simboliza um arquétipo de atividade, de função, de profissão. No conjunto, eles se complementam e representam as forças que regem o mundo. É por meio deles que os homens dirigem suas preces e fazem oferendas a Olodumaré.

Os atributos de Olodumaré são: Único, Criador, Onipotente, Juiz e Eterno. Ele é considerado como "a poderosa e inalterável rocha que nunca morre" (Oyigiyigi Ota Aiku). Apesar de não receber cultos diretamente, sempre que uma divindade é cultuada, a saudação se inicia com a expressão Asé (axé), que significa "Possa Deus aceitar isso".

A relação entre os homens e os orixás se apresenta de uma forma mais complexa do que se pode imaginar. Para compreender essa relação é necessário observar algumas crenças dos iorubás. Para eles, tanto a vida quanto a morte são sagradas. Em todos os seus rituais eles consagram tanto a Terra quanto o Céu.

Eles acreditam na existência de várias almas. A primeira seria o princípio da existência, a respiração, o émi, dado aos homens por Olorum. Outra alma seria aquele que sempre segue o homem, a ojji, a senhora. A mais importante seria a alma ancestral, eledá ou ipòri, que está associada ao destino dos homens, à reencarnação e ligada à cabeça do homem, o ori. Segundo a tradição, é essa alma que comparece diante de Olorum antes de renascer um novo corpo.

Cada ori - cabeça - é modelada no orum pelo orixá Àjàtá, que tem o auxílio de Oxalá e das entidades ligadas ao destino, os odus - Èjiobe, Oyéku-méji, Irósun-méji, òwórín-meji, Òbára-méji, Okanràn-méji, Osá-méji, Òtürúpòn-méji. Òtüá. Dessa forma, cada cabeça é modelada formando o ipòri, a alma ancestral, de cada pessoa.

Se, por exemplo, Àjàlà usa a pedra ao criar a pessoa, ela deverá cultuar Ogum na Terra. Se for usada a água, o culto deverá ser feito aos orixás do elemento água, como Oxum e Yemanjá.


Retirado da revista Sexto Sentido Especial - Orixás, nº 46, Mythos Editora, São Paulo, 2010.

Em favor dos Enfermos

 Na grande área dos serviços fraternos de socorro ao próximo, demandando a ação da caridade, a cura das mazelas orgânicas, emocionais e mentais é de vital importância.

Certamente, mais delicado é o desafio da saúde moral, graças ao qual os fenômenos fisiopsíquicos assumem alta significação, apresentando-se como respostas inevitáveis.

O ideal, portanto, é trabalhar-se os valores íntimos do homem, de cuja harmonia deriva o bem-estar. Entretanto, na impossibilidade de conseguir-se a realização plena, no campo das causas, o empenho por minimizar-se os efeitos perniciosos assume significação relevante, por propiciar requisitos que facultam a instalação das fontes saudáveis na organização perispiritual.

Para que se logrem resultados favoráveis, é indispensável que o agente possua condições mínimas que sejam, a saber: harmonia interior, que decorre de uma conduta sadia; sentimentos de amor, que propiciem vibrações positivas; espírito de abnegação; saúde física e mental, de modo que a bioenergia, que se deseje doar, carreie forças restauradoras e atue nos centros vitais, gerando células sãs, portadoras de equipamentos harmônicos.

Ocorre, às vezes, que alguns instrumentos das curas contradizem esses itens mínimos, porém, eles próprios são pacientes, nos quais as enfermidades ainda não se manifestaram, apesar de já instaladas.

Agem para o bem, sem consciência do que lhes pode fazer bem.

Toda e qualquer pessoa forrada de bons propósitos pode e deve auxiliar o seu próximo, quando enfermo.

Não é exigível que aplique esta ou aquela técnica, sempre dispensável. Mas é essencial que se haja educado para o mister e procure, sinceramente, ajudar.

A irradiação da mente concentrada no bem, em favor de alguém, opera admiráveis resultados.

Unida à aplicação dessa energia, com as mãos distendidas, sem ruído ou ritual, a magnetização da água completa a operação socorrista, ao ser ingerida pelo paciente.

A sociedade, como um todo, necessita do equilíbrio e da saúde, no entanto, é no homem, como célula valiosa, que se deve iniciar o labor terapêutico.

É claro que muitos atletas, portadores de saúde física, são, por outro lado, expressões de conduta infeliz, perniciosa.

Os apologistas das raças superiores preocupam-se com os físicos ideais e portadores de linhas que expressem a procedência genética, despreocupados com os seus valores éticos e morais.

A saúde real é resultado da homeostase, vigente no homem, na qual o físico e o emocional se harmonizam perfeitamente.

Jesus curava e concedeu aos discípulos a faculdade de recuperar os enfermos.

Mantinha, no entanto, uma regra severa para a preservação da saúde, que era a recomendação em favor da conduta moral de modo que não lhes acontecesse nada pior.

A mente é fonte geradora de energias que esparze conforme as inclinações do espírito, sendo fator de infortúnio, como de felicidade, para si mesmo e para os demais.

Assim, orando, exercita os teus recursos latentes, canalizando-os em favor dos enfermos e recomendando-lhes mudanças de comportamento mental e moral para melhor, assim contribuindo para que a sociedade humana seja mais feliz.


Texto retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

domingo, 12 de dezembro de 2021

Vem Comigo

 Pede a saideira que agora é brincadeira

E ninguém vai reparar

Já que é festa, que tal uma em particular?

Há dias que eu planejo impressionar você

Mas, eu fiquei sem assunto...


Vem comigo, no caminho eu te explico

Vem comigo, vai ser divertido, vem comigo...


Vem junto comigo que eu quero te contaminar

De loucura até a febre acabar

Há dias que eu sonho beijos ao luar

Em ilhas de fantasia


Há dias com azia, o meu remédio é o teu mel

Eu sinto tanto frio no calor do Rio

Já mandei olhares prometendo o céu,

Agora eu quero é no grito!


Vem comigo, no caminho eu te explico

Vem comigo, vai ser divertido, vem comigo...


Música de Cazuza, Guto Goffi e Dé gravada por Crikka Amorim em seu CD No Ponto lançado pela Camorim Discos em 2004.

sábado, 11 de dezembro de 2021

Ação da Amizade

 A amizade é o sentimento que imanta as almas umas às outras, gerando alegria e bem-estar.

A amizade é suave expressão do ser humano que necessita de intercambiar as forças da emoção sob os estímulos do entendimento fraternal.

Inspiradora de coragem e de abnegação, a amizade enfloresce as almas, abençoando-as com resistências para as lutas.

Há, no mundo moderno, muita falta de amizade!

O egoísmo afasta as pessoas e as isola.

A amizade as aproxima e irmana.

O medo agride as almas e as infelicita.

A amizade apazigua e alegra os indivíduos.

A desconfiança desarmoniza as vidas e a amizade equilibra as mentes, dulcificando os corações.

Na área dos amores de profundidade, a presença da amizade é fundamental.

Ela nasce de uma expressão de simpatia e firma-se com a raízes do afeto seguro, fincadas nas terras da alma.

Quando outras emoções se estiolam no vaivém dos choques, a amizade perdura, companheira devotada dos homens que se estimam.

Se amizade fugisse da Terra, a vida espiritual dos seres se esfacelaria.

Ela é meiga e paciente, vigilante e ativa.

Discreta, apaga-se, para que brilhe aquele a quem se afeiçoa.

Sustenta na fraqueza e liberta nos momentos de dor.

A amizade é fácil de ser vitalizada.

Cultivá-la, constitui um dever de todo aquele que pensa e aspira, porquanto, ninguém logra êxito, se avança com aridez na alma ou indiferente ao enlevo da sua fluidez.

Quando os impulsos sexuais do amor, nos nubentes, passam, a amizade fica.

Quando a desilusão apaga o fogo dos desejos nos grandes romances, se existe amizade, não se rompem os liames da união.

A amizade de Jesus pelos discípulos e pelas multidões dá-nos, até hoje, a dimensão do que é o amor na sua essência mais pura, demonstrando que ela é o passo inicial para essa conquista superior que é meta de todas as vidas e mandamento maior da Lei Divina.


