segunda-feira, 26 de março de 2012

Perséfone*

                      Flora J. Cooker


Deméter** tinha a seu cuidado todas as plantas, frutas e sementes do mundo. Ensinava os homens a arar os campos e a plantar as sementes. Ajudava-os nas suas colheitas. Eles amavam a bondosa mãe Terra e,  prazerosamente, lhe obedeciam. Gostavam também de sua filha - a bela Perséfone.

Perséfone passeava o dia todo entre as flores dos prados. Onde quer que fosse, os pássaros, cantando alegremente, voavam, em bandos, atrás dela.

O povo dizia: 
- Onde Perséfone estiver, estão os quentes raios de sol; quando ela sorri, as flores desabrocham. Ouçam a sua voz: é como um chilrear de passarinhos.

Deméter queria sempre que a filha estivesse a seu lado. Mas, um dia, Perséfone foi sozinha a uma campina, próxima ao mar. Fez uma grinalda de flores delicadas para os cabelos e colheu todas as que lhe couberam no avental.

Logo, do outro lado do prado, a jovem viu uma flor branca, resplandecente. Correu para ela e verificou que era um pé de narciso, muito mais bonito do que qualquer outro que houvesse visto. Em uma só haste havia umas cem flores. Perséfone procurou apanhar uma, mas a haste não se quebrou. Com toda força, procurou arrancá-la; lentamente, o narciso veio com raiz e tudo.

Ficou, na terra, uma grande cavidade que aos poucos foi aumentando. Logo Perséfone ouviu um reboar como o de um trovão, sob os pés. depois, viu quatro cavalos negros emergindo da cavidade em direção a ela. Atrás deles, vinha um carro feito de ouro e pedras preciosas. Nele estava sentado um homem moreno e  carrancudo. Era Hades.***

Ele vinha das profundezas do seu reino de trevas e protegia os olhos com as mãos. Hades viu Perséfone no campo ensolarado, bela entre as flores. Aproximou-se, tomou-as nos braços e colocou-a na carruagem a seu lado.

As flores caíram-lhe do avental.
- Oh! As minhas lindas flores! gritou. Perdi-as todas.

Então, ela olhou o rosto severo de Hades. Amedrontada,  estendeu as mãos ao gentil Apolo**** que conduzia sua carruagem pelo céu. Clamou por sua mãe, Deméter, para que a socorresse. Ninguém lhe respondeu.

Hades conduziu o coche para o seu lar escuro, nas profundezas da Terra. Os cavalos pareciam voar. Quando entraram nas trevas, Hades procurou consolar Perséfone. Falou-lhe das maravilhas de seu reino, de todo o ouro, prata e pedras preciosas que possuía. À luz mortiça, enquanto seguiam, Perséfone viu pedras luzindo de todos os lados, mas não se importou com elas e chorou amargamente.

- Tenho vivido muito só em meu vasto reino, disse-lhe Hades. Levo-a para o meu palácio a fim de fazê-la minha rainha. Você compartilhará de minhas riquezas.

Perséfone, porém, não queria ser rainha. Desejava apenas estar junto de sua mãe, do sol brilhante e das campinas docemente perfumadas.
Breve chegaram ao palácio de Hades. Perséfone achou-o muito escuro, desolado e também muito frio. Havia um festim preparado para ela, mas a jovem não quis comer coisa alguma. Sabia que aquele que comesse no palácio de Hades nunca mais retornaria à terra. Sentia-se infeliz, embora Hades tentasse, por todos os meios, agradar-lhe.

Tudo sobre a Terra estava triste também.
Uma por uma, as flores fecharam suas corolas e disseram:
- Não podemos desabrochar, porque Perséfone foi embora.
As árvores deixaram cair as folhas e lamentaram-se:
- Perséfone não volta mais, nunca mais.


Os pássaros voaram para longe , queixando-se:
- Não podemos cantar mais, porque Perséfone foi embora.


Deméter estava mais desesperada que todos. Ouvira o apelo de Perséfone e apressara-se a procurá-la. Em vão buscou a filha por todos os cantos da Terra.
Perguntava a todos que encontrava no caminho:
- Viram Perséfone? Onde está Perséfone?


