segunda-feira, 26 de março de 2012

Perséfone*

                      Flora J. Cooker


Deméter** tinha a seu cuidado todas as plantas, frutas e sementes do mundo. Ensinava os homens a arar os campos e a plantar as sementes. Ajudava-os nas suas colheitas. Eles amavam a bondosa mãe Terra e,  prazerosamente, lhe obedeciam. Gostavam também de sua filha - a bela Perséfone.

Perséfone passeava o dia todo entre as flores dos prados. Onde quer que fosse, os pássaros, cantando alegremente, voavam, em bandos, atrás dela.

O povo dizia: 
- Onde Perséfone estiver, estão os quentes raios de sol; quando ela sorri, as flores desabrocham. Ouçam a sua voz: é como um chilrear de passarinhos.

Deméter queria sempre que a filha estivesse a seu lado. Mas, um dia, Perséfone foi sozinha a uma campina, próxima ao mar. Fez uma grinalda de flores delicadas para os cabelos e colheu todas as que lhe couberam no avental.

Logo, do outro lado do prado, a jovem viu uma flor branca, resplandecente. Correu para ela e verificou que era um pé de narciso, muito mais bonito do que qualquer outro que houvesse visto. Em uma só haste havia umas cem flores. Perséfone procurou apanhar uma, mas a haste não se quebrou. Com toda força, procurou arrancá-la; lentamente, o narciso veio com raiz e tudo.

Ficou, na terra, uma grande cavidade que aos poucos foi aumentando. Logo Perséfone ouviu um reboar como o de um trovão, sob os pés. depois, viu quatro cavalos negros emergindo da cavidade em direção a ela. Atrás deles, vinha um carro feito de ouro e pedras preciosas. Nele estava sentado um homem moreno e  carrancudo. Era Hades.***

Ele vinha das profundezas do seu reino de trevas e protegia os olhos com as mãos. Hades viu Perséfone no campo ensolarado, bela entre as flores. Aproximou-se, tomou-as nos braços e colocou-a na carruagem a seu lado.

As flores caíram-lhe do avental.
- Oh! As minhas lindas flores! gritou. Perdi-as todas.

Então, ela olhou o rosto severo de Hades. Amedrontada,  estendeu as mãos ao gentil Apolo**** que conduzia sua carruagem pelo céu. Clamou por sua mãe, Deméter, para que a socorresse. Ninguém lhe respondeu.

Hades conduziu o coche para o seu lar escuro, nas profundezas da Terra. Os cavalos pareciam voar. Quando entraram nas trevas, Hades procurou consolar Perséfone. Falou-lhe das maravilhas de seu reino, de todo o ouro, prata e pedras preciosas que possuía. À luz mortiça, enquanto seguiam, Perséfone viu pedras luzindo de todos os lados, mas não se importou com elas e chorou amargamente.

- Tenho vivido muito só em meu vasto reino, disse-lhe Hades. Levo-a para o meu palácio a fim de fazê-la minha rainha. Você compartilhará de minhas riquezas.

Perséfone, porém, não queria ser rainha. Desejava apenas estar junto de sua mãe, do sol brilhante e das campinas docemente perfumadas.
Breve chegaram ao palácio de Hades. Perséfone achou-o muito escuro, desolado e também muito frio. Havia um festim preparado para ela, mas a jovem não quis comer coisa alguma. Sabia que aquele que comesse no palácio de Hades nunca mais retornaria à terra. Sentia-se infeliz, embora Hades tentasse, por todos os meios, agradar-lhe.

Tudo sobre a Terra estava triste também.
Uma por uma, as flores fecharam suas corolas e disseram:
- Não podemos desabrochar, porque Perséfone foi embora.
As árvores deixaram cair as folhas e lamentaram-se:
- Perséfone não volta mais, nunca mais.


Os pássaros voaram para longe , queixando-se:
- Não podemos cantar mais, porque Perséfone foi embora.


Deméter estava mais desesperada que todos. Ouvira o apelo de Perséfone e apressara-se a procurá-la. Em vão buscou a filha por todos os cantos da Terra.
Perguntava a todos que encontrava no caminho:
- Viram Perséfone? Onde está Perséfone?


A única resposta que recebia era:
- Foi-se embora. Perséfone não volta mais!


