domingo, 30 de julho de 2023

Ante Paixões

A paixão é reminiscência da natureza animal predominante no homem.

Leva-o a tormentos inimagináveis, escravizando-o e dilacerando-lhe os sentimentos mais nobres.

Irrompe, violenta, qual temporal imprevisto, devastando e consumindo tudo quanto se lhe antepõe ao avanço.

Desafiadora, ensandece e fulmina quem lhe padece a injunção, deixando sempre destroços, quer chegue ao ponto de destino ou seja interrompida a golpe de violência equivalente.

Ela é a alma dos desejos incontrolados, vestígio do instinto que a razão deve conduzir.

Nesse estágio de primarismo, é o maior inimigo do homem, porque o asselvaja e domina.

Canaliza pela vontade disciplinada para objetivos elevados, transforma-se em força motriz que dá vida ao herói, resistência ao mártir, asas ao anjo, beleza ao artista e glória ao lutador.

Domina os teus sentidos mais grosseiros, corrigindo as más inclinações sob o comando da razão fixada em metas elevadas.

Transforma o fogo devorador que te consome em força que produza para o benefício geral.

Uma chispa descuidada ateia incêndio voraz, destruidor, enquanto as labaredas voluptuosas, sob controle, fundem e purificam os metais pata fins úteis.

Considera a paixão de Alarico, o conquistador impiedoso, e a de Agostinho, o libertador, seu contemporâneo...

Recorda a paixão de Nero, o dominador arbitrário, e a de Sêneca, seu mestre-escravo, a quem ele mandou matar.

A paixão de Herodes pelo trono e a de Jesus pela Verdade possuíam a mesma intensidade, somente que a canalização das suas forças era dirigida em sentidos opostos.


Retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Saber melhor quem é você

Eu te admiro à distância

Sou invisível pra você

Ouço falar das suas histórias

Seu mundo me parece encantador

Você me faz ganhar o dia 

E ver a vida bem melhor

Você me trás tanta alegria 

Seu mundo me parece encantador


Tenho vontade de te conhecer

Saber melhor quem é você

Meu coração ficou curioso

Eu não consigo mais te esquecer

Será que um dia a gente vai se ver

Será que um dia vou tocar você

Será que existe algum futuro

Será que você vai me conhecer


Meu coração bate tanto por você

Eu não consigo

Não consigo te esquecer

Meu coração está chamando agora

Agora é hora tudo pode acontecer


Vem aproveitar esse amor 

E desvendar meus segredos

Não temos tempo pra dor

Não há motivo pra medo


Música de Carla Gomes e Liminha gravada no primeiro CD dela intitulado O Tempo Sou Eu, em Produção Independente no ano de 2014.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

A História de José

 Era uma vez um menino...

José.

José vivia numa cidade pequena, pequena.

A cidade não tinha rio.

A cidade não tinha mar.

Cidade triste, aquela cidade.


A cidade só tinha uma estrada.

Estrada grande, enorme, asfalto.

Passava caminhão cheio de carga.

Passava caminhão cheio de gente.

Passava carro cheio de meninos.

E José via.


Entrou ano. Saiu ano.

José cresceu.

Aprendeu a ler com dona Maria.

Aprendeu que lá longe, no fim da estrada...

Tinha outras cidades.

Tinha mar.

Tinha barco.

E até outros meninos tinha.


Já sabia ler o José.

Os caminhões passavam cheios de nomes.

São Paulo.

Minas Gerais.

Pernambuco.

Bahia.

"Meu caminho só Deus sabe".

Fé em Deus e pé na estrada".

"Flor do asfalto".

Aprendeu tanta coisa José.

Mas as coisas na cabeça de José eram complicadas.

Deus andava num avião a jato.

Os passageiros eram santos.

Os arcanjos cantavam fados.

E os anjinhos brincavam nas asas dos aviões.


Aprendeu coisas da vida José.

Aprendeu a pegar boi no laço.

-ÊÊÊÊÊÊ-BOIIIII-EÁÁÁÁÁÁÁ!

Montar cavalo no pelo.

Caçar bicho no mato.

Namorar na pracinha no domingo.

Jogar capoeira como ninguém:

- Água de beber, ê...

Água de beber, camarada.

O galo cantou, ô...

Cocoricou, camarada...


Mas a estrada...

A estrada chamava José.

Um dia José pegou suas coisas.

Mala pequena. Muda de roupa.

Pegou água. Pegou farinha.

Carne-de-sol pegou.

Falou com o pai.

Falou com a mãe.

Com os irmãos falou.

Fez festa no cachorro.

E lá se foi José.


Eu vi José subir no caminhão.

Eu vi a estrada levar José.

Rosto sério. Lenço branco.

Adeus José.


E nunca mais ninguém viu José.

Dizem que ele sumiu na cidade grande.

Dizem muitas coisas do José.

Que ele trabalha em construção.

Que faz arranha-céu alto, alto.

