quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Escritor e o Suicídio

                                 Luís Fernando Veríssimo

Depois de fazer o laço da forca e colocar uma cadeira embaixo, o escritor sentou-se atrás de sua mesa de trabalho, ligou o computador e digitou: " No fundo, no fundo, os escritores passam o tempo todo redigindo a sua nota suicida. Os que se suicidam mesmo são os que a terminam mais cedo. "

Levantou-se, subiu na cadeira sob a forca e colocou a forca no pescoço. Depois retirou a forca do pescoço, desceu da cadeira, voltou ao computador e apagou o segundo " no fundo " . Ficava mais enxuto. Mais categórico. Releu a nota e achou que estava curta. Pensou um pouco, depois acrescentou:

" Há os que se suicidam antes para escapar da terrível agonia de encontrar um final para a nota. O suicídio substitui o final. O suicídio é o final. "

Levantou-se, subiu na cadeira, colocou a forca no pescoço e ficou pensando. Lembrou-se de uma frase de Borges. Encaixa, pensou, retirando a corda do pescoço descendo da cadeira e voltando ao computador. Digitou: " Borges disse que o escritor publica seus livros para livrar-se deles, senão passaria o resto da vida escrevendo-os. O suicídio substitui a publicação. O suicídio é a publicação. No caso, o livro livra-se do escritor. "

Levantou-se, subiu na cadeira, mas desceu da cadeira antes de colocar a forca no pescoço. Lembrara-se de outra coisa. Voltou ao computador e, entre o penúltimo e o último parágrafo, inseriu: " Há escritores que escrevem um grande livro, ou uma grande nota suicida, e depois nunca mais conseguem escrever outro. Atribuem a um bloqueio, ao medo do fracasso. Não é nada disso. É que escrevem a nota, mas esqueceram-se de suicidar. Passam o resto da vida sabendo que faltou alguma coisa na sua obra e não sabendo o que é. Faltou o suicídio. "

Levantou-se, ficou olhando a tela do computador, depois sentou-se de novo. Digitou: " No fundo, no fundo, a agonia é saber quando se terminou.  Há os que não sabem quando chegaram ao final da sua nota suicida. Geralmente são escritores de uma obra extensa. A crítica elogia a sua prolixidade, a sua experimentação com formas diversas. Não sabe que ele não consegue é terminar a nota. "

Desta vez não se levantou. Ficou olhando a tela, pensando. Depois acrescentou: " É claro que o computador agravou a agonia. Talvez uma nota suicida definitiva só possa ser manuscrita ou datilografada à moda antiga, quando o medo de borrar o papel com correções e deixar uma impressão de desleixo para a posteridade, leva o autor a ser preciso e sucinto. "

Tese: é impossível escrever uma nota de suicídio no computador.

Era isso? Ele releu o que tinha escrito. Apagou o segundo " no fundo ",

Era isso. Por via das dúvidas, guardou o texto na memória do computador. No dia seguinte o revisaria. E foi dormir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário