quarta-feira, 27 de junho de 2012

Borboleta

           Marcelo Jeneci/Arnaldo Antunes/Alice Ruiz/Zélia Duncan



Música é que nem borboleta
Ela voa pra onde quer
Ela pousa em quem quiser
Não é homem nem mulher
Música que sai da gaveta
Se traveste na voz de alguém
Quando entra dentro da cabeça
Não é sua e nem de ninguém

Te invade, te assalta e te faz refém
Se a rima não vem, já sabe
Bater palma com a mão
E quando chegar o refrão
Bater com os pés no chão

Se não decorar a letra
Pode cantar o " nananananáa "
A melodia pode assoviar
Pode até dar um berro, pode berrar
Às vezes ela é como um ladrão
Ou como um convidado trapalhão
Depois que entra não quer mais sair
Quer repetir, repetir, repetir

Verde, branca, azul ou vermelha
Também tem música de toda cor
De acalanto, de baile, de amor
De restaurante, de elevador
Música é que nem borboleta
Sai do casulo do auto-falante
Do carrossel e da roda gigante
Pra que você e todo mundo cante


Música do CD Pelo Sabor do Gesto/Em cena, gravado ao vivo em 2011. Esta e outras três canções fazem parte do álbum, mas gravadas em estúdio.



Música Música

              Sueli Costa/Abel Silva


Música, Música
Companheira do quarto dos rapazes
Entre revistas e fumaça
Confidente do quarto das meninas
Entre calcinhas e sandálias
Música, Música

Farol na cerração dos grandes medos
A força que levanta os bailarinos
Elétrica guitarra entre os dedos
Aflitos e quentes dos meninos
Música, Música

Irmã, imã, irmã
Feroz como a ira do Irã
Ou mansa como o último carinho
Quando já chega a manhã
Música, Música

Música que abre o então LP de Simone de 1980...

A Iara

            Ricardo Azevedo


Todo mundo sabe o que é um desejo proibido. São aquelas coisas que a gente sente vontade de fazer mas sabe que não deve.
É o caso, por exemplo, da pessoa gorda, pesando duzentos e tantos quilos, que passa diante da loja de doces e fica parada olhando a vitrine. A pessoa suspira. Aqueles bombons crocantes de chocolate. Aquelas tortas de massa folhada. A pessoa geme. Aqueles pasteizinhos. Aquelas balas recheadas de ovo. A pessoa sabe que precisa perder peso. Sabe que o melhor é dar o fora, mas aquelas delícias açucaradas parece que têm um canto sedutor, parecem uma espécie de ímã irresistível puxando e puxando.
Outro caso. O aluno precisa estudar matemática. A prova vai ser no dia seguinte, logo cedo. O menino, ou menina, chega da escola, almoça e vai para o quarto. Quando abre a janela, que dia maravilhoso! A criança pega o livro. Que céu azul! A criança tenta se concentrar. Os passarinhos cantam. A criança sabe que precisa estudar. Sabe que a prova não vai ser fácil. Escuta sua turma jogando bola lá fora, rindo, brincando... É quando vem o desejo proibido: atirar os livros para o alto, gritar: - dane-se o mundo! - e ir correndo brincar.
Último exemplo: quem resiste a passar diante de uma torta cremosa de chocolate e não tirar uma lasquinhazinha?
Tudo isso tem a ver com a Iara.
É que a Iara representa o desejo proibido, a tentação. Está ligada àquelas coisas que a gente tem vontade de fazer mas sabe que é melhor não.
Dizem que é uma mulher belíssima, um ser encantado, habitante do fundo das águas. Em certas regiões, é conhecida como Mãe-d'água, a dona das águas, dos rios, dos lagos, lagoas e igarapés. Graças a seu canto mavioso e a sua beleza inigualável, a Iara consegue atrair suas vítimas para, depois, levá-las para seu reino perdido no fundo das águas.
Uma lenda antiga conta que, certa vez, um índio chamado Jaguarari estava pescando tucunaré quando enxergou uma moça boiando no rio. Era a coisa mais linda que o rapaz já tinha visto na vida. Os cabelos da moça tinham a cor das flores e das plantas. Sua boca tinha o brilho do sol. Sua pele era cheirosa e macia. E seus olhos de jabuticaba? E sua voz? A lenda diz que os passarinhos ficavam em silêncio quando a moça cantava. Até as cachoeiras paravam de correr para não atrapalhar seu canto.
A tal moça bonita era a Iara.
Segundo a lenda, a Iara abriu os braços para Jaguarari, sorriu e desapareceu no escuro profundo. Desde aquele dia, Jaguarari nunca mais foi o mesmo. Não queria mais saber de conversa. Não tinha fome. Passava as noites andando sem rumo. Não conseguia arrancar aquela moça encantada do pensamento. Um dia, desesperado, pegou a canoa e partiu para o meio do rio. Dizem que a Iara apareceu, Jaguarari mergulhou com ela e nunca mais voltou.
Na verdade, em todos os cantos do mundo, existem histórias de mães-d'água.
Na Europa, elas são as famosas sereias, descritas como mulheres loiras e lindas, às vezes metade mulher, metade peixe, que vivem nos rios e nos mares penteando a cabeleira, admirando-se diante dos espelhos, cantando e fazendo os navegantes perderem o juízo.
Histórias muito antigas, vindas da África, contam que no fundo do mar habita uma deusa, Iemanjá, muito poderosa, capaz de influenciar as coisas e os rumos de nossa vida. Até hoje existe o costume de levar presentes, colares, pentes, sabonetes, essas coisas de que as mulheres gostam, à rainha do mar. Muitos pescadores garantem que é essa deusa quem determina se sua rede vai voltar vazia ou cheia de peixes. Tal como a Iara e as sereias, a poderosa Iemanjá, se quiser, também pode levar homens embora para sempre.
Na Grécia Antiga, contava-se a história do astuto Ulisses, o herói de mil ardis. Durante sua viagem de volta à Ítaca, onde morava, viu-se obrigado a cruzar a perigosa Terra das Sereias. Acontece que Ulisses era atrevido. Resolveu que ia conhecer o canto daquelas verdadeiras feiticeiras aquáticas e, para isso, seguiu os conselhos de sua amiga Circe: primeiro, tapou com cera os ouvidos de seus companheiros de viagem. Depois, pediu a eles que o amarrassem, bem amarrado, no mastro do navio. Assim, graças a esse estratagema, o guerreiro dos mil disfarces passou pertinho das sereias e, maravilhado, quase enlouquecido, pôde admirar suas maravilhas e ouvir seu canto indescritível, sem correr o risco de ser levado, antes do tempo, para o abismo inevitável da morte.
Iaras, sereias, mães d'água.
Pensando bem, talvez representem algo presente na alma de todo ser humano: a vontade secreta de experimentar o novo, mesmo correndo riscos. O sonho de encontrar, no desconhecido, o paraíso e a felicidade perdida.
O mito de Ulisses, em todo caso, nos ensina que existe um meio-termo: é possível, sim, experimentar e sobreviver ao canto extraordinário da sereia. Basta ter coragem e, claro, saber usar a cabeça.


