sexta-feira, 18 de abril de 2025

A crase não é um bicho-de-sete-cabeças

 O Gramático Celso Pedro Luft dizia que, se os alunos erravam a crase além do razoável, era porque andavam lhes ensinando demais o assunto. É exatamente o que a experiência mostra: entra ano, sai ano, e a impressão é que se sabe cada vez menos sobre crase. E, apesar de fazer parte dos conteúdos programáticos desde as séries iniciais até a universidade, parece que a crase não tem sido devidamente compreendida por milhões de pessoas.


ENSINO DE MAIS, APRENDIZAGEM DE MENOS?

Arremesse um livro de gramática quem nunca, diante de um inofensivo a, numa redação escolar, num artigo para jornal ou mesmo num trabalho acadêmico, ficou suando para saber se aquele bendito recebia ou não acento. O desconhecimento é tão enorme que inunda o nosso cotidiano. Quem por acaso nunca leu num panfleto de pizzaria expressões como "forno à lenha", "entrega à domicílio" ou "de segunda à domingo"?

A situação fica pior quando os erros aparecem em material escrito proveniente de segmentos que deveriam, em tese, zelar pelo bom uso do idioma, como as instituições de ensino (para ficarmos somente aí):

* Viagem à New York (órgão informativo de um centro universitário);

* de 18 à 22 de junho (cartaz de congresso):

* 22 à 24 de maio (cartaz de congresso de fisioterapia).


QUESTÃO MORFOSSINTÁTICA

Em vez de "casos" em que não se usa o acento indicativo da crase, o assunto poderia ser reduzido a uma questão morfossintática apenas. Assim, na sequência "Vou à padaria", há crase porque houve a contração de dois "a", pois o primeiro a se refere ao verbo vou (pois quem vai, vai a algum lugar). Trata-se de uma questão de regência verbal, porque o verbo vou precisa ser completado pela preposição a; aliás, o verbo vou exige a presença da preposição a.

O segundo a se refere à palavras feminina padaria, que a acompanha, pois ela admite o artigo feminino a. Trata-se de uma questão de morfologia, porque a palavra feminina admite o artigo feminino a. A fusão do a do verbo ir + o a da palavra feminina padaria resulta no à.

Se o exemplo proposto não se encaixar no que acima foi apresentado, ficará claro que uma das situações para o uso do acento não foi observado. Daí resulta no que chamamos de "o segredo da crase".


O SEGREDO DA CRASE

Como sabemos, a crase é a contração da preposição "a" com o artigo feminino "a", por isso é condição essencial que ela ocorra com palavra feminina. É necessário também que a palavra dependa de outra que exija a preposição "a". E por último: é imprescindível que a palavra admita o artigo feminino "a" (eis o segredo).

Por exemplo, na frase "Eu fui a Mauá", não podemos acentuar o "a" que antecede "Mauá", porque a palavra não admite antes de si o artigo feminino "a". Dizemos: "Mauá é cidade linda", e não "A Mauá..." Isso prova que o "a" da frase "Eu fui a Mauá" é simples preposição, que faz parte do verbo "ir", pois o verbo exige a preposição "a" (quem vai, vai a algum lugar).


Texto de Sérgio Simka retirado do revista  Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 15, Escala Educacional, São Paulo. (É um trecho do seu livro Crase não é um bicho-de-sete-cabeças, Editora Ciência Moderna, 2009).

domingo, 13 de abril de 2025

Transformar Informação em Conhecimento

Nasci em uma época na qual a informação não estava "à distância de um clique", em que ter todos os tomos da Enciclopédia Barsa era luxo de poucos e, por isso, grande parte dos estudantes tinha por hábito frequentar a biblioteca da escola. Diante das dificuldades que enfrentávamos, quando nos deparávamos com uma informação relevante nós a guardávamos a sete chaves, a esmiuçávamos, buscávamos entender tudo que estivesse relacionado a ela - refletíamos, elaborávamos, compreendíamos e, por fim, chegávamos à síntese da ideia e nos apropriávamos dela - ou seja, transformávamos informação em conhecimento.

Assim sendo, há duas perguntas que me perseguem:

1- Por que hoje, diante dos recursos tecnológicos a nosso dispor, os quais nos permitem acesso a informações sobre qualquer área do saber, os jovens vão perdendo ao longo de sua trilha o encanto e a alegria da descoberta, mostrados no início de seu caminhar, transformando-se em seres totalmente robotizados que repetem as informações adquiridas, sem a mínima elaboração de seu conteúdo ou consciência de seu significado?

2- Qual deveria ser o papel dos ditos formadores de opinião, entre deles os educadores, no despertar da consciência do jovem e na formação do ser ético e crítico?

De acordo com Celso Antunes (Como transformar informações em conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 11), vivemos em um período histórico de extrema banalização de informações. Estas, que antes chegavam aos poucos, capazes de serem assimiladas, comentadas e, portanto, mantidas na lembrança, foram literalmente "atropeladas" por um avanço incontrolável dos meios de comunicação e das ferramentas tecnológicas que nos trazem de toda parte, a cada segundo, uma infinidade de saberes. Tal avanço, fez com que as informações ganhassem uma nova dimensão e incomensurável volume, alterando de forma substancial o papel da escola e a função do professor.