Dizem que ele é marujo, embarcado.

Dizem que ele é piloto de avião a jato.


Eu não sei.

Dizem até que ele está na corte de Dom Sebastião.

Que agora ele é nobre, tem brasão.

E que um dia ele vai voltar.

Cheios de tesouros e nobreza.

E que a cidade vai virar reino.

O reino de Dom Sebastião.

Eu não sei, não.

Mas se você encontrar José,

me faça um favor.

Diga que a gente continua esperando...

Na beira da estrada.

Que todo mundo quer ser nobre.

Usar capa e espada.

Ter brasão.

E viva Dom Sebastião!


Dom Sebastião (1554-1578) foi um rei de Portugal que morreu muito moço, na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Mas seu corpo nunca foi encontrado. Após sua morte, Portugal passou ao domínio da Espanha, que duraria até 1640, e durante todo esse tempo, formou-se no povo português a esperança de que Dom Sebastião voltaria para estabelecer o Quinto Império português: uma espécie de Paraíso terrestre, que se estenderia pelo mundo todo. No Brasil, essa crença, chamada de "sebastianismo", estimulou movimentos  populares como o do Reino Encantado (1836/1838), em Pernambuco, retratado por Ariano Suassuna em seu Romance da Pedra do Reino (1971).


Texto de Sônia Robatto retirado do livro Meninos e Meninas, Coleção Literatura em Minha Casa, 4ª Série, Volume 2, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2003.

domingo, 23 de julho de 2023

Rubens, o semeador

Quando eu era menino, os professores da escola estavam sempre falando sobre a natureza, a importância de preservar as áreas verdes e os mananciais de águas, e a necessidade de se economizar energia.

Viviam lembrando a importância das árvores, pois são elas que purificam o ar, que preservam a umidade, que dão frutos e madeiras para a construção e para a indústria. Diziam que são as florestas e os bosques que equilibram o clima. Por isso é que cidades grandes que derrubam as matas em torno ficam muito quentes e têm clima irregular.

Eu sempre achava que isso não tinha nada a ver comigo, afinal eu nunca tinha feito nada que prejudicasse árvore nenhuma, nem nunca tinha quebrado um galho de árvore.

Mas um dia, minha mãe escolheu um caminho diferente para me levar à escola. Era um caminho mais longo, mas ela precisava passar por uma loja, para comprar uma coisa qualquer.

Então, nós passamos por uma rua que eu não conhecia. Era uma rua linda, cheia de árvores plantadas dos dois lados, uma alameda; e as copas das árvores se juntavam em cima, formando um túnel. Havia flores nas árvores e a rua estava toda perfumada. Debaixo das árvores a sombra era fresca e havia pássaros que se movimentavam entre as folhas.

Eu fiquei encantado:

- Mãe - eu disse -, que rua tão bonita! Deve ser de gente muito rica!

Minha mãe sorriu:

- Que nada, filho! É de gente como nós. Repare nas casas: são iguais às da nossa rua. O que faz esta rua tão linda são as árvores.

Eu voltei para casa pensando naquilo. E ainda pensei por muitos dias. A ideia de plantar uma árvore na nossa calçada não saía da minha cabeça. "Por que não? Não é tão difícil plantar uma árvore!", eu pensava.

Então fui falar com meu pai:

- Eu queria abrir um buraco na nossa calçada.

Meu pai ficou muito espantado:

- Buraco? De jeito nenhum! Nem me fale nisso!

Mas eu não desisti. Toda vez que meu pai estava distraído, eu vinha com meu pedido. Até que um dia ele perguntou:

- Mas afinal, pra que você quer fazer um buraco?

Eu então contei ao meu pai a história da rua, que era tão linda só porque tinha uma porção de árvores plantadas. E falei do perfume, falei dos passarinhos, falei como a rua era fresquinha.

Meu pai acabou achando graça, mas me avisou que aquilo ia dar um trabalhão, que não só eu iria precisar de gente que me ajudasse, como iria precisar de algum dinheiro.

- Você vai precisar de ferramentas, de tijolos, areia e cimento, vai precisar mudar toda a terra do buraco, que deve ser uma droga de terra cheia de pedra...

Talvez, se eu tivesse uma noção mais exata do trabalhão que ia dar minha empreitada, eu tivesse desistido. Não sei. Mas acho que não.

Naquele momento eu estava determinado a seguir em frente e plantar minha árvore.

Eu comecei por procurar, entre as ferramentas do meu pai, se havia alguma que se prestasse para o que eu queria. Encontrei uma marreta pequena e achei que se eu tivesse um outro instrumento que cortasse o cimento, a marreta poderia ajudar. Então, fui falar com seu Pedrão, que morava na esquina e era mestre-de-obras. Eu tinha certeza de que ele teria a tal ferramenta, que eu sabia que existia, mas da qual não sabia o nome.