Texto retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Aos Santos Inocentes

 Depois da Noite de Festa, aos sete e nove anos, recordo-me ter sido levado pela ama Benvenuta de Oliveira, Utinha, para um almoço em companhia de uns meninos e meninas na Rua Ferreira Chaves e depois na Avenida Sachet (Duque de Caxias), em Natal. Ao fundar, fomos brincar enquanto as acompanhantes serviam-se de um cardápio trivial. Houvesse anormalidade, teria lembrança. Nessa época, viajando de Natal ao Recife pela Estrada de Ferro, dormia-se em Guarabira, Paraíba, prosseguindo-se na manhã seguinte. Meus pais hospedavam-se na residência de um comerciante, Saraiva, magro, solene, conversador. Lembro-me que numa destas vezes, creio que em 1908, deixamos a casa em plena efervescência festiva para um almoço às crianças. Pertencendo à classe dos credenciados, lamentei continuar a jornada sem saborear os quitutes que a Senhora Saraiva dedicaria aos pequenos paraibanos. Trinta anos depois atinei tratar-se de uma devoção aos Santos Inocentes, 28 de dezembro, constando caracteristicamente de uma refeição às crianças, máximo de oito anos. As meninas deveriam ter menos idade porque ficam "sabidinhas" muito mais cedo.

Na cidade de Salvador essa festa convergiu para os Santos Cosme e Damião, 27 de setembro, correspondendo aos Ibejes dos pretos nagôs, o Caruru dos Meninos, que terminou não tendo dia certo para a realização. De origem cristã e divulgação familiar, vulgarizou-se como sendo um culto africano por influência dos Candomblés sudaneses na Bahia e áreas sujeitas a sua jurisdição supersticiosa. Indubitavelmente existiu no Rio de Janeiro, onde há vestígios da comemoração doméstica e digestiva aos Santos Inocentes, primeiros mártires em louvor do recém-nascido Jesus de Nazaré. Pereira da Costa já não a registra no Recife, onde será de impossível ausência. Teria havido da Paraíba para todo o Norte porque ainda é contemporânea em Belém do Pará, cidade mística. Direi mesmo, aquém do Rio São Francisco. Para o Sul e Centro, ignoro, mas a presença será ecologicamente lógica.

Pelo interior do Pará as festas íntimas a São Lázaro, 11 de fevereiro, São Roque, 16 de agosto, a Promessa aos Cachorros, incluem, às vezes, convites a um certo número de crianças ou de virgens, presumíveis inocentes.

Na Europa católica, notadamente na França, os Saints Innocents possuíam comemoração popular e burlesca, mesmo na Corte, confundindo-se com a "Festa dos Loucos": Fête des Saints Innocents, dite aussi. Fête des Fous, com amplas liberdades licenciosas, fazendo-se proibir em meado do século XV mas sempre funcionando na predileção jubilosa e erótica de Paris sob a dinastia dos Valois. Cem anos depois da proibição ainda motivada a novela XIV no Heptaméron da Rainha Marguerite de Navarre, para onde envio a possível curiosidade.

Na Sé de Lisboa, véspera do Santos Inocentes, os meninos do coro elegiam entre eles o Bispo Inocente, até o dia seguinte governando o clero, visitando igrejas, distribuindo bênçãos, saindo em procissão, com o mesmo cerimonial litúrgico do verdadeiro prelado. Lembrava o Imperador do Divino, com as efêmeras prerrogativas majestáticas. O reverendo Cabido da Catedral oferecia um lauto jantar aos jovens coristas. Seria a origem do ágape, no mínimo desde o século XVIII, julgado pelo Povo ato devocional por ser promovido pelas autoridades eclesiásticas com anuência do Arcebispo.

