domingo, 7 de abril de 2013

Uma história a ser contada

            Refeito da delicada neurocirurgia para resseção
            do hemisfério cerebral esquerdo, paciente com
            tipo raro de epilepsia relata sua experiência com
            a doença e o tratamento.


Eu era uma criança de boa saúde até os 4 anos, quando começaram as crises. Às vezes chegavam a 280 em um único dia. Você pode imaginar o que sejam quase 300 ataques que fazem tremer e sacudir o corpo descontroladamente, sem que eu pudesse ter nenhum domínio sobre meus músculos? Apesar dos 17 anticonvulsivos que tomava todos os dias, por anos a fio, a situação não melhorava. Comecei então a perder as funções motoras do lado direito do corpo e a  capacidade de falar. Por esse motivo necessitava que alguém me acompanhasse a todo lugar aonde precisasse ir. Essa situação era insuportável e a insegurança, constante. Até para ações cotidianas aparentemente simples, como ir ao banheiro, eu precisava de supervisão, pois corria o risco de cair e me ferir - o que aconteceu muitas vezes. Além da exposição ao perigo físico, havia as limitações sociais. Por exemplo, nenhuma escola me aceitava, em razão dos riscos aos quais estava exposto durante as crises.

Eu sofria de síndrome de Rasmussem, um tipo raro de epilepsia. A doença que acomete crianças causa reação inflamatória de natureza ainda desconhecida nos tecidos cerebrais. Os primeiros sintomas foram tontura e desmaios. Em seguida começaram as convulsões. Meus pais ficaram sem saber o que fazer diante daquele quadro. Durante nove anos andamos de médico em médico, de hospital em hospital e fui submetido aos mais diversos exames - mas nada nos levou a um tratamento que oferecesse resultado. Mesmo novos medicamentos que eram propostos se mostravam ineficazes. Enquanto isso, os ataques aconteciam com frequência cada vez maior e rapidamente comecei a perder as funções motoras e a  capacidade verbal.

Em 1995, em meio a tantas dificuldades apareceu uma esperança: a possibilidade de ser submetido a uma delicada cirurgia no cérebro. Embora fosse uma operação de alto risco eu não dispunha de opções. Era preciso apostar, naquele momento, na única saída que parecia viável. Na época eu tinha 13 anos e uma certeza me iluminava: precisava sair da prisão em que a doença tinha me colocado. Os médicos nos alertaram para o fato de que eu corria perigo de morte e afirmavam que, se sobrevivesse, poderia ter sequelas, mas eu e meus pais não perdemos a fé de que tudo ficaria bem. A cirurgia foi realizada no Hospital São Caetano, em São Paulo, pela equipe de neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A internação durou 45 dias e fiquei 21 dias sem fala. Até que minha mãe, durante o período de recuperação, teve a ideia de ligar para a minha professora, para que eu pudesse pelo menos ouvir sua voz. Repentinamente, tive o impulso de pegar o telefone da mão da minha mãe e comecei a conversar com ela. Foram necessários, ao todo, nove meses para minha recuperação, fortemente alicerçada em sessões de fisioterapia para reverter os prejuízos da paralisia no lado direito do corpo devido ao grande número de crises epiléticas que sofri. Depois disso, voltei à escola.

Hoje, passados 17 anos desde a realização do procedimento, estou refeito da delicada neurocirurgia para resseção do hemisfério cerebral esquerdo e sinto-me à vontade para falar (ou escrever) sobre minha experiência com a doença e o tratamento. Às vezes alguém me pergunta se o resultado valeu o sofrimento, a persistência e o esforço. Sem dúvida, valeu muito. Posso afirmar que houve uma reviravolta em minha vida. Hoje não tenho mais crises convulsivas. Com certeza, a principal mudança foi a liberdade que adquiri de poder sair sozinho, sem o fantasma dos ataques epiléticos a rondar - algo corriqueiro para a maioria das pessoas, mas uma grande conquista em minha vida. Hoje, aos 30 anos, estudo, trabalho no departamento de recursos humanos de uma grande empresa, tenho muitos amigos, gosto de viajar e de jogar videogame. Uma coisa é certa: não quero parar de aprender e de me desenvolver.

Por Luis Fernando Ribeiro de Lima, que registrou sua experiência com a doença e a cirurgia em " Vivendo um Milagre " (Spmac, 2009)

Matéria publicada na edição especial 5 " Doenças do Cérebro - Epilepsia e TDAH " da revista Mente Cérebro da Duetto Editorial.  

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