Não faz muito tempo, cabia ao professor transmitir aos alunos informações especializadas de sua disciplina e cabia aos pupilos assimilá-las. Hoje, essa tarefa não é imprescindível, pois as informações transitam por meios acessíveis a, praticamente, todos. No entanto, seu excepcional volume e a necessidade constante de sua atualização tornam primordial a intervenção de alguém que auxilie a transformação da informação em conhecimento, em habilidades, em práticas cívicas, éticas, cidadãs e, por fim, em sabedoria - ou que pelo menos ofereça as bases para que esta seja atingida.

Essa notável mudança de paradigma sobre a popularização da informação veio acompanhada de outra: o número crescente de estudos sobre o funcionamento da mente humana e dos meios que esta utiliza para assimilar conhecimentos.

As ciências cognitivas vieram para ficar, trazendo novas teorias sobre a mente e, por conseguinte, sobre a inteligência, a memória e a aprendizagem.

A convergência dessas duas mudanças demanda do professor uma nova postura - a de mediador cuja função é auxiliar o aluno a construir o conhecimento a partir das informações que estão a seu dispor. A sala de aula, assim como a escola, precisa assumir uma nova feição, deixar de ser vista como um espaço de conhecimentos e transformar-se em uma "academia de ginástica", onde o cérebro seja exercitado para receber estímulos e desenvolver inteligências, em um lugar onde conceitos, como ética, moral, empatia, cidadania e pensamento crítico deixem de ser mero idealismo e tornem-se parte da prática cotidiana.

Em suma, o extraordinário avanço da tecnologia e dos meios de comunicação e a popularização dos saberes, associado ao que hoje se sabe sobre como a mente humana aprende, reclamam por um novo professor - um profissional da educação que ensine seus alunos a colher informações, a organizá-las, a definir sua hierarquia e, sobretudo, os ajude a transformá-la em conhecimento, despertando-os para a importância de criar subsídios internos para a construção de saudáveis relações interpessoais.

Sem uma profunda e sensível reflexão sobre sua prática pedagógica, o profissional da educação pouco fará. Não há como lutar contra as drásticas mudanças ocorridas, recentemente, em nosso modus vivendi. Podemos usá-las a nosso favor e descobrir-nos como artesãos que criam soluções para os desafios impostos pela massificação da informação ou sucumbir a elas, mantendo-nos presos aos grilhões de práticas pedagógicas que já tiveram seus dias contados.

A escolha é nossa. A escolha é sua.


Texto de Cláudia S. Coelho retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 47, Editora Escala, São Paulo, 2014.

Ecologia Poética

Como pensar em ecologia sem incluir a preservação das palavras? E com a ecologia das palavras, quem se preocupa? E os lençóis subterrâneos da fala que são contaminados pelo sarcasmo, pelo cinismo e, sobretudo, pela indiferença, quem cuida de sua prevenção?

Corremos o risco de perder a natureza quando deixamos que a linguagem fale em nosso lugar e não mais falamos por ela. Quando somente transferimos a responsabilidade de dizer e de nomear pelo ato de repetir.

Não é o comportamento que condiciona as palavras. Mas as palavras formam o comportamento. As palavras são o comportamento. Somos palavras. De que adianta separar o lixo seco do orgânico se não separamos a linguagem orgânica da seca em nossa rotina? E a coleta seletiva da Língua, onde fica? De que vale cuidar do desperdício de água se não cuidamos também do desperdício de linguagem?

Não será igualmente criminoso usar palavras desnecessárias, sem entusiasmo, sem força de vontade, sem alegria? Por descaso ou descanso. Para ser compreendido e não pensar. Pela pressa, sendo que a pressa aumenta o esquecimento, inibe a lembrança.

Palavras são de vidro. Palavras são de metal. Palavras são de plástico. Palavras são de papel. Não se pode colocar todas com o mesmo peso, no mesmo destino. É preciso discerni-las.

Por dia, quantas palavras são reproduzidas desprovidas de sentido? Lançadas na terra como latas de alumínio, que demoram mais de um século para se decompor.

Um lugar-comum é tão poluente quanto pilhas e baterias de celular. Expressões que nada têm de pessoal, que não permitem a descoberta ou o deslumbramento, estancam a circulação do afeto. Cessam o gosto de falar. Interrompem o gosto de ouvir.

Quantos fósseis são abandonados no cotidiano do idioma, quantos verbetes esperam sua chance de tratamento no aterro sanitário do dicionário? Será que não viramos fantasmas se portamos uma Língua morta?

Poderíamos latir, poderíamos miar, poderíamos uivar, tudo isso é ainda comunicação. Mas falar não é somente comunicar, é se comprometer com a direção do timbre.

Palavras são de vidro. Palavras são de metal. Palavras são de plástico. Palavras são de papel. Não se pode colocar todas com o mesmo peso, no mesmo destino. É preciso discerni-las. Uma criança me entenderia.

