quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Capítulo 13 - Em Resumo

Toda revolução social é precedida por, ou traz consigo, uma mudança na percepção do mundo e/ou uma mudança na percepção do possível. Como não podia deixar de ser, essas novas maneiras de ver são, a princípio, consideradas como um contra-senso ridículo, ou coisa pior do que isso, pelo senso comum coletivo da época.

A revolução de Copérnico é, sem dúvida, o principal exemplo. Pensar que a Terra não era o centro do universo, que girava em torno do Sol e era parte de uma vasta galáxia, não era apenas absurdo, era uma heresia que solapava a religião e a civilização. Há também exemplos menos importantes. Era enorme absurdo pensar que organismos invisíveis, que ninguém podia ver, pudessem ser causa de doenças. A crença de que escravos não eram objetos para serem comprados e vendidos como gado, mas sim pessoas com plenos direitos humanos, não era somente um pensamento nocivo, contrário à História e à Bíblia: era também economicamente perturbador e perigoso. A noção revelada por uma fórmula matemática obscura de que a menor porção da matéria, o átomo, uma vez rompido, poderia libertar uma força incalculável, era evidentemente apenas um excêntrico rebento da ficção científica.

Entretanto, todas essas "ridículas" mudanças perceptuais alteraram a face e a natureza de nosso mundo. Foi o "senso comum" que passou a ser gradualmente ridículo.

Vejamos um exemplo corriqueiro da maneira pela qual esta mudança acontece. Era um fato perfeitamente óbvio para todos - e além disso apoiado pelas Sagradas Escrituras - que a Terra era plana, e aqueles que sugeriram que ela era esférica eram hereges perigosos. Mas, quando Colombo navegou para o Novo Mundo, sem com isso cair da extremidade da Terra, essa experiência real, essa evidência de que a concepção anteriormente aceita era um erro, forçou uma mudança no modo de se perceber a Terra. E essa mudança


terça-feira, 4 de novembro de 2025

O Ego: a dimensão consciente da personalidade

Embora suas bases sejam em si mesmas relativamente desconhecidas e inconscientes, o ego é, por excelência, um fator consciente. É inclusive adquirido, em termos empíricos, ao longo da vida. Parece surgir, em primeiro lugar, da colisão entre o fator somático e o meio ambiente, e, depois de estabelecido como sujeito, prossegue desenvolvendo-se a partir de outras colisões com o mundo exterior e interior.

Apesar da ilimitada extensão de suas bases, o ego nunca é mais e nunca é menos que a consciência como um todo. Como fator consciente, o ego poderia ser, pelo menos no plano teórico, descrito de forma completa. Isso porém nunca chega a ser mais do que uma imagem da personalidade consciente; todos os aspectos desconhecidos ou inconscientes para o sujeito estarão ausentes. A imagem completa teria que incluí-los. Mas uma descrição total da personalidade, mesmo teórica, é absolutamente impossível porque a porção inconsciente que a compõe não pode ser apreendida pelos recursos cognitivos. Essa porção inconsciente, como a experiência o tem generosamente comprovado, não é de maneira alguma destituída de importância. Pelo contrário, as qualidades mais decisivas de uma pessoa são em geral inconscientes e podem ser percebidas apenas pelos outros, ou têm que ser laboriosamente descobertas com ajuda externa.

Está claro, então, que a personalidade como um fenômeno total não coincide com o ego, quer dizer, com a personalidade consciente, mas forma uma entidade que precisa ser distinguida do ego. Sem dúvida, a necessidade dessa distinção só recai sobre uma psicologia que admite o fator do inconsciente e, para ela, essa distinção é da mais lapidar importância.

Sugeri que se chamasse a personalidade total que, embora presente, não pode ser plenamente conhecida, de Self (si-mesmo). Por definição, o ego está subordinado ao Self e mantém com ele uma relação de parte para o todo. Dentro do campo da consciência, como dissemos, ele tem livre-arbítrio. Com isso não estou querendo dizer nada de filosófico, apenas me refiro ao bem conhecido fato psicológico de se ter "liberdade de escolha" - ou melhor, o sentimento subjetivo de liberdade. Mas, da mesma forma como nosso livre-arbítrio choca-se com as necessidades que vêm do mundo externo, também no mundo interior subjetivo essa função encontra seus limites fora do campo da consciência, ao entrar em conflito com os fatos do Self. E, assim como as circunstâncias e eventos externos "acontecem" conosco e limitam nossa liberdade, também o Self atua sobre o ego como uma ocorrência objetiva diante da qual o livre-arbítrio pode fazer muito pouco. Na realidade, é bem sabido que o ego não só nada pode fazer contra o Self, como é às vezes realmente assimilado por componentes inconscientes da personalidade em seu processo de desenvolvimento, sendo por eles profundamente alterado.

