domingo, 27 de maio de 2012

Canção para os fonemas da alegria

                Thiago de Mello


Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
este canto de amor publicamente.

Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas
que em meu peito floresce de menino.

Peço licença para soletrar,
no alfabeto do sol pernambucano,
a palavra ti-jo-lo, por exemplo,

e poder ver que dentro dela vivem
paredes, aconchegos e janelas,
e descobrir que todos os fonemas

são mágicos sinais que vão se abrindo,
constelação de girassóis gerando
em círculos de amor que de repente
estalam como flor no chão da casa.

Às vezes nem há casa: é só o chão.
Mas sobre o chão quem reina agora é
um homem diferente
que acaba de nascer:

porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,

e acaba por unir a própria vida
no seu peito partida e repartida
quando afinal descobre num clarão

que o mundo é seu também, que o seu trabalho
não é a pena que paga por ser homem,
mas um modo de amar - e de ajudar
o mundo a ser melhor.

Peço licença
para avisar que, ao gosto de Jesus,
este homem renascido é um homem novo:

ele atravessa os campos espalhando
a boa-nova e chama os companheiros
a pelejar no limpo, fronte a fronte,

contra o bicho de quatrocentos anos,
mas cujo fel espesso não resiste
a quarenta horas de total ternura.

Peço licença para terminar
soletrando a canção da rebeldia
que existe nos fonemas da alegria:

canção de amor geral que eu vi crescer
nos olhos do homem que aprendeu a ler.

Virgínia

           Anna Toledo


Eu passava por ali várias vezes
Nunca reparei no seu olhar
Nunca percebi o seu perfume
Nem como era doce o seu jeito de falar
Mesmo assim ela insistia em forjar
candidamente um devaneio
Pois supunha que ficava irresistível
E que todos só fingiam não notar

Quem tocou ou beijou Virgínia
Nunca disse nada demais
Uns achavam que ela era bonita
Uns achavam que ela era estranha
Uns achavam que ela era gozada
E uns não achavam nada

Ela estudou comigo no cursinho
Encontrei ela alguma vez num bar
Ela passava e não dizia nada
E eu nunca achei que devesse falar
Às vezes ela sorria
Como se tomada por algum delírio
Concedendo a nós, mortais,
o tal segredo
Que só ela parecia dominar

A sua foto no jornal de ontem
Olhando bem nada me fez pensar
Eu podia dizer que ela tá linda
Ou que ela é muito nova pra casar
Mas minha alma vazia
Não preenche seu deserto com sorrisos
E o jornal além da foto não diz nada
E o sorriso nada tem a acrescentar

Música do CD Viva da cantora Anna Toledo gravado em 1999.

No Mundo das Letras

                  Moacyr Scliar


Vem à livraria nas horas de maior movimento, mas isso, já se sabe, é de propósito: facilita-lhe o trabalho.

Rouba livros. Faz isso há muitos anos, desde a infância, praticamente. Começou roubando um texto escolar que precisava para o colégio; foi tão fácil que gostou; e passou a roubar romances de aventura, livros de ficção científica, textos sobre arte, política, ciência, economia. Aperfeiçoou tanto a técnica que chegava a furtar quatro, cinco livros de uma vez. Roubou livros em todas as cidades por onde passou. Em Londres, uma vez, quase o pegaram; um incidente que recorda com divertida emoção.

No início, lia os livros que roubava. Depois, a leitura deixou de lhe interessar. A coisa era roubar por roubar, por amor à arte; dava os livros de presente ou simplesmente os jogava fora. Mas cada vez tinha menos tempo para ir às livrarias; os negócios o absorviam demais. Além disso, não podia, como empresário correr o risco de um flagrante. Um problema - que ele resolveu como resolve todos os problemas, com argúcia, com arrojo, com imaginação.

Zás! Acabou de surrupiar um. Nada de espetacular nessa operação: simplesmente pegou um pequeno livro e o enfiou no bolso. Olha para os lados; aparentemente ninguém notou nada. Cumprimenta-me e se vai.

Um minuto depois retorna. Como é que me saí, pergunta, não sem ansiedade. Perfeito, respondo, e ele sorri, agradecido. O que me deixa satisfeito; elogiá-lo é não apenas um ato de compaixão, é também uma medida de prudência. Afinal, ele é o dono da livraria.

