terça-feira, 26 de junho de 2012

O difícil facilitário do verbo ouvir

                   Arthur da Távola


Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de como o receptor ouve o que o emissor falou.

Numa mesma  cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.

Na conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
Diante desse quadro, venho desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente leitorado que, por certo me ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.

Observe que:

1- Em geral o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.
2- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer.
3- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca que o outro está falando aquilo que se acostumou a ouvir.
4- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro ia falar.
5- Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Eles ouvem quase só o que estão pensando para dizer em seguida.
6- O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que gostaria de ouvir ou que o outro dissesse.
7- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela apenas ouve o que está sentindo.
8- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.
9- A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em objeto de concordância ou discordância.
10- A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
11- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as ideias e pontos de vista que no momento a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.

Esses pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, ou são monólogos simultâneos trocados à guisa de conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os polos ouvem-se, não é claro, no sentido material de " escutar " mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.

Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.

Não só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam " não ouvir " porque " não ouvindo " livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir, é, pois, um sólido mecanismo de defesa.

Ouvir é um grande desafio. Desafio de abertura interior: de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza. Ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.

Depois que a pessoa aprende a ouvir ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.


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