sábado, 30 de dezembro de 2023

Confusão de Origem

Afinal, quem foram os primeiros habitantes das Américas?


No final de 2014, a análise de DNA de dentes de dois crânios de índios botocudos, encontrados no acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, trouxe uma grande revelação: o genoma era polinésio. Os botocudos, ou aimorés, viviam na atual região de Minas Gerais e Espirito Santo, distantes mais de 7 mil km do polinésio mais próximo, os rapa nui da Ilha de Páscoa. Para chegar de um lugar ao outro, seus antepassados teriam de ter cruzado um bom pedaço do Oceano Pacífico e, depois, atravessado a Cordilheira dos Andes. "O que já era surpreendente se tornou intrigante", afirmou o pesquisador Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague e um dos autores do estudo. Em 2013, uma análise do DNA mitocondrial, que só a mãe transfere aos descendentes, havia apontado a origem polinésia das ossadas. Agora a certeza é quase absoluta. A tribo foi praticamente exterminada no século 19, e hipóteses como a de que seriam escravos vindos do Peru ou de Madagascar (as duas regiões receberam escravos polinésios) acabaram descartadas.

A nova evidência traz à luz uma antiga discussão: quem são os antepassados dos americanos? Durante muito tempo, acreditava-se que os indígenas do continente fossem descendentes de um único grupo asiático que cruzou o Estreito de Bering entre 20 mil e 15 mil anos atrás. O grupo seria o ancestral da chamada cultura Clóvis - com base em artefatos datados de 13 mil anos encontrados no Novo México, EUA. Nos últimos tempos, tal visão tem sido fortemente contestada, graças a novos achados arqueológicos e paleontológicos.

O biólogo mineiro Walter Neves batizou uma descoberta em Lagoa Santa (MG) de Luzia. O fóssil tem 13 mil anos e é negróide. Ou seja, teria vindo da África ou da Oceania. Para Neves, Luzia poderia ser explicada se tivesse ocorrido mais de uma leva migratória pelo Estreito de Bering - com populações de etnias diferentes.

A recente descoberta do botocudos polinésios só ajudou a embaralhar ainda mais a questão. "Acho que está na hora de ser humilde e declarar ignorância", admitiu Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos autores do artigo, publicado na revista científica Current Biology.

Ainda há um terceiro componente: as pesquisas da arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon na Serra da Capivara, no sul do Piauí. A arqueóloga encontrou artefatos humanos ali - e traços do que ela acredita serem fogueiras de 45 mil anos. Para outros grupos de pesquisadores, as evidências, datadas por carbono 14, podem ser apenas incêndios naturais, sem a participação de humanos. Se a hipótese de Niède Guidon estiver correta, tudo o que se sabe sobre o ocupação humana das Américas terá de ser revisado.


Texto sem autoria identificada e retirado da revista Aventuras na História, Ano 12, número 3, Edição 139, Fevereiro de 2015, Editora Caras, São Paulo.

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