quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Espelho, Espelho Meu

Um historiador de 2092 que se debruçar sobre os jornais, revistas e vídeos de cem anos antes sofrerá a tentação de definir a época atual como a Era de Narciso. Strip-teases de homens musculosos, fotos eróticas como as da cantora Madonna, a proliferação das academias de ginástica - todas essas informações contribuirão para que o estudioso do futuro chegue à conclusão de que os seus antepassados não saíam da frente do espelho e tinham como principal ocupação exibir-se uns para os outros. " Se o final do século XIX foi marcado pelo niilismo ou descrença, os últimos anos do século XX tiveram como característica o narcisismo ", poderia escrever o hipotético pesquisador.

A novidade, porém, é que o narcisismo nem sempre é ruim. " O narcisismo faz parte da personalidade humana e pode existir em vários graus, desde o patológico e negativo até o saudável e positivo ". É o que afirma a psicoterapeuta Raíssa Cavalcanti, chamando a atenção para o fato de que, ao contrário do que se supõe, o narcisista negativo não gosta de si próprio e sofre por causa disso. " Atrás da máscara mostrada socialmente, existe uma pessoa com profundos sentimentos de inferioridade, dependência e fragilidade. Por maior que seja o seu sucesso, alguém assim experimenta a vida como algo vazio, triste e sem significado ", esclarece Raíssa. Entretanto, acrescenta que o narcisismo de um indivíduo pode estar relacionado a condições culturais, pois existem também sociedades narcisistas. " Uma sociedade é narcisista quando é mais valorizado o ter que o ser. Quando a busca da notoriedade substitui a da dignidade ", afirma ela.

adaptado da revista IstoÉ, 23.12.1992.

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