Tolerância, por exemplo, é de vidro. Reboa por dentro. Faz volume antes de acabar. Não pode se jogada fora, pois levará milhões de anos antes de virar pó.

Respeito, por sua vez, é de metal. Inteiriça. Difícil de quebrar. Fala-se de uma única vez como uma lâmina.

Condescendência é de papel, o acento vai lá no fim, suscetível aos rasgos da tesoura e das mãos ansiosas. Soletre, veja, imagine. Deite a voz, não fique de pé.

Assim como reciclamos o lixo, as palavras dependem da renovação. Mudar a ordem, produzir significação, exercitar gentilezas, valorizar detalhes. Não deixá-las paradas, desacompanhadas, viúvas.

Talvez seja daí minha incompetência em me desfazer do arranjo de rosas que recebo no aniversário de casamento. Desligo as pétalas do miolo e espalho as rosas nos livros. Fazem sombras para as frases.

Até que ponto não se empregam palavras para se esconder o que se quer, para disfarçar, para ocultar?

É poluente dizer ao filho "nem se parece comigo" para ameaçá-lo. Uma convenção a que a maioria recorre para se livrar do cuidado, sacrificando um momento de particularizar sua experiência paterna e materna. Por que não procurar afirmar "você se parece comigo mesmo quando não se parece"?

Ou há algo mais solitário e desolador que resmungar "eu avisei" para sua mulher quando ela erra? Mostra que já a estava condenando antes de qualquer resultado e atitude. Em vez de cobrar, por que não compreender? Transformar o lixo hospitalar (sim, corta-se o braço dela com essa sentença) em adubo de frutas com a simples concisão de "a gente resolve".

São períodos postiços, artificiais, fingidos, que corrompem a respiração. Ao encontrar um colega antigo, logo nos despedimos: "Vamos nos ligar?" Isso significa o contrário, não vou telefonar nos próximos três anos.

Até que ponto não se empregam palavras para se esconder o que se quer, para disfarçar, para ocultar? Quantos sinônimos para não dizer absolutamente nada. Para se afastar do que realmente se desejava declarar. Foge-se da palavra certa pela palavra aproximada. Uma palavra vizinha não mora no mesmo lugar da verdade.

Palavra é sentimento. Mas - cuidado - as palavras não podem sentir sozinhas.

Palavra é poder. Ao esgotar seu significado, esgotamos nossa permanência.


Texto de Fabrício Carpinejar retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 45, Editora Escala, São Paulo, 2013.

sábado, 12 de abril de 2025

Professorar

Recomeço de aulas para quem é professor por escolha é revigorante, principalmente quando se lida com alunos ingressantes. Você nota os olhares curiosos, ávidos por novidades e a sensação de vitória de adolescentes, jovens e adultos que começam a fazer parte do contingente de 5,95 milhões de pessoas que compõem o ensino superior no Brasil (MEC, 2009), a maioria - 4,88 milhões - matriculada em cursos de graduação particulares e presenciais no país.

A arte de ser professor merece, no dicionário, espaço para um verbo específico, a que chamo "professorar". Professorar é elaborar material didático adequado ao perfil, à rotina e às necessidades dos discentes. Em Instituições de Ensino Superior (IES) particulares, principalmente no ensino noturno, é compreender que a maioria dos estudantes trabalha durante o dia, às vezes por turnos e/ou aos sábados; por vezes reside em outra cidade ou está alistado no Exército. Se é mulher, há que se compreender a necessidade de jornadas múltiplas: estudo, casa, marido, filhos, cachorro, curso de inglês, além de pequenos bicos, como vender doces ou sanduíche no intervalo das aulas ou fazer sobrancelha para ajudar a pagar a faculdade.

Professorar é ser também um pouco psicólogo, mãe, pai, amigo; é ter ouvidos atentos e empáticos para auscultar histórias de desabafo e de superação: alunos que saíram da depressão e hoje conseguem olhar o seu 'eu' verdadeiro no espelho; que persistem pagando os estudos, mesmo com mensalidades atrasadas, pois sustentam pais doentes; jovens que suportam pressões e dores imensas, como ter um irmão drogado que já tentou suicídio várias vezes; outros que se dizem tímidos, se consideram incapazes ou se sentem diminuídos, discriminados, por colegas ou pela sociedade.

Professorar é treinar não somente as competências técnicas, mas educar as comportamentais, mais sutis, subjetivas e intangíveis, como comunicação; relações interpessoais; criatividade; flexibilidade; trabalho em equipe; trabalho sob pressão e aceitação de desafios, essenciais para sobreviver, ascender e se diferenciar num mercado de trabalho tecnológico, econômica e culturalmente mutante. Consiste em cativar e cultivar valores pessoais corretos, bons, respeitosos em relação a si e aos outros e compartilhá-los por meio de um olhar acolhedor, humilde, da escuta atenta e de palavras de incentivo em relação às esperanças de novas conquistas, como comprar o primeiro computador pessoal; ter acesso a Internet e ser a primeira pessoa da família a ter um curso superior.

A Educação no Brasil, ao contrário do que muitos pensam, não é um caso perdido. Ela é feita de 307 mil professores (MEC, 2009) que acreditam que fazer sua parte e poder colaborar com o desenvolvimento alheio faz, sim, muita diferença. Comparo o professor a milhares de comunidades colaborativas, grupos de discussão ou indivíduos que criam sites, blogs ou videologs temáticos; eles têm algo - importante - a dizer. O que os motiva primeiramente não é a recompensa financeira, mas promover a autoaprendizagem e disseminar a produção coletiva do conhecimento em áreas de que gostam e cujo conhecimento dominam. Essa é uma prática social que professores também desejam aprofundar, seja em sala de aula ou por meio da Educação a Distância: a partilha do repertório de saberes que cada um encerra em prol do aprimoramento dos indivíduos e da sociedade.


Texto de Melissa Lucchi retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 42, Escala Editora, São Paulo, 2012.

Modo de Sentir (67)

 "Renovai-vos pelo espírito no vosso modo de sentir." - Paulo. (EFÉSIOS, 4:23)


Há muitos séculos o homem raciocina, obediente a regras quase inalteradas, comparando fatores externos segundo velhos processos de observação; rege a vida física com grandes mudanças no setor das operações orgânicas fundamentais e maneja a palavra como quem usa os elementos indispensáveis a determinada construção de pedra, terra e cal.

Nos círculos da natureza externa, em si, as modificações em qualquer aspecto são mínimas, exceção feita ao progresso avançado nas técnicas da ciência e da indústria.

No sentimento, porém, as alterações são profundas.

Nos povos realmente educados, ninguém se compraz com a escravidão dos semelhantes, ninguém joga impunemente com a vida do próximo, e ninguém aplaude a crueldade sistemática e deliberada, quanto antigamente.

Através do coração, o ideal de humanidade vem sublimando a mente em todos os climas do Planeta.

O lar e a escola, o templo e o hospital, as instituições de previdência e beneficência são filhos da sensibilidade e não do cálculo.

Um trabalhador poderá demonstrar altas características de inteligência e habilidade, mas se não possui devoção para com o serviço, será sempre um aparelho consciente de repetição, tanto quanto o estômago é máquina de digerir, há milênios.

Só pela renovação íntima, progride a alma no rumo da vida aperfeiçoada.

Antes do Cristo, milhares de homens e mulheres morreram na cruz, entretanto, o madeiro do Mestre converteu-se em luz inextinguível pela qualidade de sentimento com que o crucificado se entregou ao sacrifício, influenciando a maneira de sentir das nações e dos séculos.

Crescer em bondade e entendimento é estender a visão e santificar os objetivos na experiência comum.

Jesus veio até nós a fim de ensinar-nos, acima de tudo, que o Amor é o caminho para a Vida Abundante.

Vives sitiado pela dor, pela aflição, pela sombra ou pela enfermidade? Renova o teu modo de sentir, pelos padrões do Evangelho, e enxergarás o Propósito Divino da Vida, atuando em todos os lugares, com justiça e misericórdia, sabedoria e entendimento.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

domingo, 6 de abril de 2025

Ler ainda é o melhor remédio

 A influência de adultos leitores leva crianças a buscar e apreciar a leitura, ao invés de vê-la como uma obrigação desagradável


Para um professor de Língua Portuguesa ouvir seus alunos dizerem de forma categórica que não gostam de ler é tão desconfortável quanto deve ser para um cozinheiro ver suas iguarias rejeitadas ou para um artista ter as suas obras ignoradas. Então, sempre que ouço alguém dizendo que não gosta de ler me pergunto: qual será a trajetória de vida dessa pessoa? O que a distanciou da leitura?

Esses questionamentos são feitos quando se trata de um adulto, mas quando tais palavras saem da boca de uma criança, aí penso: acho que ainda posso fazer algo para reverter tal situação. Não que com um adulto seja inviável, mas é que na infância é possível trabalhar com essa situação de forma mais sutil e eficaz, através do encantamento e não por meio da razão e de argumentos como: "você precisa ler para melhorar a sua redação", ou, ainda, "a leitura é necessária para que seja alguém mais esclarecido".

Os pequeninos tendem a ser mais flexíveis e atraí-los fica muito mais fácil. No entanto, há muitos que não têm acesso nem sequer ao básico para sobreviver. Deixar uma criança sem livros é tão cruel e daninho quanto privá-la da alimentação, saúde e moradia. A leitura é o alimento que sacia uma necessidade natural do ser humano: o saber, a busca pelo conhecimento. Mas, se é algo tão natural, ler não deveria ser como respirar, piscar os olhos, andar? Infelizmente, não é assim que funciona. É preciso estimular, fomentar o gosto por tal prática, trazer à tona uma semente que necessita ser regada com incentivo, demonstração de amor, exemplos.

Sim, crianças precisam de bons exemplos e isso deve ser feito na escola, nas creches, no lazer, na casa dos pais, tios e avós, enfim, em tudo que envolva a vida da criança, porque só assim ela vai entender que a leitura é um hobby e não uma obrigação escolar, uma prática penosa, enfadonha, desvinculada do prazer. Pais leitores geram filhos leitores e o inverso também é verdadeiro.