No meu tempo de sertão não havia mostras religiosas exteriores, exceto dois Padre-Nossos e três Ave-Marias rezadas pelas velhas donas menos às vítimas meninas do Rei Herodes que aos "Anjos", falecidos "antes da idade da Razão", incluídos na polifonia celestial. Decorrentemente ocorreu nas populações vizinhas, idênticas em sangue, mentalidade, índice cultural. Faziam-na em Guarabira, Fortaleza, Parnaíba, Tutóia. Não seria oblação seguida e regular mas "Promessa" à Nossa Senhora da Conceição, outra invocação e possivelmente aos próprios Santos Inocentes, patronos infantis, com a Anjo da Guarda, face imutavelmente juvenil e louçã. Lentamente os Santos Inocentes, com bem pouca representação plástica, diluíram-se como centro intencional rogatório. A refeição é que restou articulada à outra entidade celícola, sempre no intuito de alegrar crianças numa compensação ideal ao martírio sofrido na Judeia. Festa privada sem nenhuma intervenção sacerdotal. As crianças não oram nem cantam. Comem, bebem refrescos. Brincam depois, Maria de Belém Menezes, colaboradora admirável, informa-me do Pará: - "A Sra. D. Clarisse Rodrigues da Silva relatou que no dia 16 de agosto fez um Almoço dos Inocentes em homenagem a São Roque. Anos há em que ela faz o almoço a 23 de agosto, dia de São Benedito, pois é pobre e junta os dois Santos numa só Festividade, mas o Santo homenageado mesmo com o almoço é São Roque. Reúne doze crianças, desde as que já comem "alguma comidinha", até oito anos no máximo. Oferece picadinho, galinha guizada, arroz, macarrão, purê de batatas.

As crianças sentam em esteiras, em torno da toalha estendida no chão.

Terminado o almoço, amigas convocadas lavam as mãos das crianças e jogam a água nas plantas. À noite tem ladainha. Achei interessante ela contar que no meio da mesa põe uma imagem de São Roque (que mostra uma ferida na coxa), acompanhada de duas velas acesas e um copo d'água.

Perguntei-lhe para que a água e ela disse que era para a "lavagem dos espíritos" e misericórdia, e que acha que nunca saiu nenhuma briga, nem houve "desarrumação" de bêbados, etc. (o bairro em que está a casa dela é muito atrasado ainda) por causa do copo d'água. Esta, depois de oito dias, é jogada na sapata da casa... Soube de um senhor de nome Antônio Rodrigues, que mora na Travessa Curuzu, 784, Bairro da Pedreira, cuja esposa oferece anualmente um almoço em honra de Nossa Senhora da Conceição a doze crianças. Fui até lá e ela me contou que, estando  gravemente enferma, prometeu a Nossa Senhora da Conceição celebrar-lhe a festa com um almoço para doze crianças, o que vem fazendo há vários anos. Como os filhos estão crescendo, à noite querem festa e, disse-me o marido, a promessa está saindo cara, pois no ano passado (1971) chegaram a gastar, no total do almoço e festa, quase 800 cruzeiros!

O número de convidados será de três (Santíssima Trindade) a doze (os Apóstolos) e mesmo que os Santos inocentes não sejam homenageados nominalmente, reaparece o nome na sugestão dos componentes, Almoço dos Inocentes.

Em Portugal os Santos Inocentes, provocavam ruidosa comezaina, sendo nos finais de dezembro, 27/28, consideravam prolongamento do Natal e antecipação de Ano-Bom e Reis, aquecendo com vinho, canto e bailarico as tardes e noites frias do inverno. Essa "festada" não se aclimatou no Brasil. Nem houve eleição do Bispo Inocente ou a permissão de fustigar as raparigas surpreendidas no sono, donner les Innocents ou bailler les Innocents, no uso francês. Reduziu-se a uma refeição à crianças na idade das sacrificadas pela crueldade do Rei Herodes.

Essa seria a forma devocional, permanecendo na tradição brasileira.


Retirado do livro Superstição no Brasil, de Luís Câmara Cascudo; Global Editora, 2ª Edição, 2002.

domingo, 5 de dezembro de 2021

Compromisso com a fé

 Qualquer compromisso que se assume impõe deveres que devem ser atendidos, a fim de conseguir-se a desincumbência feliz.

Se te comprometes com a área da cultura sob qualquer aspecto, enfrentas programas e horários, disciplina e atenção, para alcançares a meta pretendida.

Se buscas trabalho e desenvolvimento econômico, arrostas obrigações sucessivas, obediência, ação constante, e através dessa conduta chegarás aos objetivos que anelas.

