quarta-feira, 16 de maio de 2012

As Pedras

                    Arnaldo Antunes


As pedras são muito mais lentas do que os animais. As plantas exalam mais cheiro quando a chuva cai. As andorinhas quando chega o inverno voam até o verão. Os pombos gostam de milho e de migalhas de pão. As chuvas vêm da água que o sol evapora. Os homens quando vêm de longe trazem malas. Os peixes quando nadam juntos formam um cardume. As larvas viram borboletas dentro dos casulos. Os dedos dos pés evitam que se caia. Os sábios ficam em silêncio quando os outros falam. As máquinas de fazer nada não estão quebradas. Os rabos dos macacos servem como braços. Os rabos dos cachorros servem como risos. As vacas comem duas vezes a mesma comida. As páginas foram escritas para serem lidas. As árvores podem viver mais tempo que as pessoas. Os elefantes e golfinhos têm boa memória. Palavras podem ser usadas de muitas maneiras. Os fósforos só podem ser usados uma vez. Os vidros quando estão bem limpos quase não se vê. Chicletes são pra mastigar mas não para engolir. Os dromedários têm uma corcova e os camelos duas. As meia-noites duram menos do que os meio-dias. As tartarugas nascem em ovos mas não são aves. As baleias vivem na água mas não são peixes. Os dentes quando a gente escova ficam brancos. Cabelos quando ficam velhos ficam brancos. As músicas dos índios fazem cair chuva. Os corpos dos mortos enterrados adubam a terra. Os carros fazem muitas curvas pra subir a serra. Crianças gostam de fazer perguntas sobre tudo. Nem todas as respostas cabem num adulto.

Texto do livro " As Coisas ".

Onze E Meia

                 Antônio Cícero    

Quando a noite vem
um verão assim
abrem-se cortinas varandas
janelas prazeres jardins

Onze e meia alguém
concentrado em mim
no espelho castanho dos olhos
vê finalidades sem fim

Não lhe mostro todos os bichos que tenho de uma vez
Armo o circo com não mais do que uns cinco ou seis
leão camelo garoto acrobata
e não há luar
e os deuses gostam de se disfarçar




extraído do livro Guardar.

sábado, 12 de maio de 2012

Adormecer o Fado

               Tiago Torres da Silva/Pedro Jóia 


Você entra nos meus sonhos
Pedindo pra eu te sonhar
Mas sempre que eu abro os olhos
Você foi noutro lugar
Assim que eu desapareço
Você quer sonhar comigo
Então eu não adormeço
Só pra não lhe dar abrigo

Vim te buscar
Adormeci
Ao acordar já não te vi

Na insônia que me invade
Com cigarros e café
É o medo da saudade
Que vai me mantendo em pé
Mas o sono acaba vindo
Quando o ciúme adormece
E meu coração é tão lindo
Porque o sonho não te esquece

Vim te buscar
Adormeci
Ao acordar já não te vi

Se a minha paixão encontra
Os teus olhos de menino
Só o meu sonho é que conta
Pra fazer o meu destino
Por isso, não adormeço
Se eu não estiver ao seu lado
Porque um sonho que se esqueça
Pode adormecer o fado

Vim te buscar
Adormeci
Ao acordar já não te vi

Vim te buscar
Adormeci
Mas vou sonhar que estás aqui

música do CD Joanna Todo Acústico lançado em 2003.

A Voz do Anjo


Era uma vez uma criança que estava pronta para nascer.

Ela perguntou a Deus: " Fiquei sabendo que você está me mandando para a Terra, mas como eu vou viver lá sendo tão pequena e indefesa? "

Deus respondeu: " Dentre os muitos anjos, eu escolhi um para você. Seu anjo estará esperando por você e vai cuidar de você ".

A criança indagou: " Mas, diga-me, aqui no céu eu não tenho que fazer nada, apenas cantar, sorrir e ser feliz ".

Deus disse: " Seu anjo cantará e sorrirá para você todos os dias. Você vai sentir o  amor do seu anjo e ser muito feliz ".

Novamente, a criança perguntou: " E como eu serei capaz de entender quando as pessoas falarem comigo se eu não sei seu idioma? "

Deus disse: " Seu anjo dirá para você as palavras mais doces e bonitas que você jamais ouviu e com muita paciência e carinho, vai ensinar-lhe como falar ".

Criança: " E como vou fazer quando eu quiser falar com você? "

Deus disse: " Seu anjo colocará suas mãos juntas e vai ensinar-lhe como rezar ".

Criança: " Eu ouvi que na Terra existem homens maus. Quem irá me proteger? "

Deus disse: " Seu anjo defenderá você, mesmo que isso signifique arriscar sua própria vida ".

Criança: " Mas eu ficarei muito triste porque não vou vê-lo mais. "

Deus disse: " Seu anjo falará sempre com você sobre mim e vai ensinar-lhe um jeito de voltar para mim, apesar de que eu estarei sempre perto de você ".

Nesse instante, havia muita paz no céu, mas vozes vindas da Terra podiam ser ouvidas e a criança precipitadamente perguntou: " Deus, se eu tenho que partir agora, por favor, diga-me o nome do meu anjo ".

Deus falou: " Seu nome não é importante. Você vai chamá-lo simplesmente de MÃE ".

Que a Luz e a Paz envolvam seu coração!

autoria desconhecida

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Arte de Ser Feliz

             Cecília Meireles


Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? quem as comprava? em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? e que mãos as tinham criado? e que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu que participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias - e me sentia completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era um rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem diante de minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Os Gatos da Tinturaria

                 Cecília Meireles


Os gatos brancos, descoloridos,
passeiam pela tinturaria,
miram polícromos vestidos.