Certa vez, nos tempos da faculdade, ouvi uma professora contando que em sua casa havia livros e revistas em toda parte. Até no banheiro do quarto da sua pequena filha havia uma cestinha com várias revistas em quadrinho e livros. Concluí então que o contato constante com qualquer objeto ou coisa torna-se íntimo e gera afeto, exemplo disso é o que acontece na relação com os animais. Crianças que convivem com animais de estimação, geralmente, sentem afeição por eles e isso perdura por toda vida. Por isso, a relação entre a criança e o livro deve ser cultivada dia após dia por profissionais da educação, pais, irmãos, parentes, amigos...

A etimologia da palavra ler remete ao latim legere: escolher, pegar, colher. Podemos dizer que ao ler escolhemos e pegamos as letras, colhemos as palavras que estão dispostas no papel, nas paredes, telas ou em qualquer suporte. Ler, inspirada no conceito de Paulo Freire, é ainda, aprender a interpretar o mundo, é ir além das letras. Fazendo uso das metáforas: é o remédio que cura a cegueira.


UMA MUDANÇA DE POSTURA

Quando falei, no início, que o processo de conquista na infância acontece pelo encantamento, referi-me à possibilidade de mostrar às crianças quão maravilhoso é entregar-se por inteiro às aventuras dos personagens travessos e mágicos que ganham vida na imaginação de cada "leitorzinho" que passeia os olhos pelas páginas preenchidas de histórias fantásticas.

Decerto, no mundo atual, falar sobre livros impressos e leitura parece tão medieval. Em meio a tablets, smarthones, sites e jogos eletrônicos, às vezes práticas simples se perdem no turbilhão tecnológico. Em uma era onde o tempo é curto e a velocidade dos gigabytes é o que importa é necessário dizer a uma criança que o prazer de ler reside na morosidade e que entregar-se à leitura é uma prática que não exige velocidade, pois, o deleite está em aproveitar cada palavra, cada linha e se perder no tempo é o que vale a pena.

Na escola, após o período de alfabetização, muitos alunos começam a repudiar a leitura porque são atraídos pelos encantos dos jogos e da TV disponíveis livremente em casa. Na sala de aula, a leitura não lhes é apresentada como algo lúdico, divertido; pelo contrário, a leitura torna-se mecânica, forçada. Os textos oferecidos, não raras vezes, são pouco interessantes, não aguçam a curiosidade dos iniciantes e ainda imaturos leitores.

Em alguns casos, meninos e meninas, nas séries iniciais, ainda são encaminhados para o caminho da leitura, mas os anos passam, as séries avançam e ler passa a ser atividade avaliativa, as obras indicadas, nem sempre estão de acordo com a idade do aluno, então datas, resumos forçados e notas são cobrados e o que era para ser diversão passa a ser uma tarefa realizada em motivação, focada apenas no interesse quantitativo, no valor a ser adquirido através daquele leitura.

Mas, por que isso acontece? Essa questão envolve alguns fatores, dentre eles estão os cronogramas engessados que priorizam quantidade e não qualidade. Envolve também uma realidade um tanto dolorosa e delicada: professores que não são leitores, docentes que não gostam de ler não conseguem estimular os seus ouvintes. Então, como defender uma causa se não se tem por ela a paixão necessária para provocar admiração no outro? Impossível engendrar no aluno o gosto por algo quando ele não percebe no adulto a veracidade nas palavras. Como o professor pode começar a falar sobre uma obra literária se ele próprio nunca passou pela experiência de degustar tal leitura?

Não adianta investir somente um cursos de "reciclagem" e/ou de formação continuada se não tivermos professores apaixonados; sim, deve existir e prevalecer entre o profissional e a leitura uma relação passional.

Enfim, formar leitores deve ser a missão primordial dos nosso educadores e o maior investimento dos pais. A leitura não deve restringir-se ao best seller ou aos clássicos literários, o verdadeiro leitor é aquele capaz de "devorar" textos de todos os gêneros, é aquele que caminha com leveza pelos contos machadianos e chega aos escritos mais atuais como as crônicas de Veríssimo, pois não despreza a leitura pela simples curiosidade de aprender, de saber mais.


Texto de Carla Cunha retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, Número 41, Escala Educacional, São Paulo, 2012.

A produção de textos nas escolas

 Diversas soluções são apresentadas para melhorar o nível das redações nas escolas, problema que requer atenção especial do professor de Língua Portuguesa


A afirmação de que o ensino de Língua Portuguesa no Brasil está em crise é recorrente no cotidiano acadêmico. A necessidade de melhoria no ensino de produção de texto nas escolas públicas brasileiras é indiscutível, aliás, é muito questionada por estudiosos da Língua. Ensinar conceitos de gramáticas normativas ou ensinar a funcionalidade da Língua? Dar ênfase aos desacordos gramaticais de uma produção textual ou analisar o sentido essencial do texto?

O ensino de Língua Portuguesa, em sua totalidade, é extremamente abrangente. Talvez o mais sensato fosse não priorizar uma ou outra vertente, mas tudo. Para tanto, demandaria tempo e estrutura nas escolas, envolvendo outras questões, inclusive a política.