Se te comprometes com a edificação da família, muitos imperativos se te faz indispensável atender, de forma que o lar se transforme em realidade feliz.

Se aceitas o compromisso social, tens que te submeter a inúmeras condições inadiáveis, para atingires os efeitos ditosos.

Compromisso é vínculo de responsabilidade entre o indivíduo e o objetivo buscado.

Ninguém se pode evadir, sem tombar na irresponsabilidade.

Medem-se a maturidade e a responsabilidade moral do ser através da maneira como ele se desincumbe dos compromissos que assume.

O profissional liberal que enfrenta dificuldades para o desempenho dos compromissos, luta e afadiga-se para bem os atender, mantendo-se consciente e tranquilo.

O operário que aceita o compromisso do trabalho, sejam quais forem as circunstâncias e os desafios, permanece na atividade abraçada até sua conclusão.

Compromisso é luta; é desempenho de dever.

O prazer sempre decorre da honorabilidade com que cada qual se desincumbe da ação.

Em relação à fé religiosa a questão é semelhante.

Quem se apresenta no campo espiritual buscando a iluminação, não tem condição de impor requisitos, mas, aceitá-los conforme são e devem ser seguidos.

Não se trata de um mercado de valores comezinhos, que devem ser leiloados e postos para a disputa dos interesses subalternos.

O compromisso com a fé religiosa é de alta relevância, pois se trata de ensejar a libertação do indivíduo, dos vícios e delitos a que se condicionou, e que o atormentam.

São graves os quesitos da fé religiosa.

Mesmo em se tratando de preservar a liberdade do candidato à fé, ela não modifica os programas que devem ser considerados e aplicados na transformação moral íntima.

Estabelecida a dieta moral, o necessitado de diretriz esforça-se para aplicar, incorporar as lições hauridas no seu cotidiano. Nenhuma modernidade altera as leis da vida, que são imutáveis.

Desse modo, o compromisso com a fé não permite ao indivíduo adaptar a linha direcional da doutrina que busca aos seus hábitos perniciosos e às suas debilidades morais.

E Espiritismo apoia-se moralmente nas lições de Jesus, sendo a sua, a mesma moral vivida e ensinada pelo Mestre.

Adaptar-se essa moral às licenças atuais, aos escapismos éticos em moda, às concessões sentimentais de cada um, constitui grave desconsideração ao excelente conteúdo que viceja no pensamento espírita.

Indispensável que o compromisso com a fé espírita mantenha-se inalterado, sem a incorporação dos modismos perniciosos e perturbadores do momento, assim ensejando a transformação moral para melhor de todos quantos o aceitem em caráter de elevação.

Somente assim, todo aquele que abraça a fé, que luz na Doutrina Espírita, terá condições para vencer estes difíceis dias em paz de consciência, mesmo que sob chuvas de incompreensões e desafios constantes do mal, dos vícios e dos perturbadores.


Texto retirado do livro Momentos Enriquecedores; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2ª Edição, 2015.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Já Dizia Salomão

Entre a razão e o dinheiro

Quem é quem?

Quem tem razão?

Se a razão for o dinheiro

Dinheiro tá sem razão

Se a razão for o dinheiro

Dinheiro tá sem razão

Eu nunca tive dinheiro

Nasci brasileiro

E toco violão

Mas não troco meu pesqueiro

Pelo teu hidroavião

E a paixão pelo dinheiro

É falta de outra paixão

Já dizia Salomão

Vamos repartir o pão

Que a justiça é infinita

Não obstante

Um tal Rei Midas, tubarão,

Transformou comida em ouro

E morreu de inanição

Vale mais quem vai mais fundo

Do que quem conta tostão

Que a melhor coisa do mundo

Dinheiro não compra não

Vale mais quem vai mais fundo

No fundo do coração

Que a melhor coisa do mundo

Dinheiro não compra não

Entre a razão e o dinheiro

Quem é quem?

Quem tem razão?


Música de Sizão Machado e Jean Garfunkel; é a segunda faixa do CD de Anaí Rosa intitulado Samba Comigo, lançado em 2010 pela Tratore.