sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

As Sílabas


Cantiga diga lá
A dica de cantar
O dom que o canto tem
Que tem que ter se quer encantar
Só que as sílabas se embalam
Como sons que se rebelam
Que se embolam numa fila
E se acumulam numa bola
Tem sílabas contínuas:
Ia indo ao Piauí
Tem sílabas que pulam:
Vox populi
Tem sílaba que escapa
Que despenca
Rola a escada
E no caminho
Só se ouve
Aquele boi bumbá
Tem sílaba de ar
Que sopra sai o sopro
E o som não sai
Tem sílaba com "s"
Não sobe não desce
Tem sílaba legal
Consoante com vogal
Tem sílaba que leve oscila
E cai como uma luva na canção
Cantiga diga lá 
A dica de cantar 
Cantiga diga lá
A dica de cantar
O dom que o canto tem
Que tem que ter se quer encantar

Música de Luiz Tatit que abre o CD "As Sílabas", de Suzana Salles, lançado em
2001.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Partículas de Amor

Ao te conhecer
Desacreditei
Como pode uma beleza assim
Toda solar, me derreteu
Virei água do mar
Evaporei
E agora eu sou partículas de amor
Vento que sopra na crista
Bolha de espuma replica
Onde você estiver eu estarei
Maresia no ar a te acompanhar

Faixa 02 do CD das coisas que surgem, de Márcia Castro; música de Lucas Santana e Gui Amabis.

Atalhos

        Márcia Castro/Arruda


" A força da água
Que sai de você
Me leva tão longe
Me faz te querer
Na intensidade das coisas que surgem
Pessoas, palavras que me acontecem

A força da água
Que vem de você
Você de mil noites
De ombros e abraços

De explosões solares
Do fundo do poço
Do fundo do poço
Ao próximo passo

Não existem os atalhos
Que não deixem suas marcas
Não existem os atalhos

As estrelas são da noite
E as manhãs do orvalho
E existem os atalhos "

música que abre o CD das coisas que surgem de Márcia Castro

A Flor



" A flor de que era feito o nosso amor
Molhou-se com a chuva
Gelou de tanto frio e mesmo assim
Não se quebrou

Oh! Flor
Se lhe maltratarem só por mal
Torna-se um translúcido cristal
Se lhe vem com crueldades
Exala teu perfume pra toda a cidade

Oh! Flor
Nascida de um peito sem graça e sem jeito
Sem nenhum espinho
Somente carinho e amor

Oh! Flor
A flor de que era feito o nosso amor
Molhou-se com a chuva
Gelou de tanto frio e mesmo assim
Não se quebrou

Oh! Flor
Mesmo em pleno mar de imensa dor
Queima tua chama com fervor
Se a morte a levar na correnteza
Brilhará no céu mais uma nova Estrela Flor

Mesmo se os anos passarem ciganos
Mesmo que os homens esqueçam tua cor
A flor de que era feito o nosso amor
Molhou-se com a chuva
Gelou de tanto frio e mesmo assim...
Desabrochou "

música de Fernando Figueiredo, do CD Batuque de Virgínia Rosa, lançado em 1997.


Flores e Bocas



" Que bom que você chegou
Trazendo um sorriso de melhor amigo
Sorrisos são bocas em flor

Tão bom ter você do meu lado
Com jeito de apaixonado
Pra gente dividir o indivisível
Sonhar aquele sonho quase impossível
Seja como for

Foi bom você ter chegado
Assim meio inesperado
Eu tava perdido, trancado, sozinho
Contando as gotas da dor

Se você me chama, eu vou
Se você me pede, eu sou
Seu melhor amigo
Responda ao sorriso
Sorrisos são bocas em flor

Agora que a chuva passou
Das nossas sementes
Corações e mentes
Algo de novo brotou
Algo de novo brotou
Seu melhor amigo
Responda ao sorriso
Sorrisos são bocas em flor "

Composição de Fernando Figueiredo que faz parte do CD de Mônica Tomasi, de 1996.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Aguenta Coração

    Prêntice/Ed Wilson/Paulo Sérgio Valle


Coração, diz pra mim
Porque é que fico sempre desse jeito
Coração, não faz assim
Você se apaixona e a dor é no meu peito

Pra quê que você foi se entregar
Se na verdade eu só queria uma aventura
Por que você não para de sonhar?
Era um desejo e nada mais

E agora o que é que eu faço
Pra esquecer tanta doçura
Isso ainda vai virar loucura
Não é justo entrar na minha vida
Não é certo não deixar saída
Não é não

Agora aguenta coração
Já que inventou essa paixão
Eu te falei que eu tinha medo
Amar não é nenhum brinquedo

Agora aguenta coração
Você não tem mais salvação
Você apronta e esquece que você sou eu

Música que abria o então LP de José Augusto lançado em 1990.

domingo, 27 de abril de 2014

Oswald de Andrade


Pronominais

" Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro "

O Gramático 

" Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou "

Vício na Fala 

" Pra dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados "

Amor

" humor "



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Pra Rua Me Levar

     Ana Carolina/Totonho Villeroy

Não vou viver
Como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho onde eu vou
Às vezes ando só trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você

É, mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas talvez você nem queira ouvir

Música do CD " Estampado ", lançado em 2003.

