terça-feira, 18 de julho de 2023

O Agente

A placa dizia "Imobiliária Ajax", e o agente subiu ao segundo andar. Na sala só havia uma mesa, uma cadeira e um homem sentado nela, imóvel, olhando para o teto.

O agente olhou para ele e disse:

"Sou do Instituto de Estatística e venho fazer o seu questionário."

"Que questionário?", perguntou o homem que estava na mesa.

"Nome, nacionalidade, estado civil - esses dados todos."

"Para quê?"

"Para o recenseamento, para sabermos quantos somos, o que somos."

"O que somos? Isso não", disse o homem da mesa, com certo pessimismo.

"O recenseamento nos dará a resposta de tudo", disse o agente.

"Mas eu não quero saber de mais nada", disse o homem. "O senhor não está vendo", acrescentou, subitamente aborrecido, "que eu estou ocupado?"

"O senhor me desculpe", disse o agente, "mas sou obrigado a preencher a sua ficha, o senhor também é, de certa forma, obrigado a colaborar. O senhor não leu a proclamação do presidente da República?"

"Não."

"Foi publicada em todos os jornais. O presidente disse -"

"Isso não me interessa", disse o homem levantando da cadeira abrindo os braços, "por favor".

Mas o agente, lápis em uma das mãos e formulário na outra, não tomou conhecimento do pedido. "Seu nome?", inquiriu.

"José Figueiredo. Mas isso não vai lhe adiantar de coisa alguma", disse o homem, sentando novamente.

O agente, que já tinha escrito "José" no formulário, parou e perguntou:

"Por quê? O senhor não está me dando um nome falso, está?"

"Não, oh! não. Meu nome é José Figueiredo. Sempre foi. Mas se eu morrer amanhã, isso não falsificará o resultado?"

"Esse risco nós temos que correr", respondeu o agente.

"Morrer?"

"Sempre morre alguém durante o processo de recenseamento, porém, está tudo previsto. Outros nascem, porém está tudo previsto. Está tudo previsto", disse o agente.

"Quer dizer que eu posso morrer amanhã sem atrapalhar a vida de ninguém?", perguntou José.

"Pode - ora, o senhor não está com cara de quem vai morrer amanhã; está meio pálido e abatido, de fato, mas o senhor toma uma injeções, que isso passa. Estado civil?"

"O senhor pode guardar um segredo?", disse José.

"Viúvo?", disse o agente.

"Um segredo que vai durar pouco?", continuou José.

"Eu só quero saber o seu estado civil, a sua -", começou o agente.

"Eu vou me matar amanhã", cortou José.

"Como? Isso é um absurdo! O senhor está brincando comigo?"

"Olhe bem pra mim", disse José, "estou com cara de quem está brincando com o senhor?"

"Não", disse o agente.

"Não escrevi nenhuma carta de despedida; ou melhor, escrevi várias, mas nenhuma me agradou. Além do mais, não sabia a quem endereçá-la: ao delegado de polícia? - impossível; A Quem Interessar Possa? - muito vago."

"Que coisa", murmurou o agente. "O senhor vai se matar mesmo?"

"Vou. Mas o senhor não precisa ficar tão chocado", desculpou-se José.

"Mas isso é um absurdo", disse o agente, pela segunda vez naquele dia. "O senhor não gosta de viver?"

"Bem", disse José botando a mão na face e olhando para o teto, "há certas coisas que eu ainda gostaria de fazer, como beijar uma menina loura que passou por mim na rua ontem, tomar com ela um banho de mar e depois deitar na areia e deixar o sol secar meu corpo. Mas isso deve ser influência do céu", disse ele olhando para a janela, "que está hoje muito azul."

"Concito-o a abandonar esse propósito. Prometa-me que não irá cometer esse gesto", disse o agente. "Eu estou com pressa", acrescentou imediatamente, quando viu que José balançava a cabeça.

"Já decidi; não posso mais voltar atrás."

"Isso é uma loucura. Eu não posso ficar aqui até amanhã, a vida inteira, procurando convencê-lo da sua insensatez. Não posso perder meu tempo", continuou, agora ainda com mais vigor, "também preciso viver; cada dez minutos do meu tempo corresponde a um questionário; cada questionário corresponde a cento e setenta cruzeiros e cinquenta centavos."

"Eu aprecio muito o seu interesse", disse José.

"De nada, de nada", disse o agente, olhando para o chão. "Ainda não fiz nada hoje", acrescentou depois de uma pausa.

José levantou-se e estendeu a mão. Apertaram as mãos em silêncio.

O agente desceu as escadas lentamente. Quando chegou à rua, tirou uma folha de endereços do bolso e, com um lápis, riscou o nome "Imobiliária Ajax". Olhou então o relógio e apressou o passo.


Crônica de Rubem Fonseca retirada do livro Pipocas - Crônica e Conto, Literatura em Minha Casa, 8ª Série, Volume 2. Editora Companhia da Letras, São Paulo, 2003.

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