Seu Pedrão, depois que eu contei a história toda, coçou a cabeça:

- Bem, a ferramenta eu tenho; se chama talhadeira. Emprestar eu posso. Mas você não tem força para fazer esse trabalho, Rubens.

- Mas eu Pedrão, será que o senhor me ensina como se faz? Eu vou fazendo aos pouquinhos - insisti.

Seu Pedrão respondeu que ia me ajudar porque quando ele era pequeno, ele quis criar um porquinho. E foi uma dificuldade, porque ninguém ajudou! Ele acabou tendo que dar o bichinho pra um primo, mas ficou sempre com aquela mágoa.

Então, no domingo cedo ele veio, me chamou e começou a me ensinar como é que se fazia, mas, pra falar a verdade, ele fez tudo sozinho.

Eu agradeci a ele, e ele me disse:

- Quando você puder, ajude alguém também.

Bom, aí eu tinha que tirar a terra do buraco.

Arranjei um balde da minha mãe, que ela não queria emprestar por nada, porque ela usava esse balde para pôr roupa de molho. Mas eu acabei convencendo minha mãe de que eu ia usar o balde só nos sábados e domingos e depois eu ia entregar para ela limpinho nas segundas-feiras.

Foi uma trabalheira horrível tirar toda aquela terra. Nem era tanta, mas tirar a terra do buraco, botar no balde e depois carregar para um terreno baldio que tinha na outra esquina deu um trabalhão! Eu não podia encher o balde todo, porque ficava muito pesado. Então, de cada vez, eu punha terra até a metade. Nem sei quantas viagens eu fiz, mas eu cheguei a fazer bolhas nas mãos. E depois que eu despejei uma porção de terra, apareceu o dono do terreno e disse que eu não pusesse mais terra e eu tive que arranjar outro terreno.

O pior é que quase ninguém acreditava que esse negócio fosse dar certo. E caçoavam de mim, achavam que eu era meio maluco.

O próximo problema er aonde é que eu ia arranjar uma terra boa para encher o buraco?

Eu custei um pouco para achar a solução.

Um dia, eu estava passando na casa da dona Rosa, que mora na outra quadra.

Ela estava plantando alguma coisa no jardim. Eu tive um palpite: se ela entendia de plantas, havia de entender de árvores também. E se ela gostava de plantas, tinha que gostar de árvores!

Eu puxei conversa com ela; foi meio difícil, que ela não era de muita prosa. Mas eu consegui contar a história da árvore, contei que precisava de uma terra boa, mas que não sabia onde encontrar.

Dona Rosa me olhou desconfiada:

- Quem mandou você aqui?

Eu fiquei muito espantado e até um pouco amedrontado com o jeito dela. Eu disse:

- Ninguém. Ninguém me mandou aqui. Por que é que haviam de mandar?

Dona Rosa levantou, tirou uma luva muito velha, que ela usava para cuidar das plantas, bateu com as mãos nas calças de brim, para tirar a terra.

Depois olhou para mim:

- Você sabia que eu preparo terra para jardins lá atrás?

Eu, na verdade, nem sabia que isso existia, que as pessoas preparavam terra para pôr nos jardins. Acho que eu convenci a dona Rosa da minha inocência, porque ela me convidou para entrar e me levou ao quintal.

Então ela me mostrou que lá no fundo tinha um buracão, onde ela jogava todo tipo de mato que tirava dos canteiros, folhas secas, restos de comida, capim, que ela ia buscar no terreno da esquina, e até serragem.

Cada vez que ela punha alguma coisa no buraco, ela tapava com terra.

E regava, de vez em quando.

Quando o buraco ficava cheio, ela cobria com mais terra e deixava que aquilo tudo virasse "terra de jardim".

Então ela me levou do outro lado do quintal e disse:

- Aqui eu tenho um daqueles buracos, que está aqui há tempos. A terra já está pronta para ser usada. Anda logo! Vá buscar o balde de sua mãe!

Eu saí correndo pra casa, com medo de que minha mãe não me emprestasse o balde. Mas minha mãe emprestou e eu agora já tinha um buraco, cheinho da tal terra de jardim.

O tempo foi passando e eu fui dando solução aos problemas que apareciam.

Mas eu não tinha mais tempo pra nada.

Saí do time de futebol, porque não podia mais treinar. Não fui à festa do Toninho, que era a melhor festa da rua, porque tive de ir buscar a muda do meu ipê amarelo na casa do tio Onofre, que tinha que entregar a muda naquele dia, porque ele ia viajar. Pois é, eu ia plantar uma muda de ipê amarelo, que é uma árvore linda que tem na casa do meu tio.

Meus amigos nem me chamavam mais para brincar, porque eu estava sempre encrencado com alguma coisa.

Tinha que arranjar dinheiro para comprar cimento para fazer o acabamento do canteiro, tinha que fazer um buraco no meio da terra que era boa que a dona Rosa tinha me dado para plantar minha muda...