Em pouco tempo, Deméter se tornou uma velha, de rosto enrugado. Ninguém reconhecia nela aquela mãe bondosa que sempre sorria para todos. Envolvera-se de luto, dia e noite; suas grossas lágrimas caíam continuamente sobre o solo frio. Nada mais cresceu na Terra e tudo se tornou triste e estéril.

Era inútil o povo lavrar o solo. Era inútil plantar sementes. Nada poderia medrar sem o auxílio de Deméter e todos se tornaram preguiçosos e melancólicos.

Deméter perambulou por muitas terras e quando se certificou de que ninguém, no mundo, lhe poderia dar notícias de Perséfone voltou os olhos para o céu. Lá, viu Apolo na sua carruagem cintilante. Não ia tão alto como costumava ir, porque não queria ser encoberto pela névoa escura que, por muitos dias, não o deixara ser visto por pessoa alguma.

Deméter estava certa de que ele sabia onde se encontrava Perséfone, porque podia ver todas as coisas na Terra e no Céu.
- Ó grande Apolo! exclamou, tende piedade de mim e dizei-me onde está escondida minha filha.


Apolo, então, lhe disse que Hades a havia levado; que Perséfone estava com ele em seu palácio subterrâneo.
Deméter correu ao grande Pai Zeus***** que podia fazer todas as coisa. Pediu-lhe que mandasse alguém a Hades buscar sua filha. Zeus chamou Hermes******. Ordenou-lhe que fosse, tão depressa quanto o vento, ao palácio de Hades.

Hermes obedeceu, alegremente, e segredou a boa nova a todos os que encontrou no caminho.
Logo chegou ao escuro reino subterrâneo. Entregou a Hades a mensagem de Zeus. Falou das terras estéreis e de como Deméter se cobrira de luto pela filha. Disse que ela não deixaria nada medrar até que Perséfone voltasse.

- O povo morrerá de fome se ela não voltar logo, disse-lhe.

Quando Perséfone soube da visita de Hermes, chorou amargamente, porque, naquele mesmo dia, havia comido uma romã e engolido seis sementes, e lembrou-se de que quem houvesse comido no palácio de Hades não mais podeira voltar à Terra.

Mas Hades teve pena dela e disse:
- Vá, Perséfone, retorne à luz do sol. A lei, porém, deve ser obedecida: terá de voltar todos os anos e ficar comigo seis meses, porque foram seis as sementes que comeu. É só o que peço.


A alegria deu-lhe asas e, tão depressa como o próprio Hermes, Perséfone voou para a luz do sol.
Subitamente, as flores desabrocharam. Os pássaros formaram bandos e cantava; das árvores, nasceram folhas verdes e luzidias. Todos, grandes e pequenos, começaram a dizer, em sua própria linguagem:
- Sejamos felizes, pois Perséfone voltou! Perséfone voltou!


Deméter estava tão mergulhada em seu sofrimento que não atinou, de pronto, com aquelas vozes. Logo, porém, notou as grandes mudanças em redor e ficou confusa.
- Como pode a terra ser tão ingrata! Como pôde, em tão  pouco tempo, esquecer a minha doce Perséfone? disse Deméter.

Não demorou muito, entretanto, para se tornar radiante o seu rosto. Deméter voltou a ser a bondosa mãe Terra, porque tinha de novo, nos braços, a bem-amada filha.

Ao saber que Perséfone só poderia ficar em sua companhia metade do ano, trouxe-lhe os mais ricos tesouros. Sempre que Perséfone chegava, o mundo se enchia de beleza e alegria.

Quando ela se ia, Deméter cobria, cuidadosamente, os rios, os lagos, e estendia um leve lençol sobre a Terra adormecida...

* Perséfone: nome grego de Prosérpina.
** Deméter: nome grego de Ceres, a deusa da agricultura.
*** Hades: nome grego de Plutão, o rei dos infernos.
**** Apolo ou Febo: o deus-Sol.
***** Zeus: nome grego de Júpiter, o pai dos deuses.
****** Hermes: nome grego de Mercúrio, o mensageiro dos deuses.

domingo, 25 de março de 2012

Os Estatutos do Homem

             (Ato Institucional Permanente)
                                             Thiago de Mello


Artigo I: Fica decretado que agora vale a verdade,
             que agora vale a vida,
             e que de mãos dadas,
             trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II: Fica decretado que todos os dias da semana,
              inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
              têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III: Fica decretado que, a partir deste instante,
               haverá girassóis em todas as janelas,
               que os girassóis terão direito
               a abrir-se dentro da sombra;
               e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
               abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV: Fica decretado que o homem
               não precisará nunca mais
               duvidar do homem.
               Que o homem confiará no homem
               como a palmeira confia no vento,
               como o vento confia no ar,
               como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo Único: O homem confiará no homem
                           como um menino confia em outro menino.

