quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Tempo Rei

                      Gilberto Gil

Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido transcorrendo, transformando
Tempo espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar, Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole, pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento
Transcorrei ó tempo rei ó tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me ó pai o que eu ainda não sei
Mãe senhora do perpétuo socorrer
Pensamento mesmo fundamento singular
Do ser humano, de um momento para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas, pais corujas
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam, não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo
Transcorrei ó tempo rei ó tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me ó pai o que eu ainda não sei
Mãe senhora do perpétuo socorrer.

canção gravada originalmente por Amelinha em seu disco " Água e Luz " de 1984. 

O que não se recupera

                                      Frei Betto

Existem quatro coisas na vida que não se recuperam: a pedra depois de atirada; a palavra de pois de proferida; a ocasião depois de perdida; e o tempo depois de passado. A pedra é a  fera adormecida em cada um de nós, o ímpeto agressivo, a sanha assassina, a dor que não se aplaca, a ferida aberta, o orgulho machucado, o ressentimento aflorado, o ódio incontido, a raiva acumulada, a emoção esgarçada.

A pedra no meio do caminho, como assinalou o poeta. Pedra na qual tropeçamos e, humilhados, apanhamos para transferir a outrem os próprios erros. Por isso Jesus, em sua sabedoria, desafiou os que acusavam a mulher adúltera a atirar a primeira pedra. Todos baixaram as mãos e o rosto. Um a um foram se afastando, envergonhados. Seus pecados não eram menores que os dela.

A palavra é a essência do humano diante do silêncio do Universo. As estrelas, o mar, as flores e os pássaros proferem o mesmo dizer, sem jamais ofender. Nós, seres humanos, fazemos da palavra arte ou agressão, ternura ou injúria, poesia ou acidez. E raramente agimos como aquela índia aimara que, à beira do lago Titicaca, na fronteira do Peru com a Bolívia, levou quinze minutos refletindo antes de responder à pergunta que eu lhe fizera.

Foi a palavra que criou o mundo e se fez carne. É a palavra insana que destrói a criação e promove guerras, dissemina discórdia, semeia a morte. " Lavra a tua palavra e lava a tua língua antes de pronunciar o teu dizer ",  disse-me canuto, camponês de Cordisburgo, a terra que gerou Guimarães Rosa, que recriou a palavra.

A ocasião é o cavalo encilhado que passa à frente. Monta-se ou perde-se. Mas também é ela que faz o ladrão, sobretudo quando não se tem princípios éticos, caráter,  refinamento espiritual, coerência de vida. Esses abraçam a ocasião equivocada e morrem de vergonha quando se torna pública.

A ocasião exige atenção, critério, discernimento, coragem. Sem ousadia não se abraça uma oportunidade, uma causa, um ideal, a utopia. Deixam escapar a boa ocasião os pusilânimes, os inseguros, os que dão mais ouvidos à boca alheia que à voz do coração.

A matéria prima da Bíblia é o tempo, argila da historicidade. Javé não é um deus qualquer. É o Deus de uma determinado percurso no tempo: o Deus " de Abraão, Isaac e Jacó ". Ao contrário de outros deuses, que em sua onipotência criariam de modo instantâneo (deuses-café solúvel). Javé criou a prazo, em sete dias.

Isso faz sentido se considerarmos que o contrário do tempo não é a eternidade. É o  amor. Ao irromper no tempo histórico como presença viva de Deus-Amor, Jesus nos convocou a nada mais esperar. " Esgotou-se o tempo " (Marcos 1,15), como quem proclama: " Já não há o que aguardar. Resta amar ". E, " se o amor faz passar o tempo e o tempo faz passar o amor ", como diz o provérbio italiano, nada mais irreconciliável com o tempo do que o amor. Bem o sabem os amantes, que gostariam de parar no infinito os ponteiros de seus relógios.

A modernidade, entretanto, nos faz escravos do tempo, ao contrário dos antigos e dos índios aldeados, donos do tempo. Basta observar que trazemos no pulso a algema do tempo, dividido em horas, minutos e segundos. Assim, já não nos damos tempo, nem temos tempo: para meditar, conversar, amar, divertir. É como se fôssemos náufragos perdidos em alto-mar, lutando sofregamente para sobreviver às ondas avassaladoras do tempo que ameaçavam nos afogar.

Bem vale lembrar o sábio poema de frei Antônio das Chagas (1831-1882): " Deus pede estrita conta do meu tempo/ e eu vou do meu tempo dar-lhe conta/ mas como dar, sem tempo, tanta conta,/ eu que gastei, sem conta, tanto tempo?/ Para ter minha conta feita a tempo,/ o tempo me foi dado e não fiz conta/ não quis, sobrando tempo, fazer conta,/ hoje quero acertar conta e não há tempo./ Ó vós que tendes tempo sem ter conta,/ não gasteis vosso tempo em passatempo./ Cuidai, enquanto é tempo, de vossa conta,/ pois aqueles que sem conta gastam o tempo,/ quando o tempo chegar de prestar contas,/ chorarão, como eu, o não ter tempo ". 