E quando me disseram que eu não podia plantar nada na calçada, sem pedir licença à prefeitura? Aí eu quase desanimei. Ainda perguntei para uma porção de gente como era que se conseguia licença para isso, mas ninguém sabia. Cada um dizia uma coisa diferente.

Aí eu concluí que não era possível que uma coisa tão boa como plantar uma árvore não fosse permitida.

Aliás, hoje eu sei que não é permitido que se vá plantando árvores onde se quer.

Mas naquele tempo eu não quis nem saber. É verdade que eu conversei bastante com dona Rosa, e ela me disse que eu não devia plantar árvores que têm raízes muito rasas, porque as raízes podem quebrar a calçada.

Eu arranjei uma muda que meu tio disse que, além de ser muito bonita, não quebrava a calçada e plantei no meu buraco. Seu Pedrão me ajudou a terminar o canteiro; minha mãe me deu um regador novinho para eu regar minha muda.

Dona Rosa me disse quantas vezes por semana eu deveria regar a planta.

Eu ainda tive que rodar um bocado para arranjar a madeira para fazer uma cerquinha em volta do canteiro.

Acabei pedindo ao dono da quitanda que me desse umas caixas de frutas vazias.

Eu mesmo consegui serrar as tábuas com o serrote do meu pai. Algumas ficaram meio tortas, mas eu acabei conseguindo um número bom de tabuinhas.

Cerquei o canteiro com cuidado.

Mas as tabuinhas eram fraquinhas.

Então meu pai me deu a ideia de amarrar umas nas outras com um barbante bem forte.

Comprei o barbante com o restinho de dinheiro que eu tinha da minha mesada.

E arrumei as tabuinhas umas ao lado das outras, bem firme.

E finalmente, eu tinha minha árvore, plantada na minha calçada, bem regadinha e bem protegida.

Então eu e dei conta de que eu ainda precisaria esperar alguns anos até ver minha árvore crescida, copada, florida, cheia de pássaros.

Sentei-me numa mureta, em frente à casa do meu vizinho.

Comecei a olhar para a calçada e reparei que havia um grande buraco no cimento.

Fiquei olhando aquele buraco por algum tempo. Ele estava na beira da calçada, alinhado com o meu canteiro.

Então meu coração começou a bater mais forte.

Eu me levantei e fui bater na casa do seu Marcos, que era nosso vizinho.

Tudo isso aconteceu há muito tempo.

Eu hoje sou adulto, casado, tenho meus filhos, mas continuo morando na casa que foi do meu pai.

E quando eu abro a janela da frente e vejo a fileira de árvores que percorrem todo o meu quarteirão e continuam no quarteirão seguinte e no seguinte e no seguinte... quando vejo a passagem das estações, o tempo das folhas verdinhas, o tempo das flores, o tempo em que as folhas caem, os pássaros, as abelhas, os insetos... sinto-me feliz por ter feito o que fiz.

Pra falar a verdade, ainda faço. Depois que terminei de plantar a rua todinha, de um lado e do outro, estou ajudando uma turma de jovens que está plantando a praça do nosso bairro.

E lá atrás, no meu pequeno quintal, eu tenho um verdadeiro berçário de árvores.

Eu planto sementes que muitas pessoas me mandam e cuido delas até ficarem grandinhas. Aí eu dou para vários grupos que se formaram e que estão fazendo a mesma coisa que eu fiz.

Estão distribuindo árvores por toda parte, tornando nossa cidade mais saudável, mais bonita e, certamente, muito mais feliz!


Conto de Ruth Rocha retirado do livro Meninos e Meninas, Coleção Literatura em Minha Casa, 4ª Série, Volume 2, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2003.

sábado, 22 de julho de 2023

O Presente

O peru estava engordando desde o mês de agosto. Chamava-se Alencar, não me perguntem por quê, nem quem lhe deu este nome. Nós o conhecíamos como Alencar e pronto.

Alencar nos foi dado de presente por um humorista, amigo da minha mãe. Sua última piada na vida? Pode ser. Nunca descobrimos com que intenção.

Se nosso apartamento não fosse de cobertura, não sei o que faríamos com ele. Um peru está acostumado a viver na terra, o que ele ia fazer num apartamento como o nosso, que nem grande é?

- Já sei. Vamos comer o Alencar no teu aniversário - minha mãe falou. - Até lá a gente dá bastante milho para ele ficar bem gordinho, e daí... Vai ver só que banquete.

Alencar, que ouviu o que a minha mãe disse, ficou desesperado. E agora?

O jeito era não comer. Ninguém ia querer um peru magrelo, sem carne, na mesa. Claro que não. E ele começou a fazer regime e exercício.

Andava de um lado para outro, sem descanso. Se estivesse bem magro e raquítico... Não ouviu pessoas comentarem histórias semelhantes? Pois é. Não estava atrás de originalidade, e sim da sobrevivência.