Artigo V: Fica decretado que os homens
               estão livres do jugo da mentira.
               Nunca mais será preciso usar
               a couraça do silêncio
               nem a armadura de palavras.
               O homem se sentará à mesa
               com seu olhar limpo
               porque a verdade passará a ser servida
               antes da sobremesa.

Artigo VI: Fica estabelecida, durante dez séculos,
               a prática sonhada pelo profeta Isaías,
               e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
               e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII: Por decreto irrevogável fica estabelecido
                o reinado permanente da justiça e da claridade,
                e a alegria será uma bandeira generosa
                para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII: Fica decretado que a maior dor
                 sempre foi e será sempre
                 não poder dar-se amor a quem se ama
                 e saber que é a água
                 que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX: Fica permitido que o pão de cada dia
               tenha no homem o sinal de seu suor.
               Mas que sobretudo tenha sempre
               o quente sabor da ternura.

Artigo X: Fica permitido a qualquer pessoa,
              a qualquer hora da vida,
              o uso do traje branco.

Artigo XI: Fica decretado, por definição,
               que o homem é um animal que ama
               e que por isso é belo,
               muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII: Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
                Tudo será permitido,
                inclusive brincar com os rinocerontes
                e caminhar pelas tardes
                com um imensa begônia na lapela. 

Parágrafo Único: Só uma coisa fica proibida:
                           amar sem amor.

Artigo XIII: Fica decretado que o dinheiro
                 não poderá nunca mais comprar
                 o sol das manhas vindouras.
                 Expulso do grande baú do medo,
                 o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
                 para defender o direito de cantar
                 e a festa do dia que chegou.

Artigo Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade,
                    a qual será suprimida dos dicionários
                    e do pântano enganoso das bocas.
                    A partir deste instante
                    a liberdade será algo vivo e transparente
                    como um fogo ou um rio,
                    e a sua morada será sempre
                    o coração do homem.

Corcovado Sem Seu Senhor

                             Klébi Nori

Redentor desceu pro mar
quis pisar na areia
e pra fazer diferente
eis Redentor pessoalmente
em nova Santa Ceia
Cansou de posar de estátua
quis sentir na veia
pôs boné e havaiana
foi medir Copacabana
guarda-sol, conversa alheia
Ah! Redentor, Redentor
ele mesmo foi quem fotografou
o Corcovado sem seu Redentor
Redentor quis conversar
e chamou sereia
disse que é prevaricação
só ser vista de raspão
na maré baixa indo pra cheia
Redentor foi pra Avenida       
dar sorte pra Mangueira
mas logo saiu da área
foi rezar na Candelária
uma noite inteira
Ah! Redentor...
Redentor deixou seu manto
pra lavar num tanque
de uma boa nega ateia
que se diz lá da Judeia
e quer  ensinar-lhe um funk
Redentor quis posto nove
é simpatizante
mas achou um pouco cedo
ir pra Farme de Amoedo
e também já viu bastante
Ah! Redentor...
Ao Redentor faltou pisar
no seu Maracanã
assim jogou no esqueleto
um sutil vermelho e preto
ficou lá desde manhã
Mas Redentor mostrou cansaço
pensou em viajar
e reivindicando férias
tomou uma ponte aérea
carioca não vai gostar
Ah! Redentor, Redentor
se declarou fã
fã mesmo de Adoniran
e foi assim que deu-lhe um estaulo
Redentor vai se mudar pro Pico do Jaraguá
zona oeste de São Paulo

faixa do CD " Daqui " da cantora paulistana Klébi Nori gravado em 2007.