Considerando o sistema tradicional de correção de textos nas escolas, sabe-se que uma produção textual para ser considerada boa deve apresentar, além de lógica entre as ideias, poucos desacordos gramaticais. Dessa forma, elaborar textos é uma atividade complexa, pois exige uma boa compreensão da gramática normativa e de encadeamento das frases no texto.

Algumas vezes, o problema educacional começa na formação do professor. Este, quando não consegue compreender o texto de um aluno, justifica os possíveis defeitos com conceitos abrangentes e, dessa maneira, aponta a falta de coerência ou talvez coesão. Nem o professor, porém, consegue esmiuçar a questão problemática, de modo a ficar clara a falha do texto.

O texto escrito necessita de uma atenção maior ao ser elaborado, já que não possui auxílio de alguns elementos que ajudam na compreensão do interlocutor como acontece no texto faca a face.

Antigamente, o ensino de produção de textos era focado na dissertação para o vestibular; dessa forma, elaboravam-se métodos específicos ou "receitas do texto". Atualmente, com a inserção dos gêneros textuais nos vestibulares, o aluno não pode ficar preso a um modo de escrita apenas; logo, deverá ampliar o seu repertório linguístico.

Na teoria parece funcionar. Na prática, porém, problemas antigos são visíveis em muitos textos atuais. Foi feita uma pesquisa acadêmica para observar o nível textual de alguns alunos de uma escola pública no Paraná e o resultado não foi muito animador. Os alunos participantes sabiam que as dissertações seriam materiais para estudo acadêmico, portanto, empenharam-se muito. Tirando as exceções, exemplos como os que estão abaixo são comuns no ensino médio. O fragmento foi escrito por um aluno do 3º ano do ensino médio:

"(Cidade X) é uma cidade grande e muito conhecida, apesar disso é uma cidade que falta emprego as pessoas e isso causa dificuldades para todos porque sem um trabalho não tem como comprar o que comer, o que vestir, não te, onde morar, e etc.

E isso causa muita tristeza, muito desânimo, muitas pessoas que são abandonadas e acabam sendo mortas, abandonadas pela sociedade, pelo mundo, mortas pelas enchentes."

Considerando o tema problemas de uma cidade grande, o aluno não foi coerente. Alguns problemas formais apareceram, mas o mais grave e importante a ser analisado talvez seja a falta de bons argumentos.


SOLUÇÃO COMPLEXA

Quantos estudos já corroboraram a crise do ensino de produção de textos? Medidas são tomadas, às vezes, para camuflar alguns problemas. Infelizmente a educação depende de muitos fatores para funcionar, principalmente da política.

A reversão desses caminhos negativos é árdua. A preocupação com a qualidade textual de alunos que almejam cursar uma graduação é interessante, já que estudos a partir dessa preocupação podem servir de diagnóstico para identificar o nível de produção desses alunos, gerando dados para a pesquisa com reflexões sobre o cenário textual.

Quando se estabelece um cenário textual, há sempre um contexto vinculado a esse cenário. Os alunos produzem sob um contexto imediato: o escolar, carregado de pressão.

Pensar que um aumento considerável de pesquisas, estudos e reflexões dedicados a como escrever um bom texto, gêneros textuais e tipos textuais sanará as dificuldades dos discentes é utopia, pois eles sempre apresentarão dificuldades. Mas deixá-los à mercê do destino é desprezível, pois é papel das instituições responsáveis pelas pesquisas tentar entender os problemas para produzirem boas literaturas ao cenário textual. Não é a quantidade de pesquisas, o problema, mas o engajamento de um conjunto: universidades, escolas, governos, professores, pesquisadores, alunos e outros.

Mesmo enfrentando vários empecilhos, melhorar a qualidade dos textos nas escolas públicas deve ser atividade constante de muitos professores de Português. São notórias as dificuldades encontradas no ambiente escolar: a falta de motivação, o excesso de trabalho, além da falta de respeito dos alunos e até dos pais. Mas é trabalho do professor tentar melhorar.


Texto de Bruno Lopes retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 41, Editora Escala Educacional, São Paulo.

sábado, 5 de abril de 2025

Acordar e Erguer-se (66)

 "Desperta, tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e o Cristo te iluminará." - Paulo. (EFÉSIOS, 5:14.)


Há milhares de companheiros nossos que dormem, indefinidamente, enquanto se alonga debalde para eles o glorioso dia de experiência sobre a Terra.

Percebem vagamente a produção incessante da Natureza, mas não se recordam da obrigação de algo fazer em benefício do progresso coletivo.

Diante da árvore que se cobre de frutos ou da abelha que tece o favo de mel, não se lembram do comezinho dever de contribuir para a prosperidade comum.

De maneira geral, assemelham-se a mortos preciosamente adornados.

Chega, porém, um dia em que acordam e começam a louvar o Senhor, em êxtase admirável...

Isso, no entanto, é insuficiente.