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Raios de Luz

                          Cristóvão Bastos/Abel Silva

Você chegou
E iluminou
O meu olhar
Teus olhos nus
Raios de luz
No azul do mar
Meu coração
Que sempre quis acreditar
Bateu feliz
Foi só você chegar
Sei que a paixão
Apaga o chão
Rareia o ar
Ser e não ser
Negar querer
Fugir ficar
Mas não fui eu quem quis assim
Aconteceu você pra mim
E eu não vou negar o que
O acaso quis pra nós
A chama desse amor me faz
Sorrir, cantar,
Te quero mais
Te chamo só
Pra repetir
Te amo!

música de abertura do CD Raio de Luz da cantora Simone, gravado em 1991.

não tive a oportunidade de dizer isso a você pessoalmente, então, fica o recado...

Você Vai Ficar na Saudade

                                Benito Di Paula

Você cortou o barato do meu amor
Você mentiu, iludiu e me deixou por fora
Você é a culpada do meu samba entristecer
Ah! Eu vou-me embora
Agora eu entrego os pontos e vou dizer porque
Você é mulher e é bonita e eu não posso esquecer
Você vai ficar na saudade, minha senhora
Ah! Eu vou-me embora
Adeus, amor, eu vou partir...

Além de Tudo

                      Benito Di Paula

Você  ficou sem jeito e encabulada
Ficou parada sem saber de nada
Quando eu falei que gosto de você
Você olhou pra mim e decididamente
Você falou tão delicadamente
Que eu não devia gostar de você
Mas a vida é essa e apesar de tudo
Gosto de você e que se dane o mundo
Quem sabe se nessas voltas que essa vida dá
Você pode mudar de ideia e me procurar
Vou esperar!

Eu vou ficar aqui até madrugada voltar
E trazer você pra mim
Vou ficar aqui!

Nossa Senhora

                             Roberto/Erasmo

                                                            E àqueles que fiz sofrer
                                                            Peço perdão... 


Cubra-me com seu manto de amor
Guarda-me na paz desse olhar
Cura-me as feridas e a dor
Me faz suportar
Que as pedras do meu caminho
Meus pés suportem pisar
Mesmo ferido de espinhos
Me ajude a passar
Se ficaram mágoas em mim
Mãe, tira do meu coração
E àqueles que fiz sofrer
Peço perdão
Se eu curvar meu corpo na dor
Me alivia o peso da cruz
Interceda por mim, minha mãe
Junto a Jesus

Nossa Senhora
Me dê a mão
Cuida do meu coração
Da minha vida, do meu destino

Nossa Senhora
Me dê a mão
Cuida do meu coração
Da minha vida, do meu destino
Do meu caminho, cuida de mim

Sempre que meu pranto rolar
Ponha sobre mim suas mãos
Aumenta minha fé e acalma
O meu coração
Grande é a procissão a pedir
A misericórdia, o perdão
A cura do corpo e pra alma
A salvação
Pobres pecadores, oh mãe
Tão necessitados de vós
Santa mãe de Deus, tem piedade de nós
De joelhos aos vossos pés
Estendei a nós vossas mãos
Rogai por todos nós, vossos filhos
Meus irmãos!

faixa do CD Joanna em Oração gravado em 2001.


O Saber Com Sabor

                          Armando de Morais Veloso

O que poderia vir a ser o saber com sabor? Existem inúmeras respostas. Uma delas traz como característica central o exercício cotidiano de pensar, sentir e agir sendo marcado pelo movimento de fazer e ser feito. A representação gráfica desse movimento pode ser uma espiral dialética e ascendente, que aponta para patamares sucessivos de qualidade de vida. A realidade macro, caracterizada pela chamada pós-modernidade, possui um movimento cuja identidade são relações onde os indivíduos fazem e não são minimamente feitos. No contexto micro da escola, fazer e ser feito levaria, por exemplo, ao desejo de estar no seu cotidiano e teria a autorrealização como uma de suas marcas. O predomínio do sabor sobre o dissabor já é o próprio saber com sabor. No âmbito da subjetividade, o saber com sabor gera a sensação, ao término do dia, de que foi uma jornada a mais e não a menos na existência da pessoa. Ou no pensar de Nietzsche, a percepção de dentro para fora do que venha a ser potência. Sentir um grau maior de potência, em relação à impotência, é um dos condimentos básicos na cozinha do saber com sabor.