do livro " Armazém do Folclore ".

terça-feira, 26 de junho de 2012

Cabelos Negros

           Eduardo Dusek/Luís Antônio de Cássio


Eu quero seus cabelos negros
Nas minhas mãos
Eu quero esses olhinhos ciganos
Nos meus sonhos

Eu quero você
Minha vida inteira
Como doce mania
Fosse qualquer maneira
Eu queria você
Assim como é
Sem mentir, nem dizer
O que não quiser

Eu quero você criança
Caída no chão
Eu quero você brilhando
Brincando de mim
Pois eu quis você
Como o sol e as estrelas
Noites de lua
Nostalgia
Eu vou ter você
Mesmo só pra pensar
Nessas coisas de amar
Na alegria

Eu começo a descobrir
Que em meu coração
Tá nascendo um jardim
Pensando em plantar
Você dentro de mim

Pois preciso
Lhe ver várias vezes florescendo
Nas luas crescentes
Sentir seu perfume
Pra encontrar
Você

Música que abre o lado B do então LP de Eduardo Dusek de 1982 intitulado Cantando no Banheiro.

Faltando Um Pedaço

                    Djavan 


O amor é um grande laço
Um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculo
Pra alimentar a matilha
Comparo sua chegada
Com a fuga de uma ilha
Tanto engorda quanto mata
Feito desgosto de filha, de filha

O amor é como um raio
Galopando em desafio
Abre fendas, cobre vales
Revolta as águas dos rios
Quem tentar seguir seu rastro
Se perderá no caminho
Na pureza de um limão
Ou na solidão do espinho

O amor e a agonia
Cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio
O cio vence o cansaço
E o coração de quem ama
Fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando
Que nem o meu nos seus braços.

O difícil facilitário do verbo ouvir

                   Arthur da Távola


Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de como o receptor ouve o que o emissor falou.

Numa mesma  cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.

Na conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
Diante desse quadro, venho desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente leitorado que, por certo me ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.

Observe que:

1- Em geral o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.
2- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer.
3- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca que o outro está falando aquilo que se acostumou a ouvir.
4- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro ia falar.
5- Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Eles ouvem quase só o que estão pensando para dizer em seguida.
6- O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que gostaria de ouvir ou que o outro dissesse.
7- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela apenas ouve o que está sentindo.
8- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.
9- A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em objeto de concordância ou discordância.
10- A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
11- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as ideias e pontos de vista que no momento a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.

Esses pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, ou são monólogos simultâneos trocados à guisa de conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os polos ouvem-se, não é claro, no sentido material de " escutar " mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.

Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.

Não só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam " não ouvir " porque " não ouvindo " livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir, é, pois, um sólido mecanismo de defesa.

Ouvir é um grande desafio. Desafio de abertura interior: de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza. Ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.

Depois que a pessoa aprende a ouvir ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Centopéia

Um cara vivia sozinho, até que decidiu que sua vida seria melhor se ele tivesse um animalzinho  de estimação como companhia. Assim, ele foi até uma loja, falou com o dono que queria um bichinho que fosse incomum.
Depois de um tempo, chegaram à conclusão de que ele deveria ficar com uma centopéia. Centopéia seria mesmo um bichinho incomum...
Um bichinho tão pequeno, com cem pés... é realmente incomum!! A centopéia veio dentro de uma caixinha branca, que seria usada para ser a sua casinha...
Bem, ele levou a caixinha para casa, achou um bom lugar para colocar tão pequenina caixinha, e pensou que o melhor começo para sua nova companhia seria levá-la até o bar, para tomarem uma cervejinha... Assim, ele perguntou à centopéia, que estava dentro da caixinha: - Gostaria de ir comigo até o Frank's tomar uma cerveja? Mas não houve resposta da sua nova amiguinha.
Isto deixou-o meio chateado. Esperou um pouco e perguntou de novo: - Que tal ir comigo até o bar tomar uma cervejinha, heim? Mas, de novo, nada de resposta da nova amiguinha... De novo ele esperou mais um pouco, pensando e pensando sobre o que estava acontecendo... Decidiu perguntar de novo, mas desta vez, chegou o rosto bem perto da caixinha e gritou: - EI, VOCÊ AÍ!!! QUER OU NÃO QUER IR COMIGO ATÉ O FRANK'S TOMAR UMA CERVEJA? 
Uma pequena voz veio de lá de dentro da caixinha: - Eu já ouvi desde a primeira vez, CARA! Estou calçando os sapatos, PORRA!

autoria desconhecida

Eu Vou Estar

             Dinho Ouro Preto/Alvin L.   


Eu não vou pro inferno
Eu não iria tão longe por você
Mas vai ser impossível não lembrar
Vou estar em tudo em que você vê:

Nos seus livros, nos seus discos
Vou entrar na sua roupa
E onde você menos esperar
Eu vou estar

Eu não vou pro céu também
Eu não sou tão bom assim
E mesmo quando encontrar alguém
Você ainda vai me ver a mim

Nos seus livros, nos seus discos
Vou entrar na sua roupa
E onde você menos esperar

Embaixo da cama
Nos carros passando
No verde da grama
Na chuva chegando
Eu vou voltar

Nos seus livros, nos seus discos
Vou entrar na sua roupa
E onde você menos esperar
Eu vou estar...

Música incluída como bônus no CD Sortimento de Zélia Duncan, lançado em 2001.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Se as coisas fossem mães

                  Sylvia Orthof

Se a lua fosse mãe, seria mãe das estrelas,
o céu seria sua casa, casa das estrelas belas.

Se a sereia fosse mãe, seria mãe dos peixinhos,
o mar seria um jardim e os barcos seus caminhos.

Se a casa fosse mãe, seria a mãe das janelas,
conversaria com a lua sobre as crianças estrelas,
falaria de receitas, pasteis de vento, quindins,
emprestaria a cozinha pra lua fazer pudins!

Se a terra fosse mãe, seria a mãe das sementes,
pois mãe é tudo que abraça, acha graça e ama a gente.

Se uma fada fosse mãe, seria a mãe da alegria,
toda mãe é um pouco fada... Nossa mãe fada seria.

Se uma bruxa fosse mãe,
seria mãe gozada:
seria a mãe das vassouras, da Família Vassourada!

Se a chaleira fosse mãe, seria a mãe da água fervida,
faria chá e remédio para as doenças da vida.

Se a mesa fosse mãe,
as filhas, sendo cadeiras,
sentariam comportadas,
teriam " boas maneiras ".

Cada mãe é diferente: mãe verdadeira, ou postiça,
mãe vovó e mãe titia, Maria, Filó, Francisca, Neide,
Gertrudes, Malvina, Alice, toda mãe é como eu disse.

Dona Mamãe ralha e beija,
erra, acerta, arruma a mesa,
cozinha, escreve, trabalha fora,

ri, esquece, lembra e chora,
traz remédio e sobremesa...

Tem até pai que é " tipo mãe "...
esse, então, é uma beleza!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ser

            Carlos Drummond de Andrade

O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.

Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.

Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?

Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te
como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.

O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.