Há muitos irmãos de olhos abertos, guardando, porém, a alma na posição horizontal da ociosidade. É preciso que os corações despertos se ergam para a vida, se levantem para trabalhar na sementeira e na seara do bem, a fim de que o Mestre os ilumine.

Esforcemo-nos por alertar os nossos companheiros adormecidos, mas não olvidemos a necessidade de auxiliá-los no soerguimento.

É imprescindível saibamos improvisar os recursos indispensáveis em auxílio dos nossos afeiçoados ou não que precisam levantar-se para as bênçãos de Jesus.

Não basta recomendar.

Quem receita serviço e virtude ao próximo, sem antes preparar-lhe o entendimento, através do espírito de fraternidade, identifica-se com o instrutor exigente e reclama do aluno integral conhecimento acerca de determinado e valioso livro, sem antes ensiná-lo a ler.

Disse Paulo: - "Desperta, tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e o Cristo te iluminará." E nós repetiremos: - "Acordemos para a vida superior e levantemo-nos na execução das boas obras e o Senhor nos ajudará, para que possamos ajudar os outros."


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Imprensa e Impressão no Brasil

 No dia 5 de janeiro de 1808, foi instituída a imprensa e a impressão no Brasil, quando D. João VI, fugindo de Napoleão, que tomava conta da Europa, veio para o Rio de Janeiro e criou a Imprensa Régia. Mas, em junho do mesmo ano, era criada a figura dos censores reais contra a Sociedade Literária. Sob censura, dessa oficina, a 10 de setembro de 1808, saiu o primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro. Já o Correio Braziliense, nosso outro jornal impresso em Londres, começando a primeiro de junho de 1808, fugindo à censura local.


Em primeiro lugar, é preciso frisar o atraso com que foram introduzidas a imprensa e a impressão no nosso país. O México conheceu  imprensa em 1539, o Peru em 1583 e as colônias inglesas em 1650. O livro sofria censura e restrições em Portugal. Aqui, os livros eram importados. E perseguidos. As bibliotecas confiscadas e fechadas. Nos fins do Século XVIII, começaram a aparecer bibliotecas particulares. Os autos da inconfidência revelam que ter livros e ler era prova de crime. Na mesma época, começou o comércio de livros. A polícia vigiava severamente livreiros e livrarias.

Em 1706, no Recife, instalou-se pequena tipografia. A Carta Régia liquidou a tentativa.

No Rio, em 1746, o antigo impressor de Lisboa, Antônio Isidoro Fonseca, montou material tipográfico em oficina que foi abolida e queimada pela polícia. O primeiro livro em Português impresso na América, o fora do México, em 1710.


IMPRENSA RÉGIA

A ilustração brasileira começou, claro, na Imprensa Régia, no Arquivo Militar e no Colégio das Fábricas. Em xilogravura, talho doce e litogravura. Ilustrações com base em cartas de jogar e estampagem de chitas. As matrizes importadas logo foram feitas aqui. A primeira ilustração num periódico, provavelmente foi na Gazeta do Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 1809, dois mapas xilografados, atribuído ao primeiro ilustrador-gravador Braz Sinibaldi.

É da Imprensa Régia, também, o primeiro livro brasileiro contendo uma ilustração. Tinha um título quilométrico: História Verdadeira da Princeza Magalona, filha Del rey de Nápoles e do nobre e valeroso cavalleiro Pieres Pedro de Proença, de 1815. Já empresários de espetáculos, sabendo da importância da ilustração, traziam inúmeras gravuras para reclames.

No dia 14 de dezembro de 1837, no Jornal do Comércio, foi publicada a "bela invenção da caricatura", sob o título A Campainha e o Cujo, de Manoel de Araújo Porto-Alegre. O mesmo autor lançou a revista Lanterna Mágica (1844/45). Bonecos de crítica saíram em 1831, na litografia de Briggs, na rua do Ouvidor. A Marmota (1849/64), de Paula Brito veio depois, usando a cor. A Gazeta de Domingo, também com ilustrações importadas, em 1839 era dirigida por Guilherme Kopke, sócio de uma gráfica. A cor podia ser gravada, pintada à mão livre ou à estampilha (au pochoir).


A PROLIFERAÇÃO DE REVISTAS

Em 1870, havia 248 impressores litográficos e os desenhos eram traçados diretamente na pedra para impressão. As revistas proliferaram: A Lanterna, O Mosquito, Revista Ilustrada, Semana Ilustrada, Vida Fluminense, entre outras. Tinham dupla impressão, uma litográfica, com os desenhos, e outra tipográfica, com o texto. Eram cadernos de oito páginas, no tamanho 19x23 cm, para 32 páginas.

Aí surgiu Angelo Agostini, com sua Revista Ilustrada, em 1876. Agostini trabalhou em O Malho e na revista infantil O Tico Tico, para o qual desenhou o título. Em 1867, na revista O Cabriao, realiza As Cobranças, uma das primeiras histórias ilustradas do mundo, ao mesmo tempo em que Wilhelm Busch, na Alemanha, e logo depois de Rudolph Topffer, na Suíça, em 1824.


