terça-feira, 3 de abril de 2012
Lobão em dose dupla
Chorando no Campo
Lobão/Bernardo Vilhena
A chuva cai chorando
E o meu amor vai e vem
No céu, no chão
A rede vai e vai levando
A noite além da noite
Me faz lembrar
O que eu não vivi
Toda essa história
Esse segredo
Memórias de um vendaval
Pela estrada enquanto eu passo
O cinema é só ilusão
Vou chorando pelo campo
No meio do temporal
A chuva dá saudades
De um lugar que eu nunca fui
E o vento vai soprando
Um choro tão distante
Pela estrada enquanto eu passo
O cinema é só ilusão
Vou chorando pelo campo
No meio desse temporal
Por Tudo Que For
Lobão/Bernardo Vilhena
E depois
A luz se apagou
E eu não consigo mais ficar sozinho aqui
Sem você
É tão ruim
Não tem sentido prazer não há mais nada
Por favor
Não me interpreta mal
Eu não queria nem devia te magoar
O tempo vem
O tempo vai
Passa por mim meio assim, meio assim devagar
Vou dormir sentindo
O que a solidão pode fazer
A um ser ferido
Por saber que o erro era meu
Já passou
Agora já passou
Mas foi tão triste que eu não quero nem lembrar
Ver você
Ter você
E querer mais de nós dois não tem nada demais
E pensar
Você aparecer
Pela janela tão bonita de manhã
Vem pra mim
E não vai mais
Me abraça, me abraça, me abraça por tudo que for
A primeira música faz parte do álbum Vida Bandida gravado em 1987; a segunda, do álbum Cuidado de 1988. Não conheço a obra do Lobão, mas a impressão que tenho é a de que esses discos são os melhores que ele gravou. São da época do LP e não foram relançados em CD. Uma pena!! E por incrível que possa parecer, ganhei os dois discos de uma colega de trabalho. O filho estava se desfazendo de tudo e ela perguntou se eu queria. Como não tinha nada do Lobão e adoro novidades, aceitei-os!! São duas canções que considero " inseparáveis ". As letras são do grande Bernardo Vilhena, poeta e letrista que fez muita coisa com o Ritchie. O lirismo delas é uma coisa genial e delicada. Poderia soar estranho ouvir o Lobão cantando... tão suave!! Mas o Lobo ficou manso por causa delas... Sensacional!!
segunda-feira, 2 de abril de 2012
O Som da Floresta
Há muitos anos, em um reino longínquo, um rei, pressentindo que estava chegando ao fim de seus dias, ponderou que a melhor maneira de preparar o seu filho para substituí-lo seria enviando-o para permanecer por algum tempo em companhia de um grande sábio, que morava em um templo distante, situado na fronteira de uma densa floresta. Era seu desejo que o sábio ensinasse ao príncipe as regras de um grande dirigente, transmitindo-lhe toda a sabedoria necessária para isso. Quando o príncipe chegou ao templo, com a incumbência de permanecer com o mestre, este respondeu que, como parte de sua formação, ele deveria ir para a floresta, aí permanecendo por um ano, ouvindo todos os sons da floresta e retornando a seguir.
Embora chateado, pois não era isto o que esperava, o príncipe foi para a floresta, voltando ao tempo após o prazo estipulado. Ao encontrar com o sábio, este solicitou ao jovem para descrever todos os sons que tinha ouvido. " Mestre ", respondeu o príncipe, " eu ouvi o canto dos pássaros, o ruído das folhas balançando ao vento, o zumbido das abelhas, o som do riacho correndo no seu leito, o estrando dos trovões... ", descrevendo com pormenores todos os sons que tinha registrado.
Quando o príncipe terminou o seu relato, o mestre disse-lhe para ir novamente para a floresta e ouvir tudo mais que ele poderia ter ouvido. O jovem mostrou-se perplexo e surpreso. Não teria ele ouvido todos os sons possíveis daquela floresta?
Durante muitos dias e noites, permaneceu o príncipe sozinho na floresta, meditando e buscando por novos sons que eventualmente lhe teriam passado despercebidos. Mas nada de novo era registrado, a não ser o que ele já havia escutado.
Então, numa certa manhã, quando o príncipe estava sentado silenciosamente à sombra de uma árvore, começou a discernir sons muito leves, diferentes de tudo que ele tinha ouvido anteriormente. Quanto mais atenção prestava, mais claros os sons se tornavam. Um sentimento de grande alegria envolveu o jovem. " Estes devem ser os sons que o mestre desejava que eu discernisse ", refletiu.