Diante da natureza dessa função, é impossível oferecer uma descrição geral do ego, exceto em termos formais. Qualquer outro modo de observação teria que admitir a individualidade que aliás se constitui em uma de suas principais características. Embora os numerosos elementos que compõem este complexo fator sejam em si os mesmos em toda parte, são infinitamente variados em sua clareza, tonalidade emocional e abrangência. O resultado de sua combinação - o ego - é, portanto, e até onde é possível julgar, individual e único, conservando até certo ponto sua identidade. Sua estabilidade é relativa porque às vezes podem se dar mudanças extensas na personalidade. Essas alterações não são necessariamente sempre patológicas, podem ser decorrentes do próprio processo de desenvolvimento e, nessa medida, pertencer à variação normal.

Sendo o ponto de referência do campo da consciência, o ego é o sujeito de todas as bem-sucedidas tentativas de adaptação passíveis de serem alcançadas pela vontade. Portanto, o ego desempenha uma parte significativa dentro da economia psíquica. É tão importante a sua posição nesse sentido que há bons motivos para se alimentar a falsa noção de que o ego é o centro da personalidade e que o campo da consciência é a psique em si. Afora as alusões encontradas em Leibniz, Kant, Schelling e Schopenhauer, e os esboços filosóficos de Carus e von Hartmann, é somente a partir do final do século XIX que a moderna psicologia com seu método indutivo descobriu os fundamentos da consciência e comprovou empiricamente a existência de uma psique fora do campo consciente. Com essa descoberta, a posição do ego até então absoluta tornou-se relativa, o que quer dizer que, embora conserve seu atributo de centro do campo da consciência, é discutível se funciona ou não como centro da personalidade. O ego é parte da personalidade, não a personalidade inteira. Como já disse, é simplesmente impossível estimar se sua parcela de participação é grande ou pequena, e até onde é livre ou depende das qualidades da psique "extraconsciente". Podemos dizer apenas que sua liberdade é limitada e sua dependência comprovada de maneira muitas vezes decisiva.


Texto de Carl Gustav Jung retirado do livro Espelhos do Self - As imagens arquetípicas que moldam a sua vida, vários autores, organização de Christine Downing, Editora Cultrix, São Paulo, 1998.

O texto integral desse ensaio encontra-se no livro Aion: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo, C.G. Jung, Editora Vozes, RJ, 1982, Obras Completas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Ser Homem

"Quando eu era pequeno - engraçado - eu me sentia mais próximo da minha mãe que do meu pai, ela era mais afetuosa, mas eu sabia que era a opinião do meu pai sobre mim que contava, era a sua aprovação que eu realmente queria. Por quê? Não sei. Mas eu ainda sou assim, num certo sentido: amo muito minha esposa, nós somos felizes juntos, mas para me sentir realmente feliz eu preciso, acima de tudo, fazer parte do mundo dos homens e ser reconhecido pelos outros homens como um homem bem-sucedido."

Num sentido concreto, o que "conta" para os homens numa sociedade patriarcal são as relações entre eles próprios - muito mais do que as relações entre homens e mulheres. Os homens procuram nos outros aprovação, aceitação, legitimação e respeito. Os homens veem os outros homens como árbitros do que é real, como guardiães da sabedoria e detentores e controladores do poder.

Mas é possível para os homens sentirem-se próximos de outros homens na nossa sociedade? Compartilhar sentimentos? Como é que eles são educados em nossa sociedade? O que significa ser um homem? O que é que eles aprendem de seus pais a respeito do que significa ser homem? E eles se sentem próximos de seus pais na infância? Como se sentem a respeito de suas amizades com outros homens? Como é que as relações com outros homens se comparam com as relações com mulheres? Que padrões de comportamento e aprovação os homens estabelecem uns para os outros? Como foi que o papel tradicional afetou a capacidade dos homens de se sentirem próximos uns dos outros?

Paradoxalmente, embora os homens se vejam uns aos outros como "aquele que é importante", a maioria tem medo de se aproximar demais. "Sentimentos" por outros homens devem ser expressos apenas de forma casual, e não devem ultrapassar a admiração e o respeito. Assim, as relações entre homens costumam se basear numa aceitação mútua de papéis e posições, numa integração no grupo, ao invés de numa discussão pessoal e íntima sobre suas vidas e sentimentos. Como disse um homem, "nós somos mais colegas do que amigos". Nossa cultura glorifica e ao mesmo tempo limita severamente as relações entre homens, mesmo aquelas entre pais e filhos. Ainda assim, alguns homens afirmaram ter um sentimento profundo de afinidade e companheirismo para com outros homens.

Como são as amizades íntimas entre os homens? Como se sentem os homens sobre isso? O que elas significam dentro de suas vidas? Como os homens gostam de passar o tempo juntos? O que é que eles veem de mais importante nos outros homens? Como se relacionavam quando meninos - incluindo as relações físicas? Como se sentem ao demonstrar seus sentimentos ou afeição para com outros homens?


Trecho inicial do livro O Relatório Hite sobre a sexualidade masculina, Shere Hite, Difel - Difusão Editorial S.A., São Paulo, 1981/1982.