O erro da mãe foi amarrar o Alencar com um cordão de náilon.

- Imagine se ele resolve sair por aí, dar um salto, pode até cair lá embaixo e morrer.

"Que ironia", pensei. "Vai morrer de qualquer jeito". Então resolvi proteger o pobre do peru e dar só saladas para ele.

Alencar tinha caráter. Como tinha. O milho que a minha mãe dava, jogava um por um no ralo. Ouvia o barulho do grão caindo lá embaixo...

Outro prazer do Alencar: se exibir andando na balaustrada do terraço. Como o cordão era bastante comprido, ele subia no parapeito e andava de cá pra lá, de lá pra cá.

Sabia que causava a maior admiração nos vizinhos do nosso prédio. Alencar estufava o peito, vaidoso. Glu-glu-glu.

E emagrecia. Como emagrecia.

Em outubro, minha mãe prestou atenção no Alencar.

- Oh, minha filha, o Alencar parece que está tão magrinho... Você tem dado milho para ele?

- Claro que tenho, mãe. Mas ele não quer comer.

- Do jeito que ele está, nem vale a pena  matar. Melhor comprar um peru no supermercado.

- Ou fazer outra coisa, mamãe. Que tal salsicha? Todos meus amigos adoram.

- Está bem - ela concordou.

- E se a gente levasse o Alencar para a casa da vovó? Lá tem galinheiro...

Alencar não esperava outra coisa da vida. Queria porque queria ir para a casa da vovó. E começou a comer. Comer muito. Precisava chegar lá gordo e forte. Mal eu aparecia com o pacote de milho, ele voava em cima de mim.

Aí foi minha vez de dizer.

- Escute aqui, Alencar. Se você engordar, minha mãe vai querer servir você no meu aniversário. E, se você escapar dela, minha avó vai querer servir você no Natal.

Alencar virou de lado, como fazem os perus, e sorriu para mim, com o olhar mais agradecido do mundo.

Deixamos o Alencar no sítio da vovó, e esquecemos dele.

Mas no Natal, ao ver aquele peru enorme em cima da mesa, comecei a chorar.

- Que aconteceu com essa menina?

Minha mãe finalmente se deu conta.

- O peru. Deve ser o peru. É o Alencar?

- Claro que não. O Alencar está no galinheiro. Pode ir ver, queridinha.

E lá estava o Alencar, magro, magérrimo, mas orgulhoso, rei do pedaço, cercado de peruas por todos os lado.


Conto de Edla Van Steen retirado do livro Conto com Você, da Série Literatura em Minha Casa, Volume 2 - Conto - 4ª série; Global Editora, São Paulo, 2003.

Túmulos e Sobrevivência

A primitiva cultura greco-romana estabelecia que a imortalidade da alma era fruída pelo ser, após o sepultamento, no lugar eterno em que deveriam permanecer unidos o Espírito e o corpo, embora a putrefação cadavérica.

As exéquias eram realizadas dentro de estritos rituais, nos quais se confortava a alma do desencarnado, prometendo-se-lhe alimentos, conforto, armaduras e vestuário, culminando-se com os votos de que a terra lhe fosse leve.

Ainda hoje, por atavismo, mantêm-se em lápides tumulares as inscrições que asseveram ali estarem as pessoas, e não os despojos que elas haviam utilizado...

Com os filósofos idealistas, o conceito da imortalidade assumiu o seu verdadeiro sentido, e surgiram as primeiras colocações sobre a continuação da vida nos Campos Elíseos ou no Tártaro, conforme a conduta do indivíduo mantida na Terra, credenciando-o ao merecimento da ventura ou da desgraça post-mortem.

Lentamente, os conceitos orientais sobre a vida além da vida e a reencarnação passaram a fazer parte do comportamento ético e filosófico, tornando-se precioso legado para a posteridade.

Atualmente, graças aos equipamentos da investigação, o que permanecia apenas como herança cultural, religiosa e mística, pôde ser confirmado, propiciando admirável contributo à psicologia transpessoal para o atendimento do homem e sua promoção espiritual.

A sobrevivência à morte parecia um conceito mitológico; a sua crença, que servia de pretexto para fugas emocionais, agora se torna um fundamento poderoso para despertar no homem os valores que lhe dormem latentes e ajudá-lo a encontrar sua identidade de ser eterno, avançando na direção de seu destino feliz.

O homem, que ampliou os horizontes do conhecimento de maneira fascinante, saindo na direção do mundo exterior, agora se volta para o que antes era o insondável de si mesmo, e implode o ego, usando os poderosos meios do autoconhecimento, da meditação, da oração e da ação feliz para redescobrir a vida.

Faz uma releitura do Evangelho de Jesus, e incorpora-o ao cotidiano.

Dedica-se a um reexame dos valores sobre os quais edificou suas crenças, e renova-se.

Aplica-se a um reestudo da existência e descobre-lhe a vera finalidade, que é ensejar-lhe crescimento moral e intelectual, para a plenitude, optando, então, pelos recursos eternos.

