sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Rogers compreendeu o ser humano em sua totalidade

Para Rogers, cada pessoa é única, com funcionamentos conscientes diferentes, sendo possível categorizá-las e restringi-las apenas à compreensão do inconsciente e à busca incessante de traumas ocorridos na infância.


Cada vez mais ouvimos falar em teorias psicológicas que valorizam tanto o ser humano quanto as suas relações, bem diferentes das crenças da Psicanálise, que aponta os problemas do ser humano unicamente sendo intrapsíquicos, ou seja, residem no inconsciente de cada um, provenientes de traumas infantis.

No entanto, engana-se quem acha que estas correntes ou teorias sejam recentes. Um dos precursores desta corrente é Carl Rogers, um psicólogo americano, nascido em 1902, que ousou dedicar-se ao estudo e à observação de seu próprio trabalho com os seus clientes, vindo a desenvolver, posteriormente, a chamada Abordagem Centrada na Pessoa - ACP.

Carl Rogers foi o primeiro psicólogo a gravar e filmar suas sessões de psicoterapia com a permissão de seus clientes. Fez uso deste material para estudar não só a relação paciente x psicólogo, bem como o próprio ser humano. Na época, uma grande inovação no campo da psicoterapia.

É considerado também um dos nomes mais importantes da Psicologia Humanista, um ramo da Psicologia que surgiu como uma "reação ao determinismo dominante" nas demais correntes, em especial, a Psicanálise. Em suma, a Psicologia Humanista acredita que o ser humano traz com ele uma força tanto de autorrealização, como de crescimento, podendo, no entanto, sofrer alterações do meio ambiente. Alterações ou influências estas que podem ser positivas ou negativas, provenientes de fatores sociais, familiares, econômicos e políticos.

Desta forma, tendo a pensar que Carl Rogers foi um dos pioneiros a compreender o ser humano em sua totalidade, ao invés de restringi-lo apenas à compreensão do inconsciente e à busca incessante de traumas ocorridos na infância, guardados no inconsciente do ser humano e que teria grande influência na vida adulta.


Ênfase ao indivíduo


Rogers amplia, portanto, a compreensão do ser humano, dando ênfase ao próprio indivíduo como um ser vivo que, apesar do meio em que está inserido, possui forças determinantes na busca de seu autodesenvolvimento, mas é também um ser que sofre influências do meio em que vive. Fica claro, portanto, o valor que Carl Rogers atribui às relações interpessoais, apontando para o fato de que o outro também interferir em mim, tanto quanto eu posso interferir no outro. Uma maneira mais humanista e mais complexa, levando em consideração que o ser humano é não só complexo, mas está inserido em um ambiente também complexo, onde ninguém vive só e está livre de influências.

No entanto, Carl Rogers expressa de maneira incisiva que, assim como seres orgânicos vivos, temos uma tendência para crescermos em busca do melhor para cada um de nós, mesmo que o ambiente externo não seja favorável a isso, mas cada um encontra o caminho possível para si.

Rogers passou a compreender que cada pessoa é única, com funcionamentos conscientes diferentes, sendo impossível categorizá-las!

Outras grandes contribuições de Carl Rogers para a psicoterapia são: considerar seus clientes como clientes e não pacientes; o desenvolvimento de trabalhos em grupos, mais especificamente chamado de Encontros e Reflexões e Mudanças no Sistema Educacional.

Quanto ao termo "Clientes", Carl Rogers enfatiza que nem todas as pessoas que procuram por psicoterapia estão, necessariamente, doentes. Portanto, é mais um "salto" que Rogers provoca no mundo da Psicologia, uma vez que, até então, ela era considerada uma Ciência ou uma modalidade direcionada a pessoas doentes, de forma que qualquer sofrimento psíquico era considerado uma doença. Mais ainda, ele compreende que as pessoas que buscam por psicoterapia são pessoas que se encontram em dificuldades e que estas são inerentes à vida. Outra grande contribuição, ainda em relação ao cliente, é que o psicólogo passa a entendê-los como os responsáveis e autônomos por suas próprias vidas, escolhas, bem como pela superação das dificuldades enfrentadas, uma vez que possuem, em sua essência, uma força que os conduz à superação e ao autodesenvolvimento. Desta forma, Rogers também inaugura um outro tipo de papel do psicólogo, em que este não é o "possuidor ou detentor" de todo o saber do cliente. Ele é, apenas, o facilitador de uma conversa em que o próprio cliente irá descobrir-se.