Encostar na Tua

        Ana Carolina

Eu quero te roubar pra mim
Eu que não sei pedir nada
Meu caminho é meio perdido 
Mas que perder seja o melhor destino

Agora não vou mais mudar
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chama meu nome
Eu que também não sei aonde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

E saiba que forte eu sei chegar
Mesmo se eu perder o rumo
E saiba que forte eu sei chegar
Se for preciso eu sumo

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Música do CD " Estampado ", lançado em 2003.

Travessia

            Frei Betto

Lá vamos nós, ávidos pelos feriados que se avizinham, na busca frenética da casa de praia, do sítio, do hotel, da montanha, um lugar que nos distancie da cidade e nos faça merecer descanso, ausência de agenda de trabalho, telefonemas, dificuldades e inseguranças. Tudo cessa. A Bolsa de Valores, as intrigas políticas, o relógio que escraviza. Ainda que estrada durma sob nossos pneus imóveis e os ônibus viajem entupidos e os aeroportos se transformem numa feira oriental, vale a ilusão de que haverá sol, as crianças se comportarão como anjos, não faltarão a mesa farta e os copos repletos. Sobretudo paz, fruto espiritual que insistimos em procurar alhures.

Nada mais profano em nossa sociedade que a Semana Santa, exceto o Carnaval. Eis a Modernidade iconoclasta, dessacralizando hábitos e calendários. Outrora, não havia janelas eletrônicas e as novelas eram transmitidas ao vivo nas ruas atulhadas de romeiros e procissões. Na igreja, a cerimônia do lava-pés sobressaindo-se à instituição da eucaristia. Na Sexta-Feira da Paixão, a música clássica das rádios compungidas, as imagens cobertas de roxo, o Senhor morto desfilando sobre os nossos pecados. Jejum e abstinência para uns, peixes e crustáceos para os mais abastados. No sábado, a espera da noite de Aleluia, que resgatava a alegria da Páscoa. Jesus ressuscitou! Domingo de missa alva e o alívio por saber que Ele venceu a morte.

Páscoa significa " passagem ", da opressão à libertação (a travessia do Mar Vermelho, no Êxodo) e da morte à vida (Jesus). Ainda que nada disso diga respeito ao nosso universo pessoal, tão centrado no próprio umbigo, orbitando na tríade família-trabalho-consumo, somos trespassados pela expectativa de uma travessia. Misteriosa espera de algo ou alguém que nos conduza da mediocridade ao meritório, do vazio à plenitude, da rotina ao sentido, do desencanto ao fascínio. O anjo selou-nos com a fome de transcendência. No mais íntimo, sabemos que do lado de fora de nosso ser nada pode aplacar essa sede de plenitude, exceto o amor e o mergulho despojado no silêncio interior, lá onde um Outro resgata a nossa verdadeira identidade.

Um dia um homem peregrinou pela Palestina revelando o que Deus gostaria de nos dizer. Muitos não fizeram caso, a própria família desconfiou de que ficara louco e o poder vigente condenou-o à morte na cruz para que não perturbasse a ordem do Império. Foi crucificado. Em seguida, apareceu vivo a seus discípulos, que nos transmitiram a fé em sua ressurreição.

José Lezama Lima, autor do belo e enigmático Paradiso, fez-se cristão por causa dessa afirmação de Tertuliano: " O filho de Deus foi crucificado: não é vergonhoso porque é infame; o filho de Deus morreu: é ainda mais digno de fé porque é incrível; e depois de morto, ressuscitou: é verdade porque é impossível ".

E, para nós, é vergonhoso crucificar ambições que nos roubam de nós mesmos, acreditar no mistério que ultrapassa a razão e renascer à vida interior e à solidariedade que instaura justiça? O caminho se faz ao caminhar, preveniu-nos Antônio Machado. Talvez renascer no decorrer da vida seja mais atemorizador do que a própria morte. É o lamento de Fernando Pessoa: " Fui o que não sou ". A Páscoa sinaliza que ainda há tempo. Contudo, é preciso não ter medo de ficar descalço, como na Quinta-Feira Santa, e de atravessar a noite escura da Sexta-Feira da Paixão. Então, conheceremos a verdade e a  verdade nos libertará, assegura Aquele que é o paradigma.