A única resposta que recebia era:
- Foi-se embora. Perséfone não volta mais!


Em pouco tempo, Deméter se tornou uma velha, de rosto enrugado. Ninguém reconhecia nela aquela mãe bondosa que sempre sorria para todos. Envolvera-se de luto, dia e noite; suas grossas lágrimas caíam continuamente sobre o solo frio. Nada mais cresceu na Terra e tudo se tornou triste e estéril.

Era inútil o povo lavrar o solo. Era inútil plantar sementes. Nada poderia medrar sem o auxílio de Deméter e todos se tornaram preguiçosos e melancólicos.

Deméter perambulou por muitas terras e quando se certificou de que ninguém, no mundo, lhe poderia dar notícias de Perséfone voltou os olhos para o céu. Lá, viu Apolo na sua carruagem cintilante. Não ia tão alto como costumava ir, porque não queria ser encoberto pela névoa escura que, por muitos dias, não o deixara ser visto por pessoa alguma.

Deméter estava certa de que ele sabia onde se encontrava Perséfone, porque podia ver todas as coisas na Terra e no Céu.
- Ó grande Apolo! exclamou, tende piedade de mim e dizei-me onde está escondida minha filha.


Apolo, então, lhe disse que Hades a havia levado; que Perséfone estava com ele em seu palácio subterrâneo.
Deméter correu ao grande Pai Zeus***** que podia fazer todas as coisa. Pediu-lhe que mandasse alguém a Hades buscar sua filha. Zeus chamou Hermes******. Ordenou-lhe que fosse, tão depressa quanto o vento, ao palácio de Hades.

Hermes obedeceu, alegremente, e segredou a boa nova a todos os que encontrou no caminho.
Logo chegou ao escuro reino subterrâneo. Entregou a Hades a mensagem de Zeus. Falou das terras estéreis e de como Deméter se cobrira de luto pela filha. Disse que ela não deixaria nada medrar até que Perséfone voltasse.

- O povo morrerá de fome se ela não voltar logo, disse-lhe.

Quando Perséfone soube da visita de Hermes, chorou amargamente, porque, naquele mesmo dia, havia comido uma romã e engolido seis sementes, e lembrou-se de que quem houvesse comido no palácio de Hades não mais podeira voltar à Terra.

Mas Hades teve pena dela e disse:
- Vá, Perséfone, retorne à luz do sol. A lei, porém, deve ser obedecida: terá de voltar todos os anos e ficar comigo seis meses, porque foram seis as sementes que comeu. É só o que peço.


A alegria deu-lhe asas e, tão depressa como o próprio Hermes, Perséfone voou para a luz do sol.
Subitamente, as flores desabrocharam. Os pássaros formaram bandos e cantava; das árvores, nasceram folhas verdes e luzidias. Todos, grandes e pequenos, começaram a dizer, em sua própria linguagem:
- Sejamos felizes, pois Perséfone voltou! Perséfone voltou!


Deméter estava tão mergulhada em seu sofrimento que não atinou, de pronto, com aquelas vozes. Logo, porém, notou as grandes mudanças em redor e ficou confusa.
- Como pode a terra ser tão ingrata! Como pôde, em tão  pouco tempo, esquecer a minha doce Perséfone? disse Deméter.

Não demorou muito, entretanto, para se tornar radiante o seu rosto. Deméter voltou a ser a bondosa mãe Terra, porque tinha de novo, nos braços, a bem-amada filha.

Ao saber que Perséfone só poderia ficar em sua companhia metade do ano, trouxe-lhe os mais ricos tesouros. Sempre que Perséfone chegava, o mundo se enchia de beleza e alegria.

Quando ela se ia, Deméter cobria, cuidadosamente, os rios, os lagos, e estendia um leve lençol sobre a Terra adormecida...

* Perséfone: nome grego de Prosérpina.
** Deméter: nome grego de Ceres, a deusa da agricultura.
*** Hades: nome grego de Plutão, o rei dos infernos.
**** Apolo ou Febo: o deus-Sol.
***** Zeus: nome grego de Júpiter, o pai dos deuses.
****** Hermes: nome grego de Mercúrio, o mensageiro dos deuses.

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