quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Inovador e Versátil Legado Teórico

Rompendo com vertentes tradicionais da psicanálise, o trabalho do psicólogo norte-americano Carl Rogers foi de tal forma impactante, que sintetizou a tese dos humanistas em uma só teoria.


"É inegável a importância e consistência do legado teórico produzido por Rogers para a  Psicologia e Pedagogia. Entre muitos outros setores", declara Dilercy Aragão Adler, no ensaio Carl Rogers: Principais Constructos Teóricos e a Realidade Social, Contrapontos Necessários (www.redem.org). Porém, ela considera que há um antagonismo entre suas argumentações e as condições existenciais da sociedade na qual vivia e para a qual propunha sua tese. "Fica claro nos seus estudos que as principais premissas consideram um homem abstrato, a-histórico, descolado de uma dada realidade social. E, em outras palavras, não contemplam uma visão histórica e condições materiais da realidade social em que esse homem está inserido".

Baseada na declaração de Rogers, em sua obra Tornar-se Pessoa, de 1961 - "Nas minhas relações com as pessoas, descobri que não ajuda, em longo prazo, agir como se eu não fosse quem sou. [...] descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo, aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo" - a psicóloga afirma que "de uma forma muito lúcida, ele diz que parece ser uma atitude cada vez mais comum, na cultura vigente, esperar que se queira que todas as pessoas sintam, pensem e acreditem como a si próprio. E exemplifica: é difícil para os pais permitirem aos filhos que pensem diferente (isso aconteceu com ele quando se afastou dos princípios religiosos da família); na esfera nacional: que outra Nação tenha valores e comportamentos diferentes. E fecha o argumento dizendo: "Qualquer pessoa é uma ilha, no sentido muito concreto do termo; a pessoa só pode construir uma ponte para comunicar com outras ilhas se, primeiramente, se dispôs a ser ela mesma e se lhe é permitido ser ela mesma".

Adler conclui, então, que só se pode ajudar alguém a tornar-se pessoa, quando aceitam seus sentimentos, atitudes e crenças que compõem seus elementos reais e vitais.

A acadêmica considera que a partir da prática psicoterápica e de sua teoria da personalidade, Rogers desenvolveu abordagens para todas as relações interpessoais. "Suas concepções são também aplicadas à educação, na área da liderança militar e industrial, na prática do serviço social, enfermagem, assistência religiosa e até mesmo nos estudos da Teologia e da Filosofia".


Rogers x Freud


Inúmeros estudos já foram elaborados sobre Freud e Rogers. No artigo A Natureza Humana segundo Freud e Rogers (gruposerbh.com.br), a psicóloga e professora da Universidade Federal da Paraíba, Sônia Maria Lima de Gusmão, traça um paralelo entre as teorias dos dois estudiosos. Profundas diferenças denotam que o psicólogo norte-americano rompeu com os fundamentos do conhecido e aclamado "Pai da Psicanálise". "Um dos pontos mais contraditórios entre a teoria psicanalítica e a teoria centrada na pessoa é aquele que diz respeito à natureza humana. Os autores que abordam essas teorias, frequentemente, enfatizam tal aspecto. Parece não haver dúvidas de que a posição de Rogers é nitidamente otimista em confronto com a de Freud", explica a autora.

Gusmão destaca que, para Freud, o homem possui um permanente conflito entre forças antagônicas existentes em seu interior. Enquanto na Abordagem Centrada na Pessoa, Rogers acentua: "O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver os seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e a eficácia necessárias ao funcionamento adequado".

Para a professora, o contexto em que cada um deles viveu influenciou significativamente a elaboração de suas concepções sobre a natureza humana. Ela lembra que Sigmund Freud nasceu no século 19, em 1856, em Freiberg Mähren, atual P íbor, República Tcheca. Viveu em Viena (Áustria) e morreu em Londres, em 1939. Ele sofreu os entraves de duas guerras mundiais. Sua época foi marcada pela repressão sexual, o que lhe trouxe experiências profissionais bem diferentes das de Rogers. Freud foi o criador da Psicanálise e influenciou, igualmente, várias áreas do conhecimento, além da Psicologia. Por sua vez, Rogers nasceu em 1902, num pequeno subúrbio de Oak Park, situado nos arredores de Chicago, Illinois (Estados Unidos) e morreu em 1987, aos 85 anos, em seu próprio país. Foi criado sob rígidos princípios religiosos.

Gusmão cita ainda a opinião de Richard Farson, Diretor do Instituto Esalen, São Francisco, autor de Carl Rogers: o home e suas ideias (Evans, Richard I.) que considerava Rogers um revolucionário tranquilo "pela maneira como contribuiu para mudar vários aspectos da psicologia e de mudar de outras áreas, é sem dúvida alguma um marco referencial na obra  psicológica existente".

A psicóloga afirma que na visão de Freud, o ego e o superego têm o seu lado obscuro ou inconsciente. "Quando apreciamos a obra freudiana, observamos que toda ela é marcada por um certo ceticismo em relação ao homem. Sendo a natureza humana, no seu entender, determinada, sobretudo, pelas pulsões e forças irracionais, oriundas do inconsciente; pela busca de um equilíbrio homeostático; e pelas experiências vividas na primeira infância. Tudo o que o homem construiu - as artes, as ciências, as suas instituições e a própria civilização - num contexto mais amplo, não passa de sublimações dos seus impulsos sexuais e agressivos. Neste sentido, pode-se afirmar que, sem as defesas, é impossível a civilização, e que uma sociedade livre e sem necessidade de controle está fora de cogitação".

Neste sentido, ela salienta que Rogers foi alvo de críticas e chamado de ingênuo e romântico, por acreditar que o ser humano é fundamentalmente bom. No entanto, declara em seu livro Tornar-se Pessoa, de 1961: "Não possuo visão ingênua da natureza humana. Tenho bem consciência de que para se defender e movido por medos intensos, indivíduos podem e, de fato, se comportam de modo incrivelmente destrutivo, imaturo, regressivo, antissocial e nocivo".

A compreensão de Rogers a respeito da natureza humana vai além dessa constatação, afirma Gusmão. Na mesma obra, ele diz que "contrariamente à opinião que vê os mais profundos instintos do homem como sendo destrutivos, observei que, quando o homem é, verdadeiramente, livre para tornar-se o que ele é no mais fundo de seu ser (como no clima seguro da terapia), quando é livre para agir conforme a sua natureza, como um ser capaz de perceber as coisas que o cercam, então ele, nitidamente, se encaminha para a globalidade e a integração".

Gusmão conta que Rogers se mostrou perplexo quando um freudiano do porte de Karl Menninger lhe disse, numa discussão sobre o tema, que percebia o homem como sendo " inatamente destrutivo". Tal afirmativa conduziu o criador da Abordagem Centrada na Pessoa, às seguintes questões publicadas na apostila Carl Rogers e a Natureza Humana (Universidade de Chicago), 1957: "Como pode ser que Menninger e eu trabalhando com um objetivo tão semelhante, num relacionamento tão íntimo com indivíduos angustiados, experimentemos as pessoas tão diferentemente? Talvez, como sugere Snyder, essas profundas diferenças não contem quando o terapeuta se interessa realmente por seu cliente. Mas, como pode o analista sentir um interesse positivo para com o seu paciente, quando sua própria tendência inata é destruir? E ainda mesmo que suas tendências destrutivas fossem adequadamente inibidas e controladas por seu analista, quem controlou a destrutividade daquele analista? E assim sucessivamente, ad infinitum".


Paul Tillich e Rogers


Em Carl Rogers Dialogues, no Diálogo entre Carl Rogers e Paul Tillich, publicado na Revista da Abordagem Gestáltica (pepsic.bvsalud.org) há a transcrição do diálogo entre o teólogo protestante alemão Paul Tillich (1886 - 1965) e Carl Rogers realizado em março de 1965, no estúdio de rádio e televisão da Faculdade Estadual de San Diego, na Califórnia.

Tillich migrou para os Estados Unidos em 1933, tornando-se cidadão norte-americano em 1940 e professor de várias universidades americanas como Harvard e University of Chicago Divinity School, onde permaneceu até o seu falecimento.

O diálogo apresenta um rico conteúdo: "(...) Rogers: Em minha própria experiência, o potencial de aceitação da outra pessoa tem sido demonstrado repetidas vezes, quando um indivíduo sente que ele é tanto plenamente aceito em tudo que é capaz de expressar como ainda é estimado como pessoa. Isso tem uma influência muito grande sobre a sua própria vida e o seu comportamento.

Tillich: Sim, acredito que esse aspecto é realmente o centro do que chamamos de boas novas na mensagem cristão. (...)"

"(...) Rogers: Eu concordo quanto à dificuldade de criar uma liberdade completa. Estou certo de que nenhum de nós poderá criar isso para outra pessoa na sua integralidade... No entanto, o que me impressiona é que mesmo tentativas imperfeitas de criar um clima de liberdade e aceitação e entendimento parecerem liberar a pessoa para mover-se em direção a alvos sociais. Não sei se é o seu pensamento acerca do aspecto demônico, que faz com que coloque um ponto de interrogação aqui.

Tillich: Agora, deixe-me primeiro responder acerca do que você acabou de dizer, e aqui concordo plenamente. Eu diria que há atualizações fragmentárias na história e concordo especialmente com o profundo insight que obtivemos, em grande parte pela psicoterapia, acerca da tremenda importância do amor nas primeiras fases do desenvolvimento infantil. Então, perguntaria: 'Onde estão as forças que criam uma situação na qual a criança recebe esse amor que dá a ela, posteriormente, a liberdade de encarar a vida e não de escapar dela por meio de neuroses e psicoses?'. Deixo essa questão em aberto. Mas agora você está interessado acerca do demônico, e você não é o único. (...) O único termo adequado que encontrei foi o usado pelo Novo Testamento, que se encontra nas histórias acerca de Jesus: similar ao estar possesso. Isso significa uma força, debaixo de uma força, que é mais forte do que a boa vontade do indivíduo. Quero deixar bem claro que não me refiro a um sentido mitológico - como pequenos demônios ou o próprio Satanás correndo pelo mundo - mas me refiro a estruturas que são ambíguas, ambas, até certo ponto, criativas, mas, sem sentido último, destrutivas. É isso que quero dizer com o demônico. (...)


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

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