Com soberana melancolia,
brota nos seus olhos erguidos
o arco-íris, resumo do dia,

ressuscitando dos seus olvidos,
onde apagado cada um jazia, 
abstratos lumes sucumbidos.

No vasto chão da tinturaria,
xadrez sem fim, por onde os ruídos
atropelam a geometria,

os grandes gatos abrem compridos
bocejos, na dispersão vazia
da voz feita para gemidos.

E assim proclamam a monarquia
da renúncia, e, tranquilos vencidos,
dormem seu tempo de agonia.

Olham ainda para os vestidos, 
mas baixam a pálpebra fria.

Dias de Luta

                Scandurra


Só depois de muito tempo fui entender aquele homem
Eu queria ouvir muito mas ele me disse pouco
Quando se sabe ouvir não precisam muitas palavras
Muito tempo eu levei pra entender que nada sei
... que nada sei

Só depois de muito tempo comecei a entender
Como será meu futuro, como será o seu?
Se meu filho nem nasceu, eu ainda sou o filho
Se hoje canto essa canção, o que cantarei depois
Cantar depois... o quê??

Se sou ainda jovem passando por cima de tudo
Se hoje canto essa canção o que cantarei depois

 Só depois de muito tempo comecei a refletir
Nos meus dias de paz
Nos meus dias de luta
Se sou ainda jovem passando por cima de tudo
Se hoje canto essa canção, o que cantarei depois
Cantar depois... o quê?

Música do então LP do Ira! intitulado Vivendo e não aprendendo, lançado originalmente em 1986 e relançado em CD em 2000.

Tô Fazendo Falta

            Álvaro Socci/Cláudio Matta/Lucca Ferreira


Ontem te encontrei
Você estava tão bonito
Demais
Parecia até que nada
Aconteceu

Jeito de quem está feliz
De quem está de bem com a vida
Sei lá
Mas alguma coisa não me convenceu

E ainda faz de conta
Que não está nem aí pra mim
Mas você não me engana
Sei que você ainda tá a fim
Me diz pra que fazer assim

Você pode ter um tempo pra pensar
E uma eternidade pra se arrepender
Tá na cara
Dá pra ver no seu olhar
Tô fazendo muita falta pra você

É loucura não ouvir o coração
Desse jeito a gente pede pra sofrer
Eu não quero te ver na solidão
Tô fazendo muita falta pra você

Música do CD Joanna 20 anos ao vivo, lançado em 1999.

domingo, 6 de maio de 2012

A Primeira Só

                    Marina Colasanti

Era linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser princesa se não tinha com quem brincar?

Sozinha no palácio chorava e chorava. Não queria saber de bonecas, não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para gostar.

De noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adianta a coroa se a filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior espelho do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama da filha que dormia.

Quando a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e única olhava surpresa para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as duas da cama. Rápido chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma sorriu e deu bom-dia. A outra deu bom-dia sorrindo.

- Engraçado, - pensou uma - a outra é canhota.

E riram as duas.

Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma era a graça da outra. O salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava cansada, a outra dormia.

O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas, e uma bola de ouro. A bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o primeiro brinquedo que escolheram.

Rolaram com ela no tapete, lançaram na cama, atiraram para o alto. Mas quando a princesa resolveu jogá-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo e amizade.

Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.

A tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas. Não na lágrima que logo caiu, mas nos cacos todos que cobriam o chão.

- Engraçado, são canhotas - pensou.

E riram.

Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas amigas. Agora podia escolher. Um dia escolheu uma, e logo se cansou. No dia seguinte preferiu outra, e esqueceu dela em seguida. Depois outra e mais outra, até achar que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou contra a parede e fez duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez quatro. Não achou mais graça nas quatro, quebrou com martelo e fez oito. Irritou-se com as oito, partiu com a pedra e fez doze.

Mas se duas eram menores do que uma, quatro eram menores que duas, oito menores do que quatro, doze menores do que oito.

Menores, cada vez menores.

Tão menores que não cabiam mais em si, pedaços de amigas com as quais não se podia brincar. Um olho, um sorriso, um lado de nariz. Depois, nem isso, pó brilhante de amigas espalhado pelo chão.

Sozinha outra vez a filha do rei.

Chorava? Nem sei.

Não queria saber das bonecas, não queria saber dos brinquedos.

Saiu do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza.

Correu, correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque, correu pelo prado. Parou à beira do lago.

No reflexo da água a amiga esperava por ela.

Mas a princesa não queria mais uma única amiga, queria tantas, queria todas, aquelas que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na água. A amiga encrespou-se mas continuou sendo uma. Atirou-lhe uma pedra. A amiga abriu-se em círculos, mas continuou sendo uma.

Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos, estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava sua superfície.

conto do livro Uma Ideia Toda Azul. 

sábado, 5 de maio de 2012

Preciso de Você

                Márcio Greyck


Cansado, vejo a vida passar
Meu lugar ao sol já cansei de esperar
O tempo faz promessas e eu vou
Ando à toa, eu sei
Pois me falta você
Porque todo mundo precisa de alguém
E eu preciso é de você
Pra comigo andar
E para me entender
Eu preciso é de você
Pra continuar
E pra não me perder
Entenda, é preciso saber
Sem motivação é difícil viver
A vida me ensinou a querer
Um motivo só 
E eu vou lhe dizer
Porque todo mundo precisa de alguém
E eu preciso de você
Pra comigo andar
E para me entender
Eu preciso é de você
Pra continuar
E pra não me perder
Porque todo mundo precisa de alguém
E eu preciso é de você
Pra comigo andar
E para me entender
Eu preciso é de você
Pra continuar
E pra não me perder.

Canção do CD Agora, de Verônica Sabino, gravado em 2002.