Meus Livros

                Ana Miranda


Existe em minha cabeça uma estranha geografia que se refere ao mundo em torno de mim, um mundo físico mas de significados infinitos, essa geografia surgiu do meu hábito de viver trancado com meus livros, esses livros dispostos numa serena ordem um ao lado do outro representam a minha mente como um mapa a um país, se fecho os olhos as prateleiras de livros se acendem dentro de minha cabeça como se minha cabeça fosse também um aposento forrado de estantes de livros em que cada um deles é uma porta para um mundo, todos são posicionados de acordo com um sistema lógico, se me recordo de um desses livros meu olhar vai diretamente ao lugar em que se encontra, raras vezes algum se perde mas quando acontece caio numa espécie de desespero, basta olhar à distância um deles para receber sua influência, uma secreta ligação, feito as ondas do mar em relação à lua, às vezes sinto um apelo irresistível como se um deles me chamasse e, seja quando for, levanto da cadeira, retiro o livro da estante e folheio para ouvir o que tem a dizer, esses livros determinam meus sentimentos, meu entendimento do mundo, são o mapa de minha alma, cada um representa uma região, um lugar onde estive e onde ainda estou, há entre eles os meus preferidos, ficam separados numa das prateleiras, rabiscados desde a primeira página, onde se encontram palavras manuscritas, lembranças, ideias, pétalas secas, madeixas, preces, são meus livros, mas tenho sempre a sensação de que não me pertencem, sou dono deles mas apenas uma pequena e frágil conexão entre um e outro, vivo trancado numa sala onde livros vivos sorriem, choram, zombam, ensinam, atraiçoam, respiram, livros que passam de papel para papel, às vezes sou tomado de uma tristeza por não saber o que lhes acontecerá depois da minha morte, mas sei que eles, como as pessoas, têm seu destino, alguns meu filho levará, outros, um neto, outros ainda serão vendidos num sebo, com meu nome, bilhetes, segredos, receitas, folhas de outono, gotas de café, que tornarão triste um leitor sensível, os demais deixarei de lembrança para amigos, mas todos existirão mais do que eu, uns existirão eternamente.

Filho

               Ana Miranda


Meu filho diz que vai embora, isso me perturba, vejo minhas mãos ainda sujas de leite, nem sei que conselhos dar, Não peça nada a ninguém, ou, Engraxe os sapatos, por que temos de perder tudo o que criamos? pobre filho, teve uma mãe destrambelhada, ficou só no mundo para fazer de si um homem, nem mesmo tive paciência para o ajudar no dever de casa, nem tentei explicar-lhe como desfazer um nó, quantas vezes adormeci antes dele ou lhe dei mingau queimado, ele teve de suportar a minha instabilidade, as mudanças de estado de espírito, as mudanças de trabalho, de casa, quando nos mudamos pela primeira vez ele disse chorando enquanto arrumava suas malas que nunca mais faria amigos que viveria solitário e casmurro e nunca mais iria sorrir, o burro-sem-rabo levou nossas poucas coisas amarradas, uma caixa de livros, uma cesta de panelas, pratos e talheres, alguns lençóis, um espelho que foi de minha avó, uma poltrona rasgada, um baú de brinquedos, um fogão enferrujado, num dia de domingo, enquanto eu puxava meu filho pela mão, mas um ano depois, ou melhor, após um ano amuado a trancado em casa ele encontrou um menino na portaria do edifício, o filho do porteiro, um menino de olhos verdes, e travaram amizade, voltou à vida normal de criança, jogava bola no pátio, fez outros amigos, mas precisei mudar novamente, arrastando-o pela mão atrás do burro-sem-rabo, um quadro de paisagem marinha, um abajur de renda, uma coleção de bolas de gude, os nossos bens amarrados com corda, suas lágrimas queimando meu peito, mas eu nada podia fazer, era irresistível, tudo já havia mudado dentro de mim e a casa não me servia mais, numa das vezes ele ficou um ano sem desfazer as malas, sem abrir o baú de brinquedos, seu prazo de ressentimento era de um ano, um ano depois ele desfez as malas e retirou as roupas amarfanhadas, pendurou nos cabides  vazios, encheu as gavetas empoeiradas e foi para a sala com seus olhos redondos e um olhar inquiridor, prometi que não mudaria nunca mais, mas eu não podia suportar mais as casas acabadas, Não gaste sua coleção de moedas, digo quando ele abre a porta e um vento frio se precipita sobre mim.