A ZINCOGRAFIA

Vivaldi edita uma revista de luxo, com material do exterior, no mesmo ano de 1876. E, 1881, depois de uma tentativa fracassada, surge a zincografia, na oficina Litographia e Zincographia Artistica e Comercial, de Paulo Rubin & Cia.

A importância da zincografia naquela época estava no seu preço, na rapidez, no abandono da pedra e sem necessidade de dupla impressão. O triunfo da zincografia veio com a revista A Bruxa, de Olavo Bilac e Julião Machado. Essa revista assinalou um momento histórico ao sair em maio de 1900, com reportagens fotográficas preparadas por Álvaro de Teffé, com a colaboração de Raul e do fotógrafo Bastos Dias.

A partir daí, todos os processos para ilustrar e imprimir jornais, revistas e livros estavam disponíveis e ao alcance dos editores e impressores brasileiros. Mas o atraso cultural, nas Américas, jamais foi recuperado...


Texto de Álvaro de Moya retirado da revista Conhecimento Prático Literatura, Edição 51, 2013, Editora Escala, São Paulo.

A culpa é da televisão

Estamos no período da tarde, vamos dar uma parada nos nossos afazeres domésticos, sentar no sofá e ligar a televisão. Não é um hábito saudável, mas não podemos negar que é incontrolável o poder que a telinha exerce sobre nós. Pegamos o controle remoto e, aleatoriamente, buscamos algo para assistir. Para quem possui TV a cabo, dependendo do pacote, as opções são inúmeras: porém, aos que possuem apenas os canais da TV aberta, o mais certo é desligá-la e dormir - bem mais produtivo e reconfortante. Melhor mesmo seria ler um bom romance, mas a preguiça e a curiosidade acabam forçando-nos, muitas vezes, a continuar navegando pelos programas vespertinos.

O que encontramos? Um circo de horrores - reprises, tragédias familiares, fofocas, propagandas durante e fora do conteúdo dos programas etc etc. E por falar em conteúdo, se assim podemos chamar o que é apresentado nestes programas, ou nos fartamos com as receitas apresentadas, ou caímos em depressão porque não temos aquele corpo escultural (anoréxico) das atrizes, das modelos, das celebridades! Sim, temos celebridades criadas a partir das mais variadas origens.

E para chegar lá? Como ter aquele corpo magnífico? Sem gordura alguma?

Somos bombardeados por um sem número de chás, sucos detox, produtos naturais, aparelhos, dicas,  orientações, rezas, patuás, livros, dietas milagrosas. E não se esqueça de contar as calorias! Tudo em nome da boa forma e da vida saudável. Enquanto assistimos a uma reportagem sobre a epidemia da obesidade em um canal, no outro encontramos a propaganda sobre um aparelho para ginástica, em outro um shake, no outro um chá e em outro uma receita de dar água na boa. Lembrem-se - eu disse que seria melhor ler um bom livro.

Além disso, temos os apresentadores e seus convidados que ficam procurando sinais de celulite nas pernas das modelos que desfilam de maiôs ou lingeries ou alguma gordurinha localizada; na contramão mostram aquelas barrigas saradas, aqueles corpos esculturais que, na maioria das vezes, embora elas neguem veementemente, foi esculpido pelas mãos de um bom cirurgião plástico. Para matar de uma vez os telespectadores ainda existem as competições entre gordos a fim de ver quem consegue atingir suas metas de emagrecimento. Ou então mostram o martírio de pessoas obesas no calvário até conseguir passar por uma cirurgia de redução de estômago. Tudo muito estimulante. Depois de assistir a todas estas agressões televisivas, o que você sente vontade de fazer? Isso mesmo - comer. Comer de raiva e desespero. Comer para suprir sua carência, não de comida, mas por se sentir um pecador, um monstro. Olhamos no espelho e nos perguntamos: como cheguei até aqui? O que fiz com meu corpo? Para amenizar um pouco nossa culpa, chegaram à conclusão de que obesidade é uma doença. Pelo menos não poderemos ser tachados de preguiçosos, acomodados e relaxados. Ainda temos a esperança de que algum dia, um grande cientista descobrirá o remédio certo para curar este grande mal.

Para sairmos desta depressão momentânea, vamos ao shopping. Nada melhor do que algumas comprinhas para aliviar. Queremos algumas coisa bonita para cobrir este nosso grande pecado. Paramos em uma vitrine, vemos um vestido maravilhoso, entramos já notando que a atendente nos olha se questionando: "o que esta gorda pretende comprar aqui?" Você pede seu número e ela, sarcasticamente, responde: "é tamanho único". Para ajudar, ao sair da loja você encontra uma "amiga" que não via há um certo tempo e ela lhe diz: "Nossa! Você está linda de rosto!" Traduzindo: seu corpo está indescritivelmente feio. O que  você faz? Vai para casa, liga a televisão com um belo tablete de chocolate nas mãos. Pelo menos compre um suíço ou belga. Seu corpo merece!


Texto de Rita de Cássia Milharci Castellucci retirado da revista Conhecimento Prático Literatura, Edição 59, Março/Abril de 2015, Editora Escala, São Paulo.