domingo, 23 de julho de 2023

Rubens, o semeador

Quando eu era menino, os professores da escola estavam sempre falando sobre a natureza, a importância de preservar as áreas verdes e os mananciais de águas, e a necessidade de se economizar energia.

Viviam lembrando a importância das árvores, pois são elas que purificam o ar, que preservam a umidade, que dão frutos e madeiras para a construção e para a indústria. Diziam que são as florestas e os bosques que equilibram o clima. Por isso é que cidades grandes que derrubam as matas em torno ficam muito quentes e têm clima irregular.

Eu sempre achava que isso não tinha nada a ver comigo, afinal eu nunca tinha feito nada que prejudicasse árvore nenhuma, nem nunca tinha quebrado um galho de árvore.

Mas um dia, minha mãe escolheu um caminho diferente para me levar à escola. Era um caminho mais longo, mas ela precisava passar por uma loja, para comprar uma coisa qualquer.

Então, nós passamos por uma rua que eu não conhecia. Era uma rua linda, cheia de árvores plantadas dos dois lados, uma alameda; e as copas das árvores se juntavam em cima, formando um túnel. Havia flores nas árvores e a rua estava toda perfumada. Debaixo das árvores a sombra era fresca e havia pássaros que se movimentavam entre as folhas.

Eu fiquei encantado:

- Mãe - eu disse -, que rua tão bonita! Deve ser de gente muito rica!

Minha mãe sorriu:

- Que nada, filho! É de gente como nós. Repare nas casas: são iguais às da nossa rua. O que faz esta rua tão linda são as árvores.

Eu voltei para casa pensando naquilo. E ainda pensei por muitos dias. A ideia de plantar uma árvore na nossa calçada não saía da minha cabeça. "Por que não? Não é tão difícil plantar uma árvore!", eu pensava.

Então fui falar com meu pai:

- Eu queria abrir um buraco na nossa calçada.

Meu pai ficou muito espantado:

- Buraco? De jeito nenhum! Nem me fale nisso!

Mas eu não desisti. Toda vez que meu pai estava distraído, eu vinha com meu pedido. Até que um dia ele perguntou:

- Mas afinal, pra que você quer fazer um buraco?

Eu então contei ao meu pai a história da rua, que era tão linda só porque tinha uma porção de árvores plantadas. E falei do perfume, falei dos passarinhos, falei como a rua era fresquinha.

Meu pai acabou achando graça, mas me avisou que aquilo ia dar um trabalhão, que não só eu iria precisar de gente que me ajudasse, como iria precisar de algum dinheiro.

- Você vai precisar de ferramentas, de tijolos, areia e cimento, vai precisar mudar toda a terra do buraco, que deve ser uma droga de terra cheia de pedra...

Talvez, se eu tivesse uma noção mais exata do trabalhão que ia dar minha empreitada, eu tivesse desistido. Não sei. Mas acho que não.

Naquele momento eu estava determinado a seguir em frente e plantar minha árvore.

Eu comecei por procurar, entre as ferramentas do meu pai, se havia alguma que se prestasse para o que eu queria. Encontrei uma marreta pequena e achei que se eu tivesse um outro instrumento que cortasse o cimento, a marreta poderia ajudar. Então, fui falar com seu Pedrão, que morava na esquina e era mestre-de-obras. Eu tinha certeza de que ele teria a tal ferramenta, que eu sabia que existia, mas da qual não sabia o nome.

Seu Pedrão, depois que eu contei a história toda, coçou a cabeça:

- Bem, a ferramenta eu tenho; se chama talhadeira. Emprestar eu posso. Mas você não tem força para fazer esse trabalho, Rubens.

- Mas eu Pedrão, será que o senhor me ensina como se faz? Eu vou fazendo aos pouquinhos - insisti.

Seu Pedrão respondeu que ia me ajudar porque quando ele era pequeno, ele quis criar um porquinho. E foi uma dificuldade, porque ninguém ajudou! Ele acabou tendo que dar o bichinho pra um primo, mas ficou sempre com aquela mágoa.

