domingo, 6 de abril de 2025

Ler ainda é o melhor remédio

 A influência de adultos leitores leva crianças a buscar e apreciar a leitura, ao invés de vê-la como uma obrigação desagradável


Para um professor de Língua Portuguesa ouvir seus alunos dizerem de forma categórica que não gostam de ler é tão desconfortável quanto deve ser para um cozinheiro ver suas iguarias rejeitadas ou para um artista ter as suas obras ignoradas. Então, sempre que ouço alguém dizendo que não gosta de ler me pergunto: qual será a trajetória de vida dessa pessoa? O que a distanciou da leitura?

Esses questionamentos são feitos quando se trata de um adulto, mas quando tais palavras saem da boca de uma criança, aí penso: acho que ainda posso fazer algo para reverter tal situação. Não que com um adulto seja inviável, mas é que na infância é possível trabalhar com essa situação de forma mais sutil e eficaz, através do encantamento e não por meio da razão e de argumentos como: "você precisa ler para melhorar a sua redação", ou, ainda, "a leitura é necessária para que seja alguém mais esclarecido".

Os pequeninos tendem a ser mais flexíveis e atraí-los fica muito mais fácil. No entanto, há muitos que não têm acesso nem sequer ao básico para sobreviver. Deixar uma criança sem livros é tão cruel e daninho quanto privá-la da alimentação, saúde e moradia. A leitura é o alimento que sacia uma necessidade natural do ser humano: o saber, a busca pelo conhecimento. Mas, se é algo tão natural, ler não deveria ser como respirar, piscar os olhos, andar? Infelizmente, não é assim que funciona. É preciso estimular, fomentar o gosto por tal prática, trazer à tona uma semente que necessita ser regada com incentivo, demonstração de amor, exemplos.

Sim, crianças precisam de bons exemplos e isso deve ser feito na escola, nas creches, no lazer, na casa dos pais, tios e avós, enfim, em tudo que envolva a vida da criança, porque só assim ela vai entender que a leitura é um hobby e não uma obrigação escolar, uma prática penosa, enfadonha, desvinculada do prazer. Pais leitores geram filhos leitores e o inverso também é verdadeiro.

Certa vez, nos tempos da faculdade, ouvi uma professora contando que em sua casa havia livros e revistas em toda parte. Até no banheiro do quarto da sua pequena filha havia uma cestinha com várias revistas em quadrinho e livros. Concluí então que o contato constante com qualquer objeto ou coisa torna-se íntimo e gera afeto, exemplo disso é o que acontece na relação com os animais. Crianças que convivem com animais de estimação, geralmente, sentem afeição por eles e isso perdura por toda vida. Por isso, a relação entre a criança e o livro deve ser cultivada dia após dia por profissionais da educação, pais, irmãos, parentes, amigos...

A etimologia da palavra ler remete ao latim legere: escolher, pegar, colher. Podemos dizer que ao ler escolhemos e pegamos as letras, colhemos as palavras que estão dispostas no papel, nas paredes, telas ou em qualquer suporte. Ler, inspirada no conceito de Paulo Freire, é ainda, aprender a interpretar o mundo, é ir além das letras. Fazendo uso das metáforas: é o remédio que cura a cegueira.


UMA MUDANÇA DE POSTURA

Quando falei, no início, que o processo de conquista na infância acontece pelo encantamento, referi-me à possibilidade de mostrar às crianças quão maravilhoso é entregar-se por inteiro às aventuras dos personagens travessos e mágicos que ganham vida na imaginação de cada "leitorzinho" que passeia os olhos pelas páginas preenchidas de histórias fantásticas.

Decerto, no mundo atual, falar sobre livros impressos e leitura parece tão medieval. Em meio a tablets, smarthones, sites e jogos eletrônicos, às vezes práticas simples se perdem no turbilhão tecnológico. Em uma era onde o tempo é curto e a velocidade dos gigabytes é o que importa é necessário dizer a uma criança que o prazer de ler reside na morosidade e que entregar-se à leitura é uma prática que não exige velocidade, pois, o deleite está em aproveitar cada palavra, cada linha e se perder no tempo é o que vale a pena.

Na escola, após o período de alfabetização, muitos alunos começam a repudiar a leitura porque são atraídos pelos encantos dos jogos e da TV disponíveis livremente em casa. Na sala de aula, a leitura não lhes é apresentada como algo lúdico, divertido; pelo contrário, a leitura torna-se mecânica, forçada. Os textos oferecidos, não raras vezes, são pouco interessantes, não aguçam a curiosidade dos iniciantes e ainda imaturos leitores.

Em alguns casos, meninos e meninas, nas séries iniciais, ainda são encaminhados para o caminho da leitura, mas os anos passam, as séries avançam e ler passa a ser atividade avaliativa, as obras indicadas, nem sempre estão de acordo com a idade do aluno, então datas, resumos forçados e notas são cobrados e o que era para ser diversão passa a ser uma tarefa realizada em motivação, focada apenas no interesse quantitativo, no valor a ser adquirido através daquele leitura.

Mas, por que isso acontece? Essa questão envolve alguns fatores, dentre eles estão os cronogramas engessados que priorizam quantidade e não qualidade. Envolve também uma realidade um tanto dolorosa e delicada: professores que não são leitores, docentes que não gostam de ler não conseguem estimular os seus ouvintes. Então, como defender uma causa se não se tem por ela a paixão necessária para provocar admiração no outro? Impossível engendrar no aluno o gosto por algo quando ele não percebe no adulto a veracidade nas palavras. Como o professor pode começar a falar sobre uma obra literária se ele próprio nunca passou pela experiência de degustar tal leitura?

Não adianta investir somente um cursos de "reciclagem" e/ou de formação continuada se não tivermos professores apaixonados; sim, deve existir e prevalecer entre o profissional e a leitura uma relação passional.

Enfim, formar leitores deve ser a missão primordial dos nosso educadores e o maior investimento dos pais. A leitura não deve restringir-se ao best seller ou aos clássicos literários, o verdadeiro leitor é aquele capaz de "devorar" textos de todos os gêneros, é aquele que caminha com leveza pelos contos machadianos e chega aos escritos mais atuais como as crônicas de Veríssimo, pois não despreza a leitura pela simples curiosidade de aprender, de saber mais.


Texto de Carla Cunha retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, Número 41, Escala Educacional, São Paulo, 2012.

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