sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Saber Com Sabor

                          Armando de Morais Veloso

O que poderia vir a ser o saber com sabor? Existem inúmeras respostas. Uma delas traz como característica central o exercício cotidiano de pensar, sentir e agir sendo marcado pelo movimento de fazer e ser feito. A representação gráfica desse movimento pode ser uma espiral dialética e ascendente, que aponta para patamares sucessivos de qualidade de vida. A realidade macro, caracterizada pela chamada pós-modernidade, possui um movimento cuja identidade são relações onde os indivíduos fazem e não são minimamente feitos. No contexto micro da escola, fazer e ser feito levaria, por exemplo, ao desejo de estar no seu cotidiano e teria a autorrealização como uma de suas marcas. O predomínio do sabor sobre o dissabor já é o próprio saber com sabor. No âmbito da subjetividade, o saber com sabor gera a sensação, ao término do dia, de que foi uma jornada a mais e não a menos na existência da pessoa. Ou no pensar de Nietzsche, a percepção de dentro para fora do que venha a ser potência. Sentir um grau maior de potência, em relação à impotência, é um dos condimentos básicos na cozinha do saber com sabor.

É bastante curioso e necessário pensar, sentir e agir sobre as conexões entre a crise de paradigmas e o saber com sabor. Vivemos um momento horrivelmente-belo. Com hífen, pois assim aumenta a mistura entre os dois estados. Horrível pois tudo ou quase tudo caiu por terra. O que é vencer na vida? Qual a cara da felicidade? Aprovar no vestibular é sinônimo de uma boa escola? Como é uma boa aula? E o bom aluno? Responder a essas questões hoje é bem mais difícil do que trinta ou quarenta anos atrás. É bastante doído, e por vezes doido, experienciar a ausência de referências com uma consistência pelo menos razoável. Na essência da nossa essência, as dúvidas estão bem maiores do que as certezas. Isso é horrível, mas ao mesmo tempo é belo. Horrível, pois a pulverização das coordenadas norte - sul e leste - oeste nos deixa perdidos no oceano, e belo, pois nos oportuniza a descoberta de novas terras.

A procura e o encontro de ilhas desconhecidas pode ser a alegoria do processo de mudança. O que pode acontecer quando nos deparamos com a necessidade de mudar? Tentamos, neuroticamente, fazer mudanças sem mudar. Ou seja, queremos mudar sem sofrer os dissabores, as dores da desestruturação. Idealizamos o paraíso como um caminho reto e direto da estruturação para a reestruturação, e repleto de sabores e prazeres. Ocorre que tentar fazer omelete sem quebrar os ovos tem baixa ou nenhuma correspondência com a realidade. Ainda bem que a textura da carne do cotidiano parece estar mais para o negativo e contraditório do que para o linear e positivo. Exatamente o contrário do que nos ensinaram e, normalmente, ensinamos.

Se as dúvidas estão maiores do que as certezas, e se a cada vivência das mudanças podemos ampliar as nossas matrizes de aprendizagem e elaborar os nossos medos, então ousar, experimentar, inventar, pular o muro, tudo isso deixou de ser tão difícil quanto há trinta ou quarenta anos. Podemos " enlouquecer " sem tanta culpa. As patrulhas, sobretudo as internalizadas, continuam existindo mas perderam parte da sua força. As receitas, sejam de que natureza for, tornaram-se redutoras e empobrecedoras da complexidade do ato de existir. O nosso zeitgeist, o nosso espírito do tempo é ou deveria ser a não existência de dogmas. Isso é belo, saboroso, uma belezura sem tamanho, num empréstimo do estilo da linguagem de João Guimarães Rosa. Causa muito mais encanto do que espanto.

A conclusão, se é que podemos chamá-la assim, é a " provocação " a seguir. Na cozinha da existência psicopedagógica, onde estariam os ingredientes do saber com sabor? Em um desafio duplo: transformar se transformando. Afinal, as dissociações, em regra, são bastante complicadas. Assim, como o caso da tentativa de fazer um curso de natação somente por correspondência.

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