Esta é uma postura que vem ganhando espaço nas últimas décadas. Uma postura de "não saber" do psicólogo que descentraliza o seu poder como sendo o dono da sessão. É uma relação entre cliente e terapeuta, a meu ver, mais humana, mais respeitosa, em que o cliente "troca" e "confia" nele, mas não entrega a sua vida e a sua história nas mãos dele. Ao contrário, tem a oportunidade de, a cada conversa, decidir o rumo de sua vida.

A outra contribuição, o trabalho em grupos, chamado por ele de Encontros, também se diferencia da Psicoterapia em grupo. Nos Encontros, qualquer pessoas pode participar e há facilitadores, ao invés de líderes ou psicólogos. A intenção é que cada um possa participar à sua maneira, com o conteúdo que desejar, sem que, para isso, seja necessária a escolha de um único tema a ser conversado. Desta forma, abre-se espaço para a participação igualitária, bem como uma interação coletiva, de modo a proporcionar a aceitação de todos.

Rogers considera os efeitos deste tipo de trabalho em grupo mais benéfico ou mais enriquecedor do que a Terapia em grupo, na qual, o cliente ou a pessoa irá se sentir aceita apenas pela figura do terapeuta. Nos Encontros, a aceitação tende a ser maior, pois é como se o grupo todo se aceitasse mutuamente.


Método da Não Diretividade na Educação


A terceira grande contribuição e, no meu entender, é em relação à Educação. Rogers aliou sua teoria Centrada na Pessoa, levando em consideração a individualidade de cada um, bem como as suas particularidades e potencialidades, às ideias de Paulo Freire, quando leu o livro "A Pedagogia do Oprimido".

O terapeuta norte-americano passou a defender uma pedagogia que fosse em direção a uma "aprendizagem significativa para o aprendiz", para tornar o ensino algo além do "acúmulo de conhecimentos" e que, acima de tudo, provocasse mudanças tanto no comportamento, nas atitudes e nas escolhas futuras do aprendiz, criando então o Método da Não Diretividade.

 O Método implica, portanto, na figura do professor também como um facilitador, não devendo interferir diretamente na aprendizagem, de forma que o aprendiz tenha total liberdade, bem como responsabilidade na escolha de caminhos que favoreçam a aprendizagem. A seu ver, isto só é possível quando o aluno se torna um agente ativo e não passivo (recebedor do conhecimento).

Atualmente, ouvimos falar de muitas técnicas e teorias que condizem com esta postura, mas ainda impera, em nossa sociedade e em nossa cultura, uma visão de que o professor é o detentor de todo o conhecimento e, também, autoridade máxima na sala de aula. A questão que Rogers inaugura também implica em descentralizar este poder da figura do professor, colocando o aluno como sendo o "centro" da sala de aula, devendo exercer a sua autonomia, inclusive na escolha do conteúdo que quer ou pretende aprender, tendo o professor como um "aliado" neste processo e não como um líder.

Hoje, o que temos de muito parecido é a Escola da Ponte, em Portugal, pautada no que chamam de Pedagogia Democrática, criada por José Pacheco. Atualmente, José Pacheco vive no Brasil, no Estado de São Paulo, e se dedica cada vez mais ao desenvolvimento deste método Democrático na Educação.

Rogers, repensando o sistema de educação, também foi um dos pioneiros a defender a liberdade de expressão na própria sala de aula e em qualquer contexto, tanto de aprendizagem quanto social, dando ênfase ao desenvolvimento da autocrítica. Assim, acreditou sempre num modelo tanto educacional quanto social em que cada um de nós deve e pode se desenvolver enquanto "pessoa atuante".

Como se vê, muitas das ideias e das práticas hoje encontradas na psicoterapia, assim como na Educação, estão relacionadas às origens do pensamento de Rogers, tendo como base a Abordagem Centrada na Pessoa. Trata-se de concepções que favorecem o olhar e a compreensão do ser humano de maneira mais Humanista, valorizando cada ser, libertando-o de conceitos e rótulos e compreendendo a sua capacidade de transformação de sua própria vida e do meio em que está inserido.

Para mim, as suas contribuições são valiosíssimas, mas ainda há muito para ser desenvolvido, tanto no setor psicológico como na área da Educação, uma vez que ainda impera, em nossa cultura, as práticas consideradas centralizadoras, em que tanto o psicólogo quanto o professor possuem, ainda um "pseudo poder" sobre a vida das pessoas.


Texto de Ssmaia Abdul retirado da Revista/Encarte Grandes Ícones do Conhecimento, Mythos Editora, número 07, São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário