domingo, 15 de dezembro de 2013

Depois

   Arnaldo Antunes/Carlinhos Brown/Marisa Monte


Depois
De sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós

Depois
De tantos desenganos
Nós nos abandonamos
Como tantos casais

Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também

Depois
De varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão

Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar

Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também

Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar

Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar

Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também

Depois
De aceitarmos os fatos
De trocar seus retratos
Pelos de um outro alguém

Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém

Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois

Música do CD " O que você quer saber de verdade ", de Marisa Monte, gravado em 2011.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sobre Moluscos e Homens

         Rubem Alves


Piaget, antes de se dedicar aos estudos da psicologia da aprendizagem, fazia pesquisas sobre os moluscos dos lagos da Suíça.

Os moluscos são animais fascinantes. Dotados de corpos moles, seriam petiscos deliciosos para os seres vorazes que habitam as profundezas das águas, e há muito teriam desaparecido se não fossem dotados de uma inteligência extraordinária. Sua inteligência se revela no artifício que inventaram para não se tornarem comida dos gulosos: constroem conchas duras e lindas (que os protegem da fome dos predadores)!

Ignoro detalhes da biografia de Piaget e não sei o que o levou a abandonar seu interesse pelos moluscos e a se voltar para a psicologia da aprendizagem dos humanos. Não sabendo, tive de imaginar. E foi imaginando que pensei que Piaget não mudou o seu foco de interesse. Continuou interessado nos moluscos. Só que passou a concentrar sua atenção num tipo de molusco, chamado " homem ".

Muito nos parecemos com eles: nós, homens, somos animados de corpo mole, indefesos, soltos numa natureza cheia de predadores. Comparados com os outros animais, nossos corpos são totalmente inadequados à luta pela vida. Vejam os animais: eles dispõem apenas do seu corpo para viver. E o seu corpo lhes basta. Seus corpos são ferramentas maravilhosas: cavam, voam, correm, orientam-se, disfarçam-se, comem, reproduzem-se. Nós, se abandonados apenas com o nosso corpo, teríamos vida muito curta.

A natureza nos pregou uma peça: deixou-nos, como herança, um corpo molengão e inadequado, que, sozinho, não é capaz de resolver os problemas vitais que temos de enfrentar. Mas, como diz o ditado, " é a necessidade que faz o sapo pular ". E digo: é a necessidade que faz o homem pensar. Da nossa fraqueza surgiu a nossa força, o pensamento. Parece-me, então, que Piaget, provocado pelos moluscos, conclui que o conhecimento é a concha que construímos a fim de sobreviver.

O pensamento, mais que um simples processo lógico, desenvolve-se em resposta a desafios vitais. Sem o desafio da vida o pensamento fica a dormir... O pensamento se desenvolve como ferramenta para construirmos as conchas que a natureza não nos deu.

O corpo aprende para viver. É isso que dá sentido ao conhecimento. O que se aprende são ferramentas, possibilidades de poder. O corpo não aprende por aprender. Aprender por aprender é estupidez. Somente os idiotas aprendem coisas para as quais eles não tem uso. É o desafio vital que excita o pensamento. E nisso o pensamento se parece com  o pênis. Não é por acidente que os escritos bíblicos dão ao ato sexual o nome de " conhecimento "...

Sem excitação, a inteligência permanece pendente, flácida, inútil, boba, impotente. Alguns há que, diante dessa inteligência flácida, rotulam o aluno de " burrinho "... Não, ele não é burrinho. Ele é inteligente. E sua inteligência se revela precisamente no ato de recusar-se a ficar excitada por algo que não é vital. Ao contrário, quando o objeto a excita, a inteligência se ergue, desejosa de penetrar no objeto que ela deseja possuir.

Os ditos " programas " escolares se baseiam no pressuposto de que os conhecimentos podem ser aprendidos numa ordem lógica predeterminada. Ou seja: ignoram que a aprendizagem só acontece em resposta aos desafios vitais no momento (insisto na expressão " no  momento "; a vida só acontece " no momento ") da vida do estudante. Isso explicaria o fracasso das nossas escolas. Explicaria também o sofrimento dos alunos, a sua justa recusa em aprender, a sua alegria ao saber que a professora ficou doente e vai faltar...

Não há pedagogia ou didática que seja capaz de dar vida a um conhecimento morto. Acontece, então, o esquecimento: o supostamente aprendido é esquecido. Não por memória fraca; é esquecido porque a memória é inteligente. A memória não carrega conhecimentos que não fazem sentido e não podem ser usados. Ela funciona como um escorredor de macarrão. Um escorredor de macarrão tem a função de deixar passar o inútil e guardar o útil e prazeroso. Se foi esquecido, não fazia sentido.

Por isso acho inúteis os exames oficiais (inclusive os vestibulares) feitos para avaliar a qualidade do ensino. Eles produzem resultados mentirosos por serem realizados no momento em que a água ainda não escorreu. Eles só diriam a verdade se fossem feitos muito tempo depois, depois do esquecimento haver feito o seu trabalho.