Outro amor não quero

                       Rildo Hora/ Roque Ferreira

São João, ô São João
Eu pedi a Santo Antônio
Pra fazer meu bem voltar
E o Santo casamenteiro
Sem saber seu paradeiro
Mandou outro em seu lugar
Ô, São João
Acorda, meu São João
Fala aí, com Santo Antônio
Que outro amor não quero não

Hoje eu não pulo fogueira
Hoje eu não solto balão
Nem vou fazer brincadeira
Na beira do ribeirão
Se Santo Antônio tivesse
Seu bem também que nem eu
Ouvindo a minha prece
Não dava o bolo que deu
Ô, João, não me esquece
Manda pra mim o que é meu

Essa noite eu não vou dormir
Ai de mim, São João, tem dó
Só meu bem que me faz sorrir
Só ele, ele só

música presente no CD duplo " Joanna 20 anos ao vivo " lançado em 1999.

sábado, 24 de março de 2012

Cercas ou Pontes

Dois irmãos que moravam em fazendas vizinhas, separadas apenas por um riacho, entraram em conflito. Foi a primeira grande desavença em toda uma vida de trabalho lado a lado. Mas agora tudo havia mudado. O que começou com um pequeno mal entendido, finalmente explodiu numa troca de palavras ríspidas, seguidas por semanas de total silêncio.

Numa manhã, o irmão mais velho ouviu baterem à sua porta. Era um homem que se dizia um carpinteiro.
- Estou procurando um trabalho, disse a ele. Talvez você tenha algum serviço para mim.

- Sim, disse o fazendeiro. Claro! Vê aquela fazenda ali além do riacho? É do meu vizinho. Na realidade, do meu irmão mais novo. Nós brigamos e não posso mais suportá-lo. Vê aquela pilha de madeira ali no celeiro?
Pois use para construir uma cerca bem alta.

- Acho que entendo a situação, disse o carpinteiro. Mostre-me onde estão a pá e os pregos. O irmão mais velho entregou o material e foi para a cidade. O homem ficou ali cortando, mediando, trabalhando o dia inteiro.

Quando o fazendeiro chegou, não acreditou no que viu: em vez de cerca, uma ponte foi construída ali, ligando as duas margens do riacho. Era um belo trabalho, mas o fazendeiro ficou enfurecido e falou:

- Você foi atrevido construindo essa ponte depois de tudo que lhe contei.

Mas as surpresas não pararam aí. Ao olhar novamente para a ponte viu o seu irmão se aproximando de braços abertos. Por um instante permaneceu imóvel do seu lado do rio. O irmão mais novo, então falou:
- Você realmente foi muito amigo, construindo este ponte mesmo depois do que eu lhe disse.

De repente, num só impulso, o irmão mais velho correu na direção do outro e abraçaram-se, chorando no meio da ponte.
O carpinteiro que fez o trabalho partiu com sua caixa de ferramentas.
- Espere, fique conosco! Tenho outros trabalhos para você.
E o carpinteiro respondeu:
- Eu adoraria, mas tenho outras pontes a construir...

autoria desconhecida

A lição dos gansos

Quando um ganso bate as asas, cria um vácuo para o pássaro seguinte. Voando numa formação em " V ", o bando inteiro tem o seu desempenho 71% melhor do que se a ave voasse sozinha!
Lição: Pessoas que compartilham uma direção comum e senso de comunidade, podem atingir seus objetivos mais rápido e facilmente.

Sempre que um ganso sai da formação, sente subitamente a resistência por tentar voar sozinho e, rapidamente, volta para a formação, aproveitando o Vácuo da ave imediatamente a sua frente.
Lição: Se tivermos tanta sensibilidade quanto um ganso, permaneceremos em formação com aqueles que se dirigem para onde pretendemos ir e nos disporemos a aceitar a sua grande ajuda, assim como prestar a nossa ajuda aos outros.

Quando o ganso líder se cansa, muda para trás na formação e, imediatamente, um outro ganso assume o lugar voando para a posição de ponta.
Lição: É preciso acontecer um revezamento das tarefas pesadas e dividir a liderança. As pessoas, assim como os gansos, são dependentes umas das outras.

Os gansos de trás, na formação, grasnam para incentivar e encorajar os da frente a aumentar a velocidade.
Lição: Precisamos nos assegurar de que o nosso " grasno " seja encorajador para que a nossa equipe aumente o seu desempenho.

