domingo, 27 de maio de 2012

Filho

               Ana Miranda


Meu filho diz que vai embora, isso me perturba, vejo minhas mãos ainda sujas de leite, nem sei que conselhos dar, Não peça nada a ninguém, ou, Engraxe os sapatos, por que temos de perder tudo o que criamos? pobre filho, teve uma mãe destrambelhada, ficou só no mundo para fazer de si um homem, nem mesmo tive paciência para o ajudar no dever de casa, nem tentei explicar-lhe como desfazer um nó, quantas vezes adormeci antes dele ou lhe dei mingau queimado, ele teve de suportar a minha instabilidade, as mudanças de estado de espírito, as mudanças de trabalho, de casa, quando nos mudamos pela primeira vez ele disse chorando enquanto arrumava suas malas que nunca mais faria amigos que viveria solitário e casmurro e nunca mais iria sorrir, o burro-sem-rabo levou nossas poucas coisas amarradas, uma caixa de livros, uma cesta de panelas, pratos e talheres, alguns lençóis, um espelho que foi de minha avó, uma poltrona rasgada, um baú de brinquedos, um fogão enferrujado, num dia de domingo, enquanto eu puxava meu filho pela mão, mas um ano depois, ou melhor, após um ano amuado a trancado em casa ele encontrou um menino na portaria do edifício, o filho do porteiro, um menino de olhos verdes, e travaram amizade, voltou à vida normal de criança, jogava bola no pátio, fez outros amigos, mas precisei mudar novamente, arrastando-o pela mão atrás do burro-sem-rabo, um quadro de paisagem marinha, um abajur de renda, uma coleção de bolas de gude, os nossos bens amarrados com corda, suas lágrimas queimando meu peito, mas eu nada podia fazer, era irresistível, tudo já havia mudado dentro de mim e a casa não me servia mais, numa das vezes ele ficou um ano sem desfazer as malas, sem abrir o baú de brinquedos, seu prazo de ressentimento era de um ano, um ano depois ele desfez as malas e retirou as roupas amarfanhadas, pendurou nos cabides  vazios, encheu as gavetas empoeiradas e foi para a sala com seus olhos redondos e um olhar inquiridor, prometi que não mudaria nunca mais, mas eu não podia suportar mais as casas acabadas, Não gaste sua coleção de moedas, digo quando ele abre a porta e um vento frio se precipita sobre mim.

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