O Gramático Celso Pedro Luft dizia que, se os alunos erravam a crase além do razoável, era porque andavam lhes ensinando demais o assunto. É exatamente o que a experiência mostra: entra ano, sai ano, e a impressão é que se sabe cada vez menos sobre crase. E, apesar de fazer parte dos conteúdos programáticos desde as séries iniciais até a universidade, parece que a crase não tem sido devidamente compreendida por milhões de pessoas.
ENSINO DE MAIS, APRENDIZAGEM DE MENOS?
Arremesse um livro de gramática quem nunca, diante de um inofensivo a, numa redação escolar, num artigo para jornal ou mesmo num trabalho acadêmico, ficou suando para saber se aquele bendito recebia ou não acento. O desconhecimento é tão enorme que inunda o nosso cotidiano. Quem por acaso nunca leu num panfleto de pizzaria expressões como "forno à lenha", "entrega à domicílio" ou "de segunda à domingo"?
A situação fica pior quando os erros aparecem em material escrito proveniente de segmentos que deveriam, em tese, zelar pelo bom uso do idioma, como as instituições de ensino (para ficarmos somente aí):
* Viagem à New York (órgão informativo de um centro universitário);
* de 18 à 22 de junho (cartaz de congresso):
* 22 à 24 de maio (cartaz de congresso de fisioterapia).
QUESTÃO MORFOSSINTÁTICA
Em vez de "casos" em que não se usa o acento indicativo da crase, o assunto poderia ser reduzido a uma questão morfossintática apenas. Assim, na sequência "Vou à padaria", há crase porque houve a contração de dois "a", pois o primeiro a se refere ao verbo vou (pois quem vai, vai a algum lugar). Trata-se de uma questão de regência verbal, porque o verbo vou precisa ser completado pela preposição a; aliás, o verbo vou exige a presença da preposição a.
O segundo a se refere à palavras feminina padaria, que a acompanha, pois ela admite o artigo feminino a. Trata-se de uma questão de morfologia, porque a palavra feminina admite o artigo feminino a. A fusão do a do verbo ir + o a da palavra feminina padaria resulta no à.
Se o exemplo proposto não se encaixar no que acima foi apresentado, ficará claro que uma das situações para o uso do acento não foi observado. Daí resulta no que chamamos de "o segredo da crase".
O SEGREDO DA CRASE
Como sabemos, a crase é a contração da preposição "a" com o artigo feminino "a", por isso é condição essencial que ela ocorra com palavra feminina. É necessário também que a palavra dependa de outra que exija a preposição "a". E por último: é imprescindível que a palavra admita o artigo feminino "a" (eis o segredo).
Por exemplo, na frase "Eu fui a Mauá", não podemos acentuar o "a" que antecede "Mauá", porque a palavra não admite antes de si o artigo feminino "a". Dizemos: "Mauá é cidade linda", e não "A Mauá..." Isso prova que o "a" da frase "Eu fui a Mauá" é simples preposição, que faz parte do verbo "ir", pois o verbo exige a preposição "a" (quem vai, vai a algum lugar).
Texto de Sérgio Simka retirado do revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 15, Escala Educacional, São Paulo. (É um trecho do seu livro Crase não é um bicho-de-sete-cabeças, Editora Ciência Moderna, 2009).
Nenhum comentário:
Postar um comentário