sábado, 13 de abril de 2013

O dia em que Ícaro voou

                     Maria Danielle


Meu filho se comportava de maneira estranha desde o primeiro ano de vida: era muito agitado, se balançava com excitação sem motivo aparente, não me olhava nos olhos, não sentia minha falta e se apoiava em meus braços e mãos como se fossem objetos, entre outras atitudes que me sinalizavam que algo estava errado. Quando Ícaro começou a frequentar a escola, aos 3 anos, foi descrito como " problemático " por uma professora. Procurei ajuda profissional na rede pública - as psicólogas que nos atenderam não identificaram nada de anormal e a pediatra disse que o problema era que eu estava muito ansiosa com a situação e minhas inquietações influíam no comportamento no comportamento dele. Queria dizer então que a culpa era minha? Parecia.

Meu marido começou a pesquisar na internet sobre distúrbios, dificuldades de aprendizado, neuroses, esquisitices... passava horas por dia em frente ao computador. Sou atriz e, decidida a encontrar uma maneira de me comunicar com meu filho, resolvi estudar o mundo dele. A essa altura, com 3 anos e meio, Ícaro ainda não falava, expressava-se apenas com grunhidos e gritos.

Um dia reparei que uma das coisas que ele mais gostava era ficar muito tempo em frente ao espelho. Tive então a ideia de usar a superfície como nosso meio de comunicação: por meio da imagem refletida meu filho começou a me olhar nos olhos e eu falava com ele... Montei uma " casa de doidos ": distribuí espelhos de vários tipos e tamanhos pelas paredes dos quartos e em cima dos móveis. Ícaro começou a  dizer algumas palavras soltas,  geralmente quando queria algo.

Em um feriado prolongado meu marido e eu resolvemos criar uma pequena cena para chamar a atenção do Ícaro. Na sala, deixamos apenas um sofá, uma cadeira e uma bandeja com um copo. O roteiro era o seguinte: eu pegava o copo e dizia: " Que suco gostoso! ". O pai dele falava: " Isso é suco? Eu quero suco ". E eu: " Então tome! " e lhe entregava o copo, ao que ele respondia com um " Obrigado ". Encenamos a sequência por 3 dias seguidos, praticamente sem parar.

Ícaro nos ignorou nas primeiras vezes. No entanto, na medida em que o roteiro se repetia, ele começou a mostrar mais interesse. Ficava muito animado com as cenas exatamente iguais. Quando, cansado de encenar por tantas vezes, meu marido atrasou uma de suas falas, Ícaro entrou bruscamente na brincadeira, muito empolgado: " Ei, eu quero suco! ", disse. Correu em minha direção, pegou o copo da minha mão e o levou à boca. O recipiente obviamente estava vazio, pois era apenas um teatro. Em seu rosto surgiu uma expressão de surpresa por não encontrar nenhum líquido dentro do copo. Meu marido e eu choramos e rimos ao mesmo tempo. foi a peça mais linda de que já participei.

Desde então comecei a entender meu filho: é um menino que gosta de pessoas, tem preferências e interesses - ele apenas processa as informações de maneira diferente. Ícaro é maravilhoso, me inspira em minha profissão. Crianças com transtorno do espectro autista (TEA) não são desobedientes, mimadas ou mal-educadas. Cada um tem um modo muito individual de ser e sentir e não há uma receita que sirva para lidar com todas elas - como também não há uma para amar.

Maria Danielle, atriz e mãe de Ícaro, autista de 8 anos. Depoimento publicado no site " Estou Autista ".

Matéria publicada na edição especial 6 " Doenças do Cérebro - Autismo " da revista Mente Cérebro da Duetto Editorial. 

domingo, 7 de abril de 2013

Uma história a ser contada

            Refeito da delicada neurocirurgia para resseção
            do hemisfério cerebral esquerdo, paciente com
            tipo raro de epilepsia relata sua experiência com
            a doença e o tratamento.


Eu era uma criança de boa saúde até os 4 anos, quando começaram as crises. Às vezes chegavam a 280 em um único dia. Você pode imaginar o que sejam quase 300 ataques que fazem tremer e sacudir o corpo descontroladamente, sem que eu pudesse ter nenhum domínio sobre meus músculos? Apesar dos 17 anticonvulsivos que tomava todos os dias, por anos a fio, a situação não melhorava. Comecei então a perder as funções motoras do lado direito do corpo e a  capacidade de falar. Por esse motivo necessitava que alguém me acompanhasse a todo lugar aonde precisasse ir. Essa situação era insuportável e a insegurança, constante. Até para ações cotidianas aparentemente simples, como ir ao banheiro, eu precisava de supervisão, pois corria o risco de cair e me ferir - o que aconteceu muitas vezes. Além da exposição ao perigo físico, havia as limitações sociais. Por exemplo, nenhuma escola me aceitava, em razão dos riscos aos quais estava exposto durante as crises.

Eu sofria de síndrome de Rasmussem, um tipo raro de epilepsia. A doença que acomete crianças causa reação inflamatória de natureza ainda desconhecida nos tecidos cerebrais. Os primeiros sintomas foram tontura e desmaios. Em seguida começaram as convulsões. Meus pais ficaram sem saber o que fazer diante daquele quadro. Durante nove anos andamos de médico em médico, de hospital em hospital e fui submetido aos mais diversos exames - mas nada nos levou a um tratamento que oferecesse resultado. Mesmo novos medicamentos que eram propostos se mostravam ineficazes. Enquanto isso, os ataques aconteciam com frequência cada vez maior e rapidamente comecei a perder as funções motoras e a  capacidade verbal.

Em 1995, em meio a tantas dificuldades apareceu uma esperança: a possibilidade de ser submetido a uma delicada cirurgia no cérebro. Embora fosse uma operação de alto risco eu não dispunha de opções. Era preciso apostar, naquele momento, na única saída que parecia viável. Na época eu tinha 13 anos e uma certeza me iluminava: precisava sair da prisão em que a doença tinha me colocado. Os médicos nos alertaram para o fato de que eu corria perigo de morte e afirmavam que, se sobrevivesse, poderia ter sequelas, mas eu e meus pais não perdemos a fé de que tudo ficaria bem. A cirurgia foi realizada no Hospital São Caetano, em São Paulo, pela equipe de neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A internação durou 45 dias e fiquei 21 dias sem fala. Até que minha mãe, durante o período de recuperação, teve a ideia de ligar para a minha professora, para que eu pudesse pelo menos ouvir sua voz. Repentinamente, tive o impulso de pegar o telefone da mão da minha mãe e comecei a conversar com ela. Foram necessários, ao todo, nove meses para minha recuperação, fortemente alicerçada em sessões de fisioterapia para reverter os prejuízos da paralisia no lado direito do corpo devido ao grande número de crises epiléticas que sofri. Depois disso, voltei à escola.

Hoje, passados 17 anos desde a realização do procedimento, estou refeito da delicada neurocirurgia para resseção do hemisfério cerebral esquerdo e sinto-me à vontade para falar (ou escrever) sobre minha experiência com a doença e o tratamento. Às vezes alguém me pergunta se o resultado valeu o sofrimento, a persistência e o esforço. Sem dúvida, valeu muito. Posso afirmar que houve uma reviravolta em minha vida. Hoje não tenho mais crises convulsivas. Com certeza, a principal mudança foi a liberdade que adquiri de poder sair sozinho, sem o fantasma dos ataques epiléticos a rondar - algo corriqueiro para a maioria das pessoas, mas uma grande conquista em minha vida. Hoje, aos 30 anos, estudo, trabalho no departamento de recursos humanos de uma grande empresa, tenho muitos amigos, gosto de viajar e de jogar videogame. Uma coisa é certa: não quero parar de aprender e de me desenvolver.

Por Luis Fernando Ribeiro de Lima, que registrou sua experiência com a doença e a cirurgia em " Vivendo um Milagre " (Spmac, 2009)

Matéria publicada na edição especial 5 " Doenças do Cérebro - Epilepsia e TDAH " da revista Mente Cérebro da Duetto Editorial.  

sábado, 6 de abril de 2013

Hey!

Iglesias/Belfiore/Balducci/Arcusa
                        versão: Rossini Pinto

Hey! 
Não ande comentando por aí
Dizendo que eu não sei viver sem ti
Que não sabe de mim

Hey!
Eu sei que você gosta de falar
Contar aos seus amigos que assim
Eu não posso viver

Hey!
Não pense que depõe a seu favor
Falando por aí do meu amor
E zombando de mim

Hey!
Às vezes é melhor amar assim
Que ser amado e não poder sentir
O que eu sinto por ti

Eu sei
Você nunca me amou, agora eu sei
Que eu não passei de nada em seu viver
Você nunca pensou em me querer

Pra quê
Querer fazer de conta e mentir
Você ainda quer se iludir
Pra quê falar de mim?

Hey!
Agora que isso tudo terminou
E como sempre eu fui um perdedor
No seu jogo de amor

Hey!
Não pense que eu guardo algum rancor
É sempre mais feliz quem mais amou
E quem mais amou fui eu

Música que dá título ao então LP de José Augusto lançado em 1980.

Me Esqueci de Viver

(Me Olvidé de Vivir) 
             Billon/Revaux - versão: Rossini Pinto

De tanto correr pela vida sem rumo
Me esqueci que na vida se vive um momento
De tanto querer ser em tudo o primeiro
Esqueci de viver os detalhes pequenos

De tanto brincar com os meus sentimentos
Vivendo de aplausos envoltos em sonhos
De tanto cantar minhas canções ao vento
Já não sou como eu fui
Já não sei o que sinto

Me esqueci de viver
Me esqueci de viver

De tanto cantar ao amor e a vida
Eu fiquei sem amor uma noite e um dia
De tanto brincar com quem eu mais queria
Eu perdi sem querer o melhor que eu tinha

De tanto ocultar a verdade com mentiras
Enganei sem saber que era eu quem perdia
De tanto esperar o que eu nunca oferecia
Hoje eu vivo a chorar
O que eu sempre temia

Me esqueci de viver
Me esqueci de viver

De tanto correr pra roubar tempo ao tempo
Esquecendo até dos melhores amigos
De tanto lutar sem pensar no fracasso
Descobri sem querer
Que eu vivi sem motivo

Música que dá título ao então LP de José Augusto lançado em 1979.