O aprendido é aquilo que fica depois que tudo foi esquecido... Vestibulares: tanto esforço, tanto sofrimento, tanto dinheiro, tanta violência à inteligência... O que sobra no escorredor de macarrão, depois de transcorridos dois meses? O que restou no seu escorredor de macarrão de tudo o que você teve de aprender? Duvido que os professores de cursinhos passem nos vestibulares. Duvido que um professor especialista em português saia bem em matemática, física, química e biologia... Eles também esqueceram. Duvido que os professores universitários passem nos vestibulares. Eu não passaria. Então, por que essa violência sobre os estudantes?

Ah! Piaget! Que fizeram com a sua sabedoria? É preciso que os educadores voltem a aprender com os moluscos...

domingo, 24 de novembro de 2013

Aniversário

   Álvaro de Campos/Fernando Pessoa


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera a sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem a acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humanidade no corredor do fim da casa,
Pondo gelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Como uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos de louça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado -,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Para, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça! 
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Canção no Rádio

     Joanna/Tony Baía/Tharcísio

Quando ouvir no rádio essa canção de amor
Não fale nada, escute os versos
Sinta, por favor
É uma canção feita pra você ouvir

Sem o seu carinho e amor, meu bem
Quero dizer que nessa vida
Eu não sou ninguém
Não posso esquecer, quero lembrar você

Quando vejo a nossa estrela
Espero o dia amanhecer
Tenho o seu perfume em minha boca
Saudade que aperta e que faz doer

Mar de água cristalina
Traga o meu amor assim
Feito luz do sol, que coisa linda
Brilho da manhã que nasceu em mim

Quando ouvir no rádio essa canção de amor
Preste atenção, tente entender
Me ouça, por favor
É uma canção feita pra você ouvir

Só o que eu quero é te fazer lembrar
E, em tudo que eu cantar, será por nosso amor
Leve essa canção
Seja aonde for

Música do então LP de Joanna gravado em 1985.
 

sábado, 19 de outubro de 2013

Uma História Para Viver


Meu cunhado abriu a última gaveta da cômoda e retirou um pacote embrulhado com papel de seda. " Isto ", disse ele, " não é uma combinação. Isto é uma lingerie ". Ele desembrulhou e entregou-me a peça. Era linda, de seda, feita a mão e bordada com rendas. A etiqueta de preço com um desenho enorme ainda estava afixada na peça. " Jan comprou-a na primeira vez que estivemos em New York, há uns 8 ou 9 anos. Ela nunca usou. Estava guardando-a para uma ocasião especial. Bem, acho que agora é a ocasião. " Ele pegou a peça das minhas mãos e colocou-a na cama junto com as outras roupas que separamos para levar à funerária. Ele acariciou a peça por um momento, bateu a gaveta, virou-se para mim e disse: " Nunca guarde nada para uma ocasião especial!! Todo dia é uma ocasião especial! "

Fiquei relembrando aquelas palavras durante o funeral e os dias que se seguiram, quando os ajudei, ele e a minha sobrinha a superar a tristeza que segue uma morte inesperada. Fiquei pensando neles durante o voo de volta para a Califórnia.

Pensei em todas as coisas que a minha irmã não pode ver, ouvir ou fazer. Pensei nas coisas que continuo pensando, nas palavras dele, elas mudaram minha vida. Estou lendo mais e espanando menos. Fico sentado na cadeira admirando a vista do jardim sem a neura de ficar arrancando ervas daninhas. Estou gastando mais tempo com minha família e amigos e menos tempo em reuniões de comitês. Sempre que possível, a vida deveria ser uma experiência a ser saboreada, e não uma prova. Estou tentando reconhecer estes momentos e usufruí-los. Não estou guardando nada, usamos todas as nossas porcelanas chinesas e os cristais para todos os eventos especiais, como: perder alguns quilos, consertar um vazamento da pia, para a primeira florada das camélias. Visto meu blazer preferido para ir ao mercado quando sinto vontade.

Minha teoria é: se sinto que está sobrando dinheiro, compro um pacote de guloseimas sem pestanejar. Não estou guardando meu melhor perfume para festas especiais; os caixas em lojas e atendentes em bancos têm narizes que funcionam tão bem quanto os dos meus amigos de festas. " Algum dia " e " um dia desses " estão perdendo a importância em meu vocabulário. Se for útil ver, ouvir e fazer, quero ver, ouvir e fazer agora.

Não sei o que a minha irmã teria feito se soubesse que estaria aqui para o amanhã que foi permitido para nós. Acho que ela teria ligado para todos da família e a alguns amigos íntimos. Poderia ter ligado para antigos amigos para se desculpar e reparar brigas do passado sem importância. Penso que ela teria ido jantar em um restaurante chinês, sua comida favorita. Estou supondo... Nunca saberei...

São essas pequenas coisas deixadas sem fazer que me deixaram bravo se soubesse que meu tempo seria limitado. Bravo por ter, algum dia, cancelado encontros com bons amigos. Bravo por não ter escrito cartas que pretendia ter escrito. Bravo e arrependido por não ter dito mais frequentemente ao meu companheiro o quanto eu realmente o amo.

Estou tentando muito não adiar, impedir ou guardar alguma coisa que proporcione alegria e brilho a nossas vidas. E toda manhã quando abro meus olhos, digo a mim mesmo que isso é especial.

Todo dia, todo minuto, todo suspiro é realmente... um presente de Deus!!

autoria desconhecida

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ultimatum (trecho)

             Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

Fora tu,
reles
esnobe
plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
e tu, da juba socialista, e tu, qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos!

Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir

Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar
Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Passai frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa
Descascar batatas simbólicas

Fechem-me tudo isso a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais janelas
Do que todas as janelas que há no mundo

Nenhuma ideia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma ideia grão
E o mundo quer a inteligência nova
A sensibilidade nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada

Eu, da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu, da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um novo mundo

Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico

E saudando abstratamente o infinito.   

O Homem

      Roberto/Erasmo

Um certo dia um homem esteve aqui
Tinha o olhar mais belo que já existiu
Tinha no cantar uma oração
E no falar a mais linda canção que já se ouviu

Sua voz falava só de amor
Todo gesto seu era de amor
E paz
Ele trazia no coração

Ele pelos campos caminhou
Subiu as montanhas e falou do amor maior
Fez a luz brilhar na escuridão
O sol nascer em cada coração que compreendeu

Que além da vida que se tem
Existe uma outra vida além e assim...
O renascer
Morrer não é o fim

Tudo que aqui Ele deixou
Não passou e vai sempre existir
Flores nos lugares que pisou
E o caminho certo pra seguir

Eu sei que Ele um dia vai voltar
E nos mesmos campos procurar o que plantou
E colher o que de bom nasceu
Chorar pela semente que morreu sem florescer

Mas ainda há tempo de plantar
Fazer dentro de si a flor do bem crescer
Pra Lhe entregar
Quando Ele aqui chegar

Tudo que aqui Ele deixou
Não passou e vai sempre existir
Flores nos lugares que pisou
E o caminho certo pra seguir

Moreno Moreno

      Ivan Lins/Vitor Martins

Te trouxe meus olhos lavados no rio
Flores do campo e meu colo macio
Moreno moreno

Te trouxe os respingos da chuva miúda
O verde novinho das ramas e mudas
Moreno moreno

Te trouxe a chave do meu coração
Fechado, selado de tanta paixão
Para que fosses dono e senhor
De mim, de mim

Te trouxe o que tenho à boca sedenta
Secretos desejos, meu beijo de menta
Moreno moreno

Te trouxe agrados com mãos de cetim
E a fogueira que arde bem dentro de mim
Ah! Moreno moreno

Te trouxe a chave do meu coração
fechado, selado de tanta paixão
Para que fosses dono e senhor 
De mim, de mim

Música gravada pela cantora Lúcia Helena para a trilha de uma telenovela em 1990.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Porque sim, por que não

        Luli e Lucina

Porque sim
Vale tudo na selva dos sentidos
Porque não
Dois caçadores não se caçam
A cara e a coroa se contestam
E o tempo é pouco
Porque sim
As garras não seguram o nada
Apesar de acreditarmos
Nas nossas mentiras
No jogo da vida
É doido perder nessa terra
De feras sem lei
No super real tudo é belo
Nas traças do amor
Bebemos todo o sonho
Explosão deserta
Há um grito em meu peito
Meu coração voou de dentro
Porque sim
Somos mosaicos de momentos
Porque não
Sempre tentamos
Penetrar na fresta
Cravados na mente o sim e o não
Na escolha a gente cresce
Ou some de vez

Música do CD " 25 Anos " gravado em 1996.

Entre O Sim E O Não

          João Donato/Abel Silva

Há tanta coisa entre o sim e o não
É tão difícil entender
O que pretende o meu coração
Em seu estranho querer
Onde ele vai eu nem sempre vou
Bate distante de mim
E às vezes dói onde eu não estou
Incompreensível assim
Sei que lá fora agora é o mar
Sua presença me diz
Não é difícil imaginar
Eu com você sou feliz
Qualquer esquina, qualquer lugar
Um beijo, um aperto de mão
Meu coração sabe desejar
Pena que seja ilusão

Ah! Eu não quero a saudade
Na realidade
Eu quero é você
Mas no amor está provado
Não vale o ditado:
Querer é poder

Abro os meus olhos, não vou chorar
Quem sabe lá se você
Não pensa agora em telefonar
Surpreendida de ver
Que o amor dá voltas de arrepiar
Tanta surpresa e emoção
Desejo tanto acreditar
Eu e o meu coração

Música gravada no CD " Simone Bittencourt de Oliveira " de 1995.