domingo, 20 de maio de 2012

Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor

                     Lô Borges/Márcio Borges


Cheguei a tempo de te ver acordar
Eu vim correndo à frente do sol
Abri a porta e, antes de entrar,
Revi a vida inteira.
Pensei em tudo que é possível falar
Que sirva apenas para nós dois,
Sinais de bem, desejos de cais
Pequenos fragmentos de luz
Falar da cor dos temporais
de céu azul, das flores de abril
Pensar além do bem, do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu
O mundo lá, sempre a rodar
Em cima dele, tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor
Estrada de fazer o sonho acontecer
Pensei no tempo, e era tempo demais
Você olhou sorrindo pra mim
Me acenou um beijo de paz
Virou minha cabeça
Eu simplesmente não consigo parar
Lá fora, o dia já clareou...
Mas se você quiser transformar
O ribeirão em braço de mar
Vai ter que encontrar
Aonde nasce a fonte do ser
E perceber meu coração
Bater mais forte só por você
O mundo lá, sempre a rodar.

Música que abre o segundo CD da cantora Bruna Caran intitulado Feriado Pessoal lançado em 2009.

Calma Aí

             Monique Kessous


Calma aí, peraí
Não espere tanto desse amor
Outra vez, sem sentir
Corro para os braços que me largam
Na tristeza de sentir tanta solidão
Acompanhada por aí de tanto amor pra dar
Não vou mais chorar
Não quero dizer mais nada de mal
Olha aqui, meu amor
Não se esqueça nunca que eu tentei
Sem rancor, sem mentir
Sempre fiz aquilo tudo que te prometi

Meu amor, foi tanto amor
Que eu quis que fosse eterno até morrer
Mas sei que foi enquanto em mim durou
Talvez nós dois sejamos um
É fato que se consolidará
Um novo amor, o nosso amor, amor

Música do segundo CD da cantora Monique Kessous lançado em 2010.

Frio

              Monique Kessous


Cada vez que eu penso em te ver
Vejo que não dá pra esquecer
Todo o tempo que já passou
Tanta coisa ainda ficou

Como pode ser triste assim
Se eu te amo e sei que não tem razão?
Eu ainda quero ser seu
Não me importa se eu sentir frio

Se eu sentir frio
Eu fico acordado
Fico ao seu lado
Até não ter vento
Folhas jogadas
Minhas pegadas
Vão caminhando até você

Música do segundo CD da cantora Monique Kessous, lançado em 2010.

Pareço Um Menino

                Piska/César Augusto


Apenas você tem o dom
De mudar meu destino
É só me tocar com seus olhos
Pareço um menino...

Deitado em seu colo
O mundo não me surpreende
Sou homem maduro
Mas na sua frente
Não sou mais que um menino...

Você tem a luz
Que ilumina
O nosso caminho
Depois de você
Descobri
Que não sou mais sozinho...

Você é o amor
Que a vida me deu de presente
Sou homem maduro
Mas na sua frente
Pareço um menino...

Você me abraça
E a tristeza vai embora
A dor que existe
Fica da porta pra fora
A gente briga
Mas é coisa que acontece
Logo o coração esquece
Porque a gente se adora...

canção do repertório do cantor Fábio Jr.

Volta Pra Mim

               Cleberson Horsth/Ricardo Feghali


Amanheci sozinho
Na cama um vazio
Meu coração que se foi
Sem dizer se voltava depois
Sofrimento meu
Não vou aguentar
Se a mulher
Que eu nasci pra viver
Não me quer mais...

Sempre depois das brigas
Nós nos amamos muito
Dia e noite a sós
O universo era pouco pra nós
O que aconteceu
Pra você partir assim
Se te fiz algo errado
Perdão
Volta pra mim...

Essa paixão é meu mundo
Um sentimento profundo
Sonho acordado um segundo
Que você vai ligar
O telefone que toca
Eu digo alô sem resposta
Mas não desliga
Escuta o que eu vou te falar...
Eu te amo e vou gritar
Pra todo mundo ouvir
Ter você é meu
Desejo de viver
Sou menino e teu amor
É que me faz crescer
E me entrego corpo e alma
Pra você...

Sempre depois das brigas
Nós nos amamos muito...

canção do repertório do grupo Roupa Nova.