segunda-feira, 15 de julho de 2013

A história de D.Péssima e de D. Ótima

          Sônia Mara Rodrigues Centomo

Eis os acontecimentos de um dia, na vida de duas senhoras. Uma delas é um amor de pessoa, tranquila, gosta do que faz e sente-se feliz. Já a outra, é o mau humor em pessoa. Resmunguenta, reclama de tudo, briga com todo mundo e nunca está contente.

Ambas levam uma vida simples e com muita dificuldade financeira. Vou chamá-las, carinhosamente, de Dona Péssima e de Dona Ótima.

Num determinado dia, ambas levantaram cedo e, após darem o café a seus familiares, saíram para comprar algumas coisinhas de que necessitavam.

D. Péssima pegou o ônibus e logo esbravejou, por não haver lugar para sentar-se. Afinal, estava cansada. Irritou-se com o congestionamento e ficou resmungando o tempo todo: " Será que essas pessoas não têm o que fazer "? Dizia ainda que estava perdendo muito de seu precioso tempo por causa delas. E continuou lá, em pé, xingando e reclamando da vida. De como sua vida era difícil!

D. Ótima também pegou o ônibus lotado e, por causa do congestionamento, aproveitou o tempo para fazer uma análise da sua vida. Sentia-se muito bem. Saudável, com ótimos filhos e com esperança de um futuro melhor. Pôs-se a olhar as outras pessoas e ficou perguntando: " Quantas delas são felizes como eu? Por trás daquelas aparências, quantos problemas estarão escondidos? "

D. Péssima continuou sua dura viagem e chegando ao local das compras, havia muita gente, o que a fez ficar meio perdida. Entrou numa loja para adquirir certa mercadoria e, porque aquela já havia acabado, brigou com o vendedor e saiu à procura em outros lugares, ficando mais cansada, mais irritada e, por fim, acabou levando outra mercadoria, que não era de seu agrado. Achou tudo muito caro e lamentou a sorte de ter tão pouco dinheiro.

D. Ótima, entrando na loja e não encontrando o que desejava, ouviu a opinião do vendedor, que lhe ofereceu uma mercadoria parecida e até de menor valor. Resolveu levá-la e, logo, havia terminado as compras satisfeita com o que tinha feito e, até, economizado.

À noite, no jantar, diante daquela refeição simples de todos os dias, os filhos de D. Péssima perguntaram-lhe como tinha sido seu dia. Ela, então, pôs-se a reclamar que lhe doíam as costas, as pernas, os pés, a cabeça, e que tudo dera errado, que o dinheiro era pouco e, ainda por cima, só tinha aquela miséria para o jantar. COMO SOU INFELIZ! exclamou.

D. Ótima disse aos filhos que teve um dia maravilhoso. Aproveitou para muitas coisas, fez boas compras e, ainda, teve tempo para refletir sobre sua vida. Agradeceu a Deus pela família maravilhosa, pelos bons sentimentos que todos tinham e pelo jantar que saboreavam juntos. COMO SOU FELIZ! exclamou.

Dificuldades e problemas, todos temos bastante. Façamos deles uma experiência para o nosso progresso. O melhor aprendizado é aquele que tiramos de nossa própria vida.

domingo, 14 de julho de 2013

Todo o Poder da Palavra

           Lucília Garcez

A escrita permeia toda a nossa vida. Embora muitos tenham sido sistematicamente espoliados em seu direito de se expressar pela escrita, seja pelas condições sociais, seja por um perverso mecanismo escolar de destruição da autoestima, usufruir dos bens simbólicos que a escrita proporciona é um direito de todos. Mas um dos mais insidiosos complexos que os indivíduos vão acumulando durante a vida é o de não saber se expressar por escrito. É muito frequente ouvir de profissionais que estão em plena atividade, e que precisam escrever relatórios e outros documentos, a confissão de que sofrem para escrever porque não têm talento, como se a escrita cotidiana dependesse de algum dom divino.

Para desfazer esse mito é necessário compreender que o processo de escrever é naturalmente o de reescrever, e que a primeira versão de um texto, apesar de tão privilegiada na escola, é apenas um rascunho, não traz mais que o embrião das ideias. O processo de reavaliar, reestruturar e reescrever é que constitui a essência da escrita, embora esta comece muito antes, no momento em que o redator tem o desejo de escrever. Desejar já é escrever, pois implica elaboração mental, processamento interior, busca, decisões e escolhas em diversos níveis. Colocar essas escolhas em linguagem verbal exata para transmitir as ideias, rompendo a distância entre o que pensamos e o que escrevemos, é apenas uma das etapas da escrita. O próprio ato de produzir o texto vai recortando o mundo para o redator de uma maneira surpreendente, imprevisível.

Nesse sentido, escrever é descobrir, é desvendar, é construir, é dar forma às evanescentes sensações, emoções, representações, significações e interpretações do mundo. A trajetória humana vai sendo filtrada pela escrita e muitas vezes é o processo de escrever que nos mostra a nós mesmos o que somos e o que sabemos. Marguerite Duras considera: "Escrever significa tentar saber aquilo que se escreveria se fôssemos escrever - só se pode saber depois - antes, é a pergunta mais perigosa que se pode fazer. Mas também é a mais comum."

Somos escritos pela escrita. O ato de escrever torna explícitos pensamentos e saberes submersos, e refazer a escrita é retomar essas formulações, refletir sobre elas e reformulá-las, o que corresponde a uma reformulação de nossos fragmentos interiores.

Qualquer tipo de texto exige esse trabalho árduo. Escritores consagrados refazem seus textos incessantemente. Gabriel Garcia Márquez reescreve seus livros mais de 10 vezes, Mempo Giardinelli chega a refazer seus contos mais de 30 vezes, e Murilo Rubião modificava seus textos a cada nova edição. Ricardo Piglia afirma: " Escrever é sobretudo corrigir (...), quando o texto está pronto há um trabalho de revisão bastante singular. A gente faz um esforço para se colocar no lugar de uma espécie de leitor perfeito, capaz de detectar todas as falhas e nós do texto, e tenta ler o que escreveu como se fosse outro. Nesse sentido, a revisão é uma leitura utópica e tão interminável como a própria escrita. "

Em qualquer serviço editorial, antes de um texto ser levado ao público sofre pelo menos quatro revisões minuciosas. Mesmo jornalistas que escrevem diariamente, desenvolvem a habilidade de reformular rapidamente textos antes de publicá-los. Apenas a escola enfatiza a primeira versão, e, assim, passa para o estudante uma visão equivocada do processo de escrever e consolida um mito que é preciso destruir para viver a escrita em sua plenitude, como uma forma de liberdade e de felicidade.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Dois

    Paulo Ricardo/Michael Sullivan

Quando você disse, nunca mais
Não ligue mais, melhor assim
Não era bem o que eu queria ouvir
E me disse decidida
" Saia da minha vida "
Que aquilo era loucura, era absurdo
E mais uma vez você ligou
Dias depois, me procurou
Com a voz suave, quase que formal
E disse que não era bem assim
Não necessariamente o fim
De uma coisa tão bonita e casual
De repente, as coisas mudam de lugar
E quem perdeu pode ganhar
Teu silêncio preso na minha garganta
E o medo da verdade
Eu sei que eu, eu queria estar contigo
Mas sei que não, sei que não é permitido
Talvez se nós, se nós tivéssemos fugido
E ouvido a voz desse desconhecido, o amor
O amor, o amor, o amor
Essa voz que chega devagar
Pra perturbar, pra enlouquecer
Dizendo pra eu pular de olhos fechados
Essa voz que chega a debochar
Do meu pavor, mas ao pular
Eu me vejo ganhar asas e voar
De repente as coisas mudam de lugar
E quem perdeu pode ganhar
Minha amiga, minha namorada
Quando é que eu posso te encontrar?

Música do CD O Amor Me Escolheu, de Paulo Ricardo, lançado em 1997.

Combinado Assim

               Gilson/Joran

Tudo bem pra mim
Se você diz que não
Tem mais jeito
Eu não posso te prender
Cada um faz o que acha direito
Combinado assim
O que você quiser eu aceito
Se você se arrepender
Volte logo ninguém é perfeito

Vou ficar aqui te amando
De qualquer maneira
Se preciso for a vida inteira
Toda noite aqui sonhando
Todo dia me dizendo
Que você me ama e vai voltar
Não vou me cansar
De te esperar

Tá combinado assim
A gente não diz adeus
Afinal, eu sei que a gente
Ainda se ama
Tá combinado assim
A gente vai dar um tempo
Quando precisar de mim
Você me chama

Faz de conta
Que eu não vou sofrer
Não diga nada
Siga o seu coração
E se por acaso eu chorar
Não se preocupe
É simplesmente emoção
Combinado assim

Música que abria o então LP de Adriana intitulado " Dom de Amar ", lançado em 1988 pela gravadora RGE.

sábado, 8 de junho de 2013

A Disciplina do Amor

     Lygia Fagundes Telles

Foi na França, durante a segunda grande guerra: um jovem tinha um cachorro que todos os dias, pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e na maior alegria, acompanhava-o com seu passinho saltitante de volta à casa. A vila inteira já conhecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava a correr todo animado atrás dos mais íntimos. Para logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe. Mas eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar ansioso naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que pudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e levava sua vida normal de cachorro até chegar o dia seguinte. Então, disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao seu posto de espera. O jovem morreu num bombardeio mas no pequeno coração do cachorro não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando aquela hora ele disparava para o compromisso assumido, todos os dias. Todos os dias. Com o passar dos anos (a memória dos homens!) as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros familiares. Os amigos, para outros amigo. Só o cachorro já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina. As pessoas estranhavam, mas quem esse cachorro está esperando?... Uma tarde (era inverno) ele lá ficou, o focinho voltado para aquela direção.

do livro A Disciplina do Amor, da Ed. Nova Fronteira.