A visão cultural e científica da atualidade abrange o homem integral e não apenas o corporal, impulsionando-o para a tua fatalidade histórica, que é a perfeição relativa que o aguarda.

Jesus afirmou: "Quando eles (os discípulos) se calarem (por medo ou conivência com o erro), as pedras (sepulcros) falarão..."

... E os mortos, que permanecem vivos, livres da prisão tumular, convocam os homens à grandeza estelar, para que saiam das sombras onde estertoram e alcancem as cumeadas da luz onde se glorificarão.


Retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2015.

terça-feira, 18 de julho de 2023

O Agente

A placa dizia "Imobiliária Ajax", e o agente subiu ao segundo andar. Na sala só havia uma mesa, uma cadeira e um homem sentado nela, imóvel, olhando para o teto.

O agente olhou para ele e disse:

"Sou do Instituto de Estatística e venho fazer o seu questionário."

"Que questionário?", perguntou o homem que estava na mesa.

"Nome, nacionalidade, estado civil - esses dados todos."

"Para quê?"

"Para o recenseamento, para sabermos quantos somos, o que somos."

"O que somos? Isso não", disse o homem da mesa, com certo pessimismo.

"O recenseamento nos dará a resposta de tudo", disse o agente.

"Mas eu não quero saber de mais nada", disse o homem. "O senhor não está vendo", acrescentou, subitamente aborrecido, "que eu estou ocupado?"

"O senhor me desculpe", disse o agente, "mas sou obrigado a preencher a sua ficha, o senhor também é, de certa forma, obrigado a colaborar. O senhor não leu a proclamação do presidente da República?"

"Não."

"Foi publicada em todos os jornais. O presidente disse -"

"Isso não me interessa", disse o homem levantando da cadeira abrindo os braços, "por favor".

Mas o agente, lápis em uma das mãos e formulário na outra, não tomou conhecimento do pedido. "Seu nome?", inquiriu.

"José Figueiredo. Mas isso não vai lhe adiantar de coisa alguma", disse o homem, sentando novamente.

O agente, que já tinha escrito "José" no formulário, parou e perguntou:

"Por quê? O senhor não está me dando um nome falso, está?"

"Não, oh! não. Meu nome é José Figueiredo. Sempre foi. Mas se eu morrer amanhã, isso não falsificará o resultado?"

"Esse risco nós temos que correr", respondeu o agente.

"Morrer?"

"Sempre morre alguém durante o processo de recenseamento, porém, está tudo previsto. Outros nascem, porém está tudo previsto. Está tudo previsto", disse o agente.

"Quer dizer que eu posso morrer amanhã sem atrapalhar a vida de ninguém?", perguntou José.

"Pode - ora, o senhor não está com cara de quem vai morrer amanhã; está meio pálido e abatido, de fato, mas o senhor toma uma injeções, que isso passa. Estado civil?"

"O senhor pode guardar um segredo?", disse José.

"Viúvo?", disse o agente.

"Um segredo que vai durar pouco?", continuou José.

"Eu só quero saber o seu estado civil, a sua -", começou o agente.

"Eu vou me matar amanhã", cortou José.

"Como? Isso é um absurdo! O senhor está brincando comigo?"

"Olhe bem pra mim", disse José, "estou com cara de quem está brincando com o senhor?"

"Não", disse o agente.

"Não escrevi nenhuma carta de despedida; ou melhor, escrevi várias, mas nenhuma me agradou. Além do mais, não sabia a quem endereçá-la: ao delegado de polícia? - impossível; A Quem Interessar Possa? - muito vago."

"Que coisa", murmurou o agente. "O senhor vai se matar mesmo?"

"Vou. Mas o senhor não precisa ficar tão chocado", desculpou-se José.

"Mas isso é um absurdo", disse o agente, pela segunda vez naquele dia. "O senhor não gosta de viver?"

"Bem", disse José botando a mão na face e olhando para o teto, "há certas coisas que eu ainda gostaria de fazer, como beijar uma menina loura que passou por mim na rua ontem, tomar com ela um banho de mar e depois deitar na areia e deixar o sol secar meu corpo. Mas isso deve ser influência do céu", disse ele olhando para a janela, "que está hoje muito azul."

"Concito-o a abandonar esse propósito. Prometa-me que não irá cometer esse gesto", disse o agente. "Eu estou com pressa", acrescentou imediatamente, quando viu que José balançava a cabeça.

"Já decidi; não posso mais voltar atrás."

"Isso é uma loucura. Eu não posso ficar aqui até amanhã, a vida inteira, procurando convencê-lo da sua insensatez. Não posso perder meu tempo", continuou, agora ainda com mais vigor, "também preciso viver; cada dez minutos do meu tempo corresponde a um questionário; cada questionário corresponde a cento e setenta cruzeiros e cinquenta centavos."