Então, no domingo cedo ele veio, me chamou e começou a me ensinar como é que se fazia, mas, pra falar a verdade, ele fez tudo sozinho.

Eu agradeci a ele, e ele me disse:

- Quando você puder, ajude alguém também.

Bom, aí eu tinha que tirar a terra do buraco.

Arranjei um balde da minha mãe, que ela não queria emprestar por nada, porque ela usava esse balde para pôr roupa de molho. Mas eu acabei convencendo minha mãe de que eu ia usar o balde só nos sábados e domingos e depois eu ia entregar para ela limpinho nas segundas-feiras.

Foi uma trabalheira horrível tirar toda aquela terra. Nem era tanta, mas tirar a terra do buraco, botar no balde e depois carregar para um terreno baldio que tinha na outra esquina deu um trabalhão! Eu não podia encher o balde todo, porque ficava muito pesado. Então, de cada vez, eu punha terra até a metade. Nem sei quantas viagens eu fiz, mas eu cheguei a fazer bolhas nas mãos. E depois que eu despejei uma porção de terra, apareceu o dono do terreno e disse que eu não pusesse mais terra e eu tive que arranjar outro terreno.

O pior é que quase ninguém acreditava que esse negócio fosse dar certo. E caçoavam de mim, achavam que eu era meio maluco.

O próximo problema er aonde é que eu ia arranjar uma terra boa para encher o buraco?

Eu custei um pouco para achar a solução.

Um dia, eu estava passando na casa da dona Rosa, que mora na outra quadra.

Ela estava plantando alguma coisa no jardim. Eu tive um palpite: se ela entendia de plantas, havia de entender de árvores também. E se ela gostava de plantas, tinha que gostar de árvores!

Eu puxei conversa com ela; foi meio difícil, que ela não era de muita prosa. Mas eu consegui contar a história da árvore, contei que precisava de uma terra boa, mas que não sabia onde encontrar.

Dona Rosa me olhou desconfiada:

- Quem mandou você aqui?

Eu fiquei muito espantado e até um pouco amedrontado com o jeito dela. Eu disse:

- Ninguém. Ninguém me mandou aqui. Por que é que haviam de mandar?

Dona Rosa levantou, tirou uma luva muito velha, que ela usava para cuidar das plantas, bateu com as mãos nas calças de brim, para tirar a terra.

Depois olhou para mim:

- Você sabia que eu preparo terra para jardins lá atrás?

Eu, na verdade, nem sabia que isso existia, que as pessoas preparavam terra para pôr nos jardins. Acho que eu convenci a dona Rosa da minha inocência, porque ela me convidou para entrar e me levou ao quintal.

Então ela me mostrou que lá no fundo tinha um buracão, onde ela jogava todo tipo de mato que tirava dos canteiros, folhas secas, restos de comida, capim, que ela ia buscar no terreno da esquina, e até serragem.

Cada vez que ela punha alguma coisa no buraco, ela tapava com terra.

E regava, de vez em quando.

Quando o buraco ficava cheio, ela cobria com mais terra e deixava que aquilo tudo virasse "terra de jardim".

Então ela me levou do outro lado do quintal e disse:

- Aqui eu tenho um daqueles buracos, que está aqui há tempos. A terra já está pronta para ser usada. Anda logo! Vá buscar o balde de sua mãe!

Eu saí correndo pra casa, com medo de que minha mãe não me emprestasse o balde. Mas minha mãe emprestou e eu agora já tinha um buraco, cheinho da tal terra de jardim.

O tempo foi passando e eu fui dando solução aos problemas que apareciam.

Mas eu não tinha mais tempo pra nada.

Saí do time de futebol, porque não podia mais treinar. Não fui à festa do Toninho, que era a melhor festa da rua, porque tive de ir buscar a muda do meu ipê amarelo na casa do tio Onofre, que tinha que entregar a muda naquele dia, porque ele ia viajar. Pois é, eu ia plantar uma muda de ipê amarelo, que é uma árvore linda que tem na casa do meu tio.