Princesa

      Flávio Venturini/Ronaldo Bastos

Vale tentar viver
Tudo demais.
Você me faz descobrir
O dom de iluminar.

Tudo que for sentir
Deve durar,
De tanto a luz explodir,
Aprender, conhecer,
Revelar.

Sim, princesa,
Sou quem vai chegar.
Da chuva da montanha
Vem se molhar.
Sempre, pra sempre
Sou do seu querer.
Estrela cintilante,
Vem me valer.

Vale dizer que sim,
Vale chorar.
De tanto o som expandir,
Descobrir, conhecer,
Revelar.

Sim, princesa,
Sou quem vem pedir.
Me faz arder em brasa,
Vem, me acende.
Chama, me chama,
Sou por teu querer.
Estrela cintilante,
Vem me valer.

Sempre, pra sempre
Sou do seu querer.
Estrela cintilante,
Vem me valer.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Cantiga de Amigo

      Elomar

Lá na casa dos carneiros
onde os violeiros vão cantar louvando você
Em cantigas de amigo
cantando comigo
somente porque você é
minha amiga, mulher
lua nova no céu que já não me quer

Dezessete é minha conta
vem amiga e conta uma coisa linda pra mim
conta os fios dos meus cabelos
sonhos e anelos
conta-me que o amor que não tem fim
madre, amiga é ruim
Me mentiu jurando amor que não tem fim

Lá na casa dos carneiros
sete candeeiros iluminam a sala de amor
sete violas em clamores
sete cantadores
são sete tiranas de amor
madre amiga, em flor
que partiu e até hoje não voltou

Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim

pois na casa dos carneiros
violas e violeiros
só vivem clamando assim
madre,
amiga é ruim
me mentiu jurando
amor que não tem fim

Belíssima regravação feita por "Diana Pequeno" em seu então LP de 1979 intitulado Eterno Como Areia. 

A Dança

           Pablo Neruda

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

domingo, 19 de maio de 2013

Sermão da Sexagenária

               Padre Vieira

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a  doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora, suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender a falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar (...) deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta do céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a semente, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar, e com a chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem(...)

Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.

Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles grande fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. (...) Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus são as pedras e os espinhos. E por quê? - Os espinhos por agudos, as pedras por duras. (...) Oh! Deus nos livre de vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras! (...) E com os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza, nasce nas pedras.

A Lenda daYara

         Maria Thereza Cunha
 
O pôr-do-sol é a hora da Yara. Ela mora nu fundo das águas, mas à tardinha vem à tona. Vem colher flores aquáticas para se enfeitar, vem brincar com os peixinhos alegres das margens do rio. Ou vem buscar noivo!
 
As índias dizem aos filhos:
 
- Não cheguem perto das águas na hora do pôr-do-sol! A Yara quer moços para afogar!
 
Os filhos escutam e ficam assustados; sabem que a Yara é linda e canta - e encanta!!
 
Certo dia, um tapuia valente remava sossegado. O sol ia alto no céu, mas o índio distraiu-se pensando e as horas se passavam...
 
Os primeiros pássaros voltavam aos ninhos.
 
Os primeiros sapos coaxavam longe. Anoitecia. O sol, lentamente, parecia afundar-se nas águas do rio.
 
Subitamente, de dentro d'água, uma flor brotou! Mas cantava! E sacudia, rindo, os negros cabelos, tão negros quanto seus olhos luminosos. Não era flor, era a Yara!
 
O moço índio virou a canoa e fugiu para a taba.
 
Mas a Yara já o havia enfeitiçado. Sua voz doce não lhe saía dos ouvidos. Sua lembrança o perseguia sempre.
 
E, ao pôr-do-sol, o índio tapuia olhava a canoa, louco para sair pelo rio.
 
- Não vá - pedia-lhe a mãe, chorosa! Ela sabia. Tinha a certeza de que o filho encontrara a linda Yara...
 
Lá longe, brincando com peixinhos e colhendo flores, a Yara cantava, esperando. Ela também sabia que o tapuia teria que voltar.
 
E foi o que aconteceu certa tardinha.
 
Os jasmins exalavam seu perfume.
 
Os pássaros voltavam para os ninhos.
 
E o índio, esquecendo sua taba e sua gente, pulou na canoa e remou...
 
Remou... até encontrar a bela Yara. E a Yara, sempre cantando, levou o índio valente para o fundo das águas...