"Eu aprecio muito o seu interesse", disse José.

"De nada, de nada", disse o agente, olhando para o chão. "Ainda não fiz nada hoje", acrescentou depois de uma pausa.

José levantou-se e estendeu a mão. Apertaram as mãos em silêncio.

O agente desceu as escadas lentamente. Quando chegou à rua, tirou uma folha de endereços do bolso e, com um lápis, riscou o nome "Imobiliária Ajax". Olhou então o relógio e apressou o passo.


Crônica de Rubem Fonseca retirada do livro Pipocas - Crônica e Conto, Literatura em Minha Casa, 8ª Série, Volume 2. Editora Companhia da Letras, São Paulo, 2003.

sábado, 15 de julho de 2023

Notoriedade

Disputa-se muito, na sociedade, a conquista da fama, o privilégio do destaque, a notoriedade.

Façanhas de todo porte são apresentadas no cenário humano, de modo que chamem a atenção para as suas personagens. Quando não se dá a conquista através dos lances de enobrecimento e elevação, derrapa-se no escândalo, na vulgaridade, desde que o empenho produza os frutos da popularidade.

Criou-se mesmo um brocardo que afirma a necessidade de notoriedade, quando se propõe: "Que falem de mal de mim, mas, que falem..."

A ânsia por notoriedade permite que os caracteres mais frágeis, a fim de alcançá-la, transitem pelos caminhos escabrosos, vivam em estado de promiscuidade moral, desde que esse contributo venal, tal concessão lamentável sirva para lograr a meta.

Passada, no entanto, a excitação da notoriedade, o cansaço se instala no indivíduo, levando-o ao tédio, após vividas as sensações mais fortes, que exigem outras novas e desgastantes, sempre efêmeras.

Por outro lado, há a notoriedade natural, alcançada pelo trabalho, mediante o sacrifício, como resultado do altruísmo e da sabedoria.

As artes e as ciências, as religiões e as filosofias, a ética e todos os empreendimentos humanos relevantes ergueram à notoriedade homens e mulheres, que passaram a ser símbolos dignos de ser seguidos pelas demais criaturas.

A sua trajetória, todavia, deu-se mediante pesadas renúncias e eloquentes sacrifícios.

Alguns desses indivíduos notáveis teriam gostado do anonimato, da vida pacata ou ativa, sem as exigências que a glória terrena impõe, sem a perda de tempo que a notoriedade propicia.

Quase todos aqueles que cercam os vitoriosos tendem a asfixiá-los, olvidando-se que esse são seres humanos normais e necessitam respirar, descer do pódio, viver. Exigem-lhes a mesma postura, o habitual e constante momento de relevo, a notoriedade refletida sempre no comportamento de todas as horas. Negam-lhes o direito de viver simplesmente.

O grande físico Albert Einstein, amargurado com o uso que foi feito do átomo, após o lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, escreveu que desejava ter sido um bombeiro-encanador anônimo; a, mesmo que inconscientemente, ter contribuído para o êxito do Projeto Manhattan, que culminaria na destruição de milhares de vidas e daquelas duas cidades.

Pasteur escondia-se dos admiradores, a fim de poder prosseguir nas suas pesquisas.

Madame Curie sofreu tanto assédio dos fãs que, não suportando mais, pediu-lhes que a deixassem trabalhar.

Heifetz, o insigne violinista, quando alguém lhe disse que daria a vida para tocar como ele, redarguiu com calma: - Foi exatamente isto que eu fiz: dei toda a minha vida à arte do violino...

O Cura d'Ars via-se constrangido a repreender os insensatos que o queriam adorar em vida.

A galeria é vasta e expressiva, daqueles que teriam preferido o serviço anônimo, de modo a passarem despercebidos.

Mesmo Jesus, sempre que operava os admiráveis fenômenos de socorro à multidão, fugia-lhe do convívio, a fim de ficar a sós com Deus...

A notoriedade, pelo que tem de belo e grandioso, também se expressa como grave e de alta responsabilidade. Favorece o orgulho e fomenta a presunção nos fracos, que derrapam na prosápia e no culto da personalidade, assim entorpecendo os sentimentos nobres e turbando a claridade da consciência do bem e do dever.

Nem positiva nem negativa a notoriedade, para quem deseja, realmente, servir e encontrar a paz.

O silêncio, a discrição e a perseverança no ideal, na ação digna, constituem o aval de segurança para o êxito e o melhor antídoto para os venenos perigosos que destroem as criaturas humanas.

Se te vês convidado a uma situação de fama e notoriedade, resguarda-te na prece e vigia as nascentes do coração, a fim de permaneceres inatingido pelo mal que dorme em ti próprio.


Retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª edição, 2014.

sábado, 8 de julho de 2023

Domínio da Ira

Tão comuns se te fazem a irritabilidade e o reproche, que estás perdendo o equilíbrio, o discernimento sobre o limite das tuas forças.

Habituas-te à reprimenda e à contrariedade de tal forma, que perdes o controle da emoção, deixando de lado os requisitos da urbanidade e do respeito ao próximo.

Frequentemente deixas-te arrastar pela insidiosa violência, que se te vai instalando no comportamento, passando de um estado de paz ao de guerra, por motivo de somenos importância.

Sem te dares conta, perdes o contato do amor e passas a ser temido, por estensão detestado.

A irascibilidade gera doenças graves, responsáveis por distonias físicas e mentais de largo alcance.

Da ira ao ódio o passo é breve, momentâneo, e o recuo difícil.

Tem tento, e faze uma revisão dos teus atos, tornando-te mais comedido e pacificado.

Ouve quem te fala, sem ideia preconcebida.

Desarma a emoção, a fim de agires com imparcialidade.

 A ideia preconceituosa abre espaço mental à irascibilidade.

É necessário combater com ações mentais contínuas, as reações que te assomam, entorpecendo-te a lucidez e fazendo-te um tresvariado.

A reflexão e o reconhecimento dos próprios erros são recursos valiosos para combater a irritação sistemática.

Tem a coragem de reconhecer que erras, que te comprometes, não te voltando contra os outros como efeito normal do teu insucesso.

A ira cega, enlouquece.

Provocando uma vasoconstrição violenta no sistema circulatório, leva à apoplexia, ao enfarto, à morte.

Um momento de irritação, e fica destruída em excelente obra.

O trabalho de um período demorado reduz-se a cinzas, qual ocorre com a faísca que atinge material de fácil combustão.

A ira separa os indivíduos e fomenta lutas desditosas.

Estanca o passo e retrocede na viagem do desequilíbrio.

Recorre à oração.

Evita as pessoas maledicentes, queixosas, venenosas. Elas se te fazem estímulo constante à irritabilidade, ao armamento emocional contra os outros.

A tua vida é preciosa, e deves colocar todas as tuas forças a serviço do amor.

Desde que és forte, investe na bondade, na paciência e no perdão, que são degraus de ascensão.

Para baixo é fácil, sem esforço, o processo de queda.

A sublimação e a subida espiritual são o desafio para os teus valores morais.

Aplica-os com sabedoria e fruirás de paz, aureolado pela simpatia que envolve e felicita a todos.

Ademais, a ira é porta de acesso à obsessão, à interferência perniciosa dos espíritos maus, enquanto o amor, a doçura e o perdão são liames de ligação com deus, plenificando o homem.


Retirado livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª edição, 2014.

sábado, 1 de julho de 2023

Sacrifícios Morais

Abraçando qualquer ideal, o homem que anela pelo triunfo oferece-se e exaure-se, animado pela esperança de alcançar a meta que o desafia.

Em qualquer área de ação, faz-se inevitável o esforço bem conduzido, e, não raro, o sacrifício assinala as horas de quem empreende o serviço a que se afeiçoa.

Sacrifício, desse modo, é manifestação natural do esforço em forma de abnegação e fidelidade.

Nas diversas escolas de fé do Planeta pairam, sobranceiros, os sacrificados que se fizeram apóstolos, concitando, pelo exemplo, os indecisos, os receosos e tímidos.

Sacrifício é renúncia ao ego e a todas as suas manipulações, que se disfarçam, seduzindo e malsinando.

Antes, havia o sacrifício de vidas humanas e animais, que cedeu lugar às oferendas materiais como formas de se conseguirem compensações nas empresas encetadas.

A cultura e a civilização, lentamente, apagaram as marcas danosas do barbarismo disfarçado em sacrifícios de fé religiosa, que pertencem ao passado.

As diversas conquistas morais e sociais vão banindo do comportamento humano as formas de sacrifício nas atividades espirituais.

Ao mesmo tempo, uma vaga de loucura toma conta da Terra e arruína quantos lhe tombam na volúpia destruidora.

Aumentam a delinquência e a insensatez, a avareza e as licenças morais, a arbitrariedade e o desrespeito, aturdindo a imensa mole humana.

Não obstante a excelência do otimismo que ressuma da Mensagem Cristã, não te esqueça de sacrificar à crença, nobre e bela, as paixões dissolventes, os estados emocionais perturbadores.

Sacrifica a ambição desvairada, em favor da paz envolvente.

Sacrifica o orgulho, pensando na alegria da humildade.

Sacrifica a vulgaridade, tendo em mira o equilíbrio.

Sacrifica a ambição do poder, cultivando a força do amor.

Os sacrifícios morais ainda são os mais difíceis para o homem; em face disso, mais agradáveis a Deus, porque valiosos.

Nenhuma empresa se concretiza e alcança êxito, se não pousa a estrutura no sacrifício dos seus idealizadores.

Para que te plenifiques, treina-se no sacrifício conforme se te apresente, avançando cada dia pelo rumo delineado, até o momento final da vitória.


Retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.