Quando o príncipe voltou ao templo, o mestre perguntou-lhe sobre o que mais ele tinha ouvido. " Sábio ", respondeu o príncipe com reverência, " quando eu estava na floresta, pude escutar o inaudível - o som das flores se abrindo, o som do sol esquentando a terra, o som do orvalho se formando. " O mestre balançou a cabeça, com aprovação. " Ouvir o inaudível ", lembrou ele, " é disciplina necessária a todo grande líder, pois somente quando o líder é capaz de ouvir o coração das pessoas, escutar os sentimentos não-comunicados, as dores não expressas, as queixas não-ditas, pode ele ter esperança de inspirar confiança no seu povo, compreender quando algo está errado, satisfazer as necessidades verdadeiras de seus subordinados. "
autoria desconhecida
O Burro de Carga
No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de um famoso palácio real, um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias dos companheiros de apartamento. Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes do lobo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse orgulhoso: " Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição nas corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis! ". " - Pudera! " exclamou um potro de fina origem inglesa. " - Como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça? ". O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente. Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou: " - Há dez anos, quando me ausentei da pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos do bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia. " Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade: " Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil... Não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece amor-próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite; mas se me constrangem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar... " As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe das cavalarias: " - Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade. " - informou o monarca - " - Animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança. " O empregado perguntou: " - Prefere o árabe, Majestade? " " Não, não " - falou o soberano - " É muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais, que não tem tanta importância. " " Não quer o potro inglês? " " - De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça. " " Não deseja o húngaro? " " - Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho. " " - O jumento espanhol serviria? " - insistiu o servidor atencioso. " - De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança. " Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou: " - Onde está meu burro de carga? " O chefe das cocheiras indicou-o entre os demais. O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecentes de sua casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para uma longa viagem... E ficou tranquilo, sabendo que poderia colocar toda a sua confiança naquele animal... Assim também acontece na vida. Somente auxiliam seguramente, somente estão preparados para desempenhar algumas tarefas, aqueles que já aprenderam a servir com humildade, sem pensar em si mesmo!
autoria desconhecida
domingo, 1 de abril de 2012
O Hóspede
Castro Alves
Onde vais, estrangeiro! Por que deixas
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto?...
Pálido moço! Um dia tu chegaste
De outros climas, de terras bem distantes...
Era noite!... A tormenta além rugia...
Nos abetos da serra a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.
Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o rio...
De teu cavalo o galopar soava,
E teu cão ululando replicava
Aos surdos roncos do trovão bravio.
Entraste! A loura chama do brasido
Lambia um velho cedro crepitante,
Eras tão triste ao lume da fogueira...
Que eu derramei a lágrima primeira
Quando enxuguei teu manto gotejante!
Onde vais, estrangeiro? Por que deixas
Esta infeliz, missérrima cabana?
Inda as aves te afagam do arvoredo...
Se quiseres... as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.
Queres voltar a este país maldito
Onde a alegria e o riso te deixaram?
Eu não sei tua história... mas que importa?...
... Boia em teus olhos a esperança morta
Que as mulheres de lá te apunhalaram.
Não partas, não! Aqui todos te querem!
Minhas aves amigas te conhecem.
Quando à tardinha volves da colina
Sem receio da longa carabina
De lajedo em lajedo as corças descem!
Teu cavalo nitrindo na savana
Lambe as úmidas gramas em meus dedos,
Quando a fanfarra tocas na montanha,
A matilha dos ecos te acompanha
Ladrando pela ponta dos penedos.
Onde vais, belo moço? Se partires
Quem será teu amigo, irmão e pajem?
E quando a negra insônia te devora,
Quem, na guitarra que suspira e chora,
Há de cantar-te seu amor selvagem?
A choça do desterro é nua e fria!
O caminho do exílio é só de abrolhos!
Que família melhor que meus desvelos?...
Que tenda mais sutil que meus cabelos
Estrelados no pranto de teus olhos?...
Estranho moço! Eu vejo em tua fronte
Esta amargura atroz que não tem cura.
Acaso fulge ao sol de outros países,
Por entre as balças de cheirosos lises,
A esposa que tua alma assim procura?
Talvez tenhas além servos e amantes
Um palácio em lugar de uma choupana,
E aqui só tens uma guitarra e um beijo,
E o fogo ardente de ideal desejo
Nos seios virgens da infeliz serrana!...
No entanto Ele partiu!... Seu vulto ao longe
Escondeu-se onde a vista não alcança...
...Mas não penseis que o triste forasteiro
Foi procurar nos lares do estrangeiro
O fantasma sequer de uma esperança!...
O Morcego
Augusto dos Anjos
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
Vou mandar levantar outra parece...
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Versos Íntimos
Augusto do Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
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