Quando um ganso fica doente, ferido ou é abatido, dois gansos saem da formação e seguem-no para ajudá-lo e protegê-lo. Ficam com ele até que ele esteja apto a voar de novo ou morra. Se assim, eles voltam ao procedimento normal, com outra formação ou vão atrás de outro bando.
Lição: Se nós tivermos bom senso tanto quanto os gansos, também estaremos ao lado dos outros nos momentos difíceis.


autoria desconhecida

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sentado à beira do caminho

                            Roberto/Erasmo

Eu não posso mais ficar aqui a esperar
Que um dia, de repente, você volte para mim
Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim
Estou sentado à beira de um caminho que não tem mais fim
Meu olhar se perde na poeira dessa estrada triste
Onde a tristeza e a saudade de você ainda existem
Esse sol que queima no meu rosto um resto de esperança
De ao menos ver de perto o seu olhar que eu trago na lembrança

Preciso acabar logo com isso
Preciso lembrar que eu existo
Eu existo, eu existo

Vem a chuva e molha o meu rosto e então eu choro tanto
Minhas lágrimas e os pingos dessa chuva
Se confundem com meu pranto
Olho pra mim mesmo, me procuro e não encontro nada
Sou um pobre resto de esperança à beira de uma estrada

Preciso acabar logo com isso
Preciso lembrar que eu existo
Eu existo, eu existo

Carros, caminhões, poeira, estrada, tudo, tudo
Se confunde em minha mente
Minha sombra me acompanha 
E vê que eu estou morrendo lentamente
Só você não vê que eu não posso mais ficar aqui sozinho
Esperando a vida inteira por você
Sentado à beira do caminho

Preciso acabar logo com isso
Preciso lembrar que eu existo
Eu existo, eu existo

Esta música já é um clássico da MPB; gosto de todas as gravações feitas até hoje (que eu conheço).
Retirei do CD Na Ponta da Língua, de Leila Pinheiro, gravado em 1998. A gravação original é a da dupla de autores em um belo dueto. Além da Leila, outras cantoras também regravaram lindamente a canção: Rosana, Wanderléa e, recentemente, Zizi Possi em um dos DVD's comemorativos dos seus 30 anos de carreira intitulado Cantos e Contos.


ela é um recado...

terça-feira, 20 de março de 2012

Trecho 1 (Livro do Desassossego)

                     Fernando Pessoa

Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens havia perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os maiores a haviam tido - sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem veem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.

Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comumente se chama a Decadência. A Decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.

A quem, como eu, assim, vivendo não sabe ter vida, que resta senão, como a meus poucos pares, a renúncia por modo e a contemplação por destino? Não sabendo o que é a vida religiosa, nem podendo sabê-lo, porque se não tem fé com a razão; não podendo ter fé na abstração do homem, nem sabendo mesmo que fazer dela perante nós, ficava-nos, como motivo de ter alma, a contemplação estética da vida. E, assim, alheios à solenidade de todos os mundos, indiferentes ao divino e desprezadores do humano, entregamo-nos futilmente à sensação sem propósito, cultivada num epicurismo subtilizado, como convém aos nossos nervos cerebrais.

Retendo, da ciência, somente aquele seu preceito central, de que tudo é sujeito às leis fatais, contra as quais se não reage independentemente, porque reagir é elas terem feito que reagíssemos; e verificando como esse preceito se ajusta ao outro, mais antigo, da divina fatalidade das coisas, abdicamos do esforço como os débeis do entretimento dos atletas, e curvamo-nos sobre o livro das sensações com um grande escrúpulo de erudição sentida.

Não tomando nada a sério, nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética mas também na expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena objetividade ao prazer subjetivo da leitura.

Sabemos bem que toda a obra tem que ser imperfeita, e que a menos segura das nossas contemplações estéticas será a daquilo que escrevemos. Mas imperfeito é tudo, nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos dê sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda. E assim, contempladores iguais das montanhas e das estátuas, gozando os dias como os livros, sonhando tudo, sobretudo, para o converter na nossa íntima substância, faremos também as descrições e análises, que, uma vez feitas, passarão a ser coisas alheias, que podemos gozar como se viessem na tarde.

Não é este o conceito dos pessimistas, como aquele de Vigny, para quem a vida é uma cadeia, onde ele tecia palha para se distrair. Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico, e essa atitude é um exagero e um incômodo. Não temos, é certo, um conceito de valia que apliquemos à obra que produzimos. Produzimo-la, é certo, para nos distrair, porém não como o preso que tece a palha, para se distrair do Destino, senão da menina que borda almofadas, para de distrair, sem mais nada.

