quarta-feira, 26 de julho de 2023

A História de José

 Era uma vez um menino...

José.

José vivia numa cidade pequena, pequena.

A cidade não tinha rio.

A cidade não tinha mar.

Cidade triste, aquela cidade.


A cidade só tinha uma estrada.

Estrada grande, enorme, asfalto.

Passava caminhão cheio de carga.

Passava caminhão cheio de gente.

Passava carro cheio de meninos.

E José via.


Entrou ano. Saiu ano.

José cresceu.

Aprendeu a ler com dona Maria.

Aprendeu que lá longe, no fim da estrada...

Tinha outras cidades.

Tinha mar.

Tinha barco.

E até outros meninos tinha.


Já sabia ler o José.

Os caminhões passavam cheios de nomes.

São Paulo.

Minas Gerais.

Pernambuco.

Bahia.

"Meu caminho só Deus sabe".

Fé em Deus e pé na estrada".

"Flor do asfalto".

Aprendeu tanta coisa José.

Mas as coisas na cabeça de José eram complicadas.

Deus andava num avião a jato.

Os passageiros eram santos.

Os arcanjos cantavam fados.

E os anjinhos brincavam nas asas dos aviões.


Aprendeu coisas da vida José.

Aprendeu a pegar boi no laço.

-ÊÊÊÊÊÊ-BOIIIII-EÁÁÁÁÁÁÁ!

Montar cavalo no pelo.

Caçar bicho no mato.

Namorar na pracinha no domingo.

Jogar capoeira como ninguém:

- Água de beber, ê...

Água de beber, camarada.

O galo cantou, ô...

Cocoricou, camarada...


Mas a estrada...

A estrada chamava José.

Um dia José pegou suas coisas.

Mala pequena. Muda de roupa.

Pegou água. Pegou farinha.

Carne-de-sol pegou.

Falou com o pai.

Falou com a mãe.

Com os irmãos falou.

Fez festa no cachorro.

E lá se foi José.


Eu vi José subir no caminhão.

Eu vi a estrada levar José.

Rosto sério. Lenço branco.

Adeus José.


E nunca mais ninguém viu José.

Dizem que ele sumiu na cidade grande.

Dizem muitas coisas do José.

Que ele trabalha em construção.

Que faz arranha-céu alto, alto.

Dizem que ele é marujo, embarcado.

Dizem que ele é piloto de avião a jato.


Eu não sei.

Dizem até que ele está na corte de Dom Sebastião.

Que agora ele é nobre, tem brasão.

E que um dia ele vai voltar.

Cheios de tesouros e nobreza.

E que a cidade vai virar reino.

O reino de Dom Sebastião.

Eu não sei, não.

Mas se você encontrar José,

me faça um favor.

Diga que a gente continua esperando...

Na beira da estrada.

Que todo mundo quer ser nobre.

Usar capa e espada.

Ter brasão.

E viva Dom Sebastião!


Dom Sebastião (1554-1578) foi um rei de Portugal que morreu muito moço, na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Mas seu corpo nunca foi encontrado. Após sua morte, Portugal passou ao domínio da Espanha, que duraria até 1640, e durante todo esse tempo, formou-se no povo português a esperança de que Dom Sebastião voltaria para estabelecer o Quinto Império português: uma espécie de Paraíso terrestre, que se estenderia pelo mundo todo. No Brasil, essa crença, chamada de "sebastianismo", estimulou movimentos  populares como o do Reino Encantado (1836/1838), em Pernambuco, retratado por Ariano Suassuna em seu Romance da Pedra do Reino (1971).


Texto de Sônia Robatto retirado do livro Meninos e Meninas, Coleção Literatura em Minha Casa, 4ª Série, Volume 2, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2003.

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