É bastante curioso e necessário pensar, sentir e agir sobre as conexões entre a crise de paradigmas e o saber com sabor. Vivemos um momento horrivelmente-belo. Com hífen, pois assim aumenta a mistura entre os dois estados. Horrível pois tudo ou quase tudo caiu por terra. O que é vencer na vida? Qual a cara da felicidade? Aprovar no vestibular é sinônimo de uma boa escola? Como é uma boa aula? E o bom aluno? Responder a essas questões hoje é bem mais difícil do que trinta ou quarenta anos atrás. É bastante doído, e por vezes doido, experienciar a ausência de referências com uma consistência pelo menos razoável. Na essência da nossa essência, as dúvidas estão bem maiores do que as certezas. Isso é horrível, mas ao mesmo tempo é belo. Horrível, pois a pulverização das coordenadas norte - sul e leste - oeste nos deixa perdidos no oceano, e belo, pois nos oportuniza a descoberta de novas terras.

A procura e o encontro de ilhas desconhecidas pode ser a alegoria do processo de mudança. O que pode acontecer quando nos deparamos com a necessidade de mudar? Tentamos, neuroticamente, fazer mudanças sem mudar. Ou seja, queremos mudar sem sofrer os dissabores, as dores da desestruturação. Idealizamos o paraíso como um caminho reto e direto da estruturação para a reestruturação, e repleto de sabores e prazeres. Ocorre que tentar fazer omelete sem quebrar os ovos tem baixa ou nenhuma correspondência com a realidade. Ainda bem que a textura da carne do cotidiano parece estar mais para o negativo e contraditório do que para o linear e positivo. Exatamente o contrário do que nos ensinaram e, normalmente, ensinamos.

Se as dúvidas estão maiores do que as certezas, e se a cada vivência das mudanças podemos ampliar as nossas matrizes de aprendizagem e elaborar os nossos medos, então ousar, experimentar, inventar, pular o muro, tudo isso deixou de ser tão difícil quanto há trinta ou quarenta anos. Podemos " enlouquecer " sem tanta culpa. As patrulhas, sobretudo as internalizadas, continuam existindo mas perderam parte da sua força. As receitas, sejam de que natureza for, tornaram-se redutoras e empobrecedoras da complexidade do ato de existir. O nosso zeitgeist, o nosso espírito do tempo é ou deveria ser a não existência de dogmas. Isso é belo, saboroso, uma belezura sem tamanho, num empréstimo do estilo da linguagem de João Guimarães Rosa. Causa muito mais encanto do que espanto.

A conclusão, se é que podemos chamá-la assim, é a " provocação " a seguir. Na cozinha da existência psicopedagógica, onde estariam os ingredientes do saber com sabor? Em um desafio duplo: transformar se transformando. Afinal, as dissociações, em regra, são bastante complicadas. Assim, como o caso da tentativa de fazer um curso de natação somente por correspondência.

É Hora de Plantar

                          Ana Clara Andrade

É hora de plantar...

É hora de plantar amor,
para colhermos pessoas mais sensíveis;

É hora de plantar felicidade,
para colhermos pessoas mais realizadas;

É hora de plantar fraternidade,
para colhermos pessoas mais compreensivas;

É hora de plantar paz,
para colhermos pessoas menos violentas;

É hora de plantar simplicidade,
para colhermos pessoas mais felizes;

É hora de plantar humildade,
para colhermos pessoas mais dedicadas;

É hora de plantar otimismo,
para colhermos pessoas mais plenas;

É hora de plantar tolerância,
para colhermos pessoas mais pacientes;

É hora de plantar valores humanos,
para colhermos um mundo melhor!


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pacto

                 Bruna Lombardi

Entre o teu signo e o meu
Existe uma possibilidade
De veneno
Umas intas de vermelho
Meu moreno

E se a paixão há de ser provisória
Que seja louca e linda
A nossa história



Que Me Venha Esse Homem

                         David Tygel/Bruna Lombardi

Que me venha esse homem
Depois de alguma chuva
Que me prenda de tarde
Em sua teia de veludo
Que me fira com os olhos
Que me penetre em tudo

Que me venha esse homem
De músculos exatos
Com um desejo agreste
Com cheiro de mato
Que me prenda de noite
Em sua rede de braços

Que me venha com força
Com gosto de desbravar
Que me faça de mata
Pra percorrer devagar
Que me faça de rio
Pra se deixar naufragar

Que me salve esse homem
Com sua febre de fogo
Que me prenda no espaço
De seu passo louco

Que me venha esse homem
Que me arranque do sono
Que me venha esse homem
Que me machuque um pouco

Esta música foi gravada originalmente por Amelinha em seu segundo disco intitulado " Frevo Mulher " gravado em 1979.