Meus amigos nem me chamavam mais para brincar, porque eu estava sempre encrencado com alguma coisa.

Tinha que arranjar dinheiro para comprar cimento para fazer o acabamento do canteiro, tinha que fazer um buraco no meio da terra que era boa que a dona Rosa tinha me dado para plantar minha muda...

E quando me disseram que eu não podia plantar nada na calçada, sem pedir licença à prefeitura? Aí eu quase desanimei. Ainda perguntei para uma porção de gente como era que se conseguia licença para isso, mas ninguém sabia. Cada um dizia uma coisa diferente.

Aí eu concluí que não era possível que uma coisa tão boa como plantar uma árvore não fosse permitida.

Aliás, hoje eu sei que não é permitido que se vá plantando árvores onde se quer.

Mas naquele tempo eu não quis nem saber. É verdade que eu conversei bastante com dona Rosa, e ela me disse que eu não devia plantar árvores que têm raízes muito rasas, porque as raízes podem quebrar a calçada.

Eu arranjei uma muda que meu tio disse que, além de ser muito bonita, não quebrava a calçada e plantei no meu buraco. Seu Pedrão me ajudou a terminar o canteiro; minha mãe me deu um regador novinho para eu regar minha muda.

Dona Rosa me disse quantas vezes por semana eu deveria regar a planta.

Eu ainda tive que rodar um bocado para arranjar a madeira para fazer uma cerquinha em volta do canteiro.

Acabei pedindo ao dono da quitanda que me desse umas caixas de frutas vazias.

Eu mesmo consegui serrar as tábuas com o serrote do meu pai. Algumas ficaram meio tortas, mas eu acabei conseguindo um número bom de tabuinhas.

Cerquei o canteiro com cuidado.

Mas as tabuinhas eram fraquinhas.

Então meu pai me deu a ideia de amarrar umas nas outras com um barbante bem forte.

Comprei o barbante com o restinho de dinheiro que eu tinha da minha mesada.

E arrumei as tabuinhas umas ao lado das outras, bem firme.

E finalmente, eu tinha minha árvore, plantada na minha calçada, bem regadinha e bem protegida.

Então eu e dei conta de que eu ainda precisaria esperar alguns anos até ver minha árvore crescida, copada, florida, cheia de pássaros.

Sentei-me numa mureta, em frente à casa do meu vizinho.

Comecei a olhar para a calçada e reparei que havia um grande buraco no cimento.

Fiquei olhando aquele buraco por algum tempo. Ele estava na beira da calçada, alinhado com o meu canteiro.

Então meu coração começou a bater mais forte.

Eu me levantei e fui bater na casa do seu Marcos, que era nosso vizinho.

Tudo isso aconteceu há muito tempo.

Eu hoje sou adulto, casado, tenho meus filhos, mas continuo morando na casa que foi do meu pai.

E quando eu abro a janela da frente e vejo a fileira de árvores que percorrem todo o meu quarteirão e continuam no quarteirão seguinte e no seguinte e no seguinte... quando vejo a passagem das estações, o tempo das folhas verdinhas, o tempo das flores, o tempo em que as folhas caem, os pássaros, as abelhas, os insetos... sinto-me feliz por ter feito o que fiz.

Pra falar a verdade, ainda faço. Depois que terminei de plantar a rua todinha, de um lado e do outro, estou ajudando uma turma de jovens que está plantando a praça do nosso bairro.

E lá atrás, no meu pequeno quintal, eu tenho um verdadeiro berçário de árvores.

Eu planto sementes que muitas pessoas me mandam e cuido delas até ficarem grandinhas. Aí eu dou para vários grupos que se formaram e que estão fazendo a mesma coisa que eu fiz.

Estão distribuindo árvores por toda parte, tornando nossa cidade mais saudável, mais bonita e, certamente, muito mais feliz!


Conto de Ruth Rocha retirado do livro Meninos e Meninas, Coleção Literatura em Minha Casa, 4ª Série, Volume 2, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2003.

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