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.


Os signos e a lâmpada

Quantos arianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Apenas um, mas serão necessários muitas lâmpadas.

Quantos taurinos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Nenhum: taurinos não gostam de mudar nada.

Quantos geminianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Dois (é claro). Vai durar o fim de semana inteiro, mas quando estiver pronto, a lâmpada vai fazer o serviço da casa, falar francês e ficar da cor que você quiser.

Quantos cancerianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Somente um, mas levará três anos para um terapeuta ajudá-lo a passar pelo processo.

Quantos leoninos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Um leonino não troca lâmpadas, a não ser que ele segure a lâmpada e o mundo gire em torno dele.

Quantos virginianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Vamos ver: um para girar a lâmpada, um para anotar quando a lâmpada queimou e a data em que ela foi comprada; outro para decidir de quem foi a culpa da lâmpada ter sido queimada e perguntar; dez para decidir como remodelar a casa enquanto o resto troca a lâmpada...

Quantos librianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Bom, na realidade, eu não sei. Acho que depende de quando a lâmpada foi queimada. Talvez só um, se for uma lâmpada comum, mas talvez dois se a pessoa não souber onde encontrar uma lâmpada, ou...

Quantos escorpianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Mas quem quer saber? Por que " você " quer saber? Você é policial?

Quantos sagitarianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- O sol está brilhando, está cedo, nós temos a vida inteira pela frente e você está preocupado em trocar uma lâmpada estúpida?

Quantos capricornianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Nenhum. Capricornianos não trocam lâmpadas - a não ser que seja um negócio lucrativo.

Quantos aquarianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- Vão aparecer centenas, todos competindo para ver quem será o único a trazer a luz ao mundo.

Quantos piscianos são necessários para trocar uma lâmpada?
- O quê? A luz está apagada?

segunda-feira, 19 de março de 2012

Angel of the morning

                                    Chip Taylor


There'll be no strings to bind your hands
not if my love can't bind your heart.
And there's no need to take a stand
for it was I who chose to start.
I see no need to take me home,
I'm old enough to face the dawn.

Just call me angel of the morning, angel
just touch my cheek before you leave me, baby.
Just call me angel of the morning, angel
then slowly turn away from me.

Maybe the sun's light will be dim
and it won't matter anyhow.
If morning's echo says we vw sinned,
well, it was what I wanted now.
And if we're the victims of the nignt,
I won't be blinded by light.

Just call me angel of the morning, angel
just touch my cheek before you leave me, baby.
Just call me angel of the morning, angel
then slowly turn away,
I won't beg you to stay with me
through the tears of the day,
of the years, baby baby baby.
Just call me angel of the morning, angel
just touch my cheek before you leave me , baby.


Não existirão cordas para amarrar suas mãos,
Não se meu amor não puder amarrar seu coração.
Não há necessidade de tomar uma atitude,
Porque fui eu que escolhi começar.
Eu não vejo necessidade de me levar para casa,
Sou velho o suficiente para enfrentar o amanhecer.

Apenas me chame de anjo da manhã, anjo
Apenas toque minha face antes de me deixar, menino.
Apenas me chame de anjo da manhã, anjo
Então lentamente afaste-se de mim.

Talvez a luz do sol esteja embaçada
E isso não vai importar, de qualquer modo.
Se o eco da manhã disser que nós pecamos,
Bem, era o que eu queria neste momento.
E se nós formos vítimas da noite,
Eu não serei ofuscado pela luz.

Apenas me chame de anjo da manhã, anjo
Apenas toque em minha face antes de me deixar, menino.
Apenas me chame de anjo da manhã, anjo.
Então, lentamente afaste-se...
Eu não te pedirei para ficar comigo,
Em meio às lágrimas do dia, dos anos, menino.

Apenas me chame de anjo da manhã, anjo
Apenas toque em minha face antes de me deixar, menino.
Apenas me chame de anjo da manhã, anjo
Apenas toque em minha face antes de me deixar, querido.

Apenas me chame de anjo da manhã, anjo.
Apenas toque em minha face antes de me deixar, querido.

Esta é outra canção estrangeira que fez parte da minha adolescência e que ainda hoje me é muito importante.
Busquei a letra e a tradução e confirmei a sua beleza. Bela voz a da cantora, Juice Newton. A música é de 1981.