sábado, 30 de janeiro de 2021

Paciência Dinâmica

 A paciência reflete o equilíbrio daquele que mantém a sua confiança em Deus e nas leis que regem a vida.

Revela as conquistas morais que foram logradas, ensejando ampliação de recursos para o incessante progresso do ser.

Pode e deve ser cultivada mediante a reflexão e a prece, que são admiráveis instrumentos para a harmonia íntima, propiciadora da arte e da ciência de esperar.

Quando se age com discernimento, correção e probidade, não há por que desesperar ou atirar-se ao calabouço da amargura.

A consciência tranquila dá a contribuição exata para que se instale a paciência, pois que sabe da justeza dos acontecimentos, quanto da sua oportunidade, submetendo-se às injunções decorrentes como episódios que antecedem a etapa final.

A paciência, por isso mesmo, dulcifica os sentimentos, favorecendo a saúde física e emocional, ao tempo em que irradia em derredor simpatia e afetividade.

Não censura, nem se agasta.

Não exige, nem impõe justificativas.

Não perturba, nem angustia.

Não malsina, nem fraqueja.

A paciência acalma e ajuda; inspira e ampara; aguarda e promove; dignifica e trabalha.

A paciência é reflexo luminoso da fé, sem a qual não se mantém.

Complementam-se, na condição de combustível uma da outra, ou de fruto que se propiciam, de acordo com a vigência de cada qual no imo da criatura.

A paciência é um ato de submissão aos impositivos da vida, que estabelecem a ordem dos fatos, que são conforme devem e não consoante as paixões pessoais.

Ensina que há tempo próprio para a experiência, a lição, o sucesso, e que o aparente fracasso de agora será a realização exitosa de amanhã.

A precipitação é-lhe o adversário mais aguerrido e danoso, por gerar, no indivíduo, irritabilidade e azedume, promotores de distúrbios na saúde de quem lhes agasalha os impulsos.

A formiga, a abelha e todos os insetos constroem suas casas com paciência e ordem.

Os pássaros, em geral, fazem-no da mesma forma.

Letra a letra surge o livro.

Nota a nota estua a sinfonia.

Sem pressa, mas com ritmo, a vida se agiganta em todas as suas expressões em a Natureza.

Convém não se confunda paciência com preguiça, indolência, inércia.

A verdadeira paciência é uma atitude dinâmica perante os acontecimentos, não imobilizando o indivíduo, antes, mantendo-o íntegro no dever, vigilante na ação, dedicado no compromisso.

Com paciência a trabalho, Thomas Edison registrou mais de mil inventos.

Mediante a paciência e o cálculo, Einstein criou a "Teoria da Relatividade", reformulando velhos conceitos em torno do "tempo e do espaço".

Pacientemente, Sócrates esperou a morte injusta.

E Jesus, ensinando-nos a preservá-la em qualquer circunstância, sem defender-se, com paciência entregou-se à morte, em silêncio, a fim de que todos tivéssemos vida.


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos de Coragem, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Livre-Arbítrio

 O sofrimento é resultado do uso do livre-arbítrio do homem de forma equivocada.

Aplicado sem ética ou por precipitação, sem uma análise correta dos fatos, desencadeia reações negativas que geram dor e ressentimento, levando ao desequilíbrio.

A faculdade de discernir contribui para a responsabilidade dos atos praticados.

Assim, Deus permite que o sofrimento se instale no coração humano, pois que, mediante este processo, o indivíduo aprende a respeitar os valores da vida.

O homem pode aceitar ou repudiar as más inspirações que lhe chegam.

O livre-arbítrio dá-lhe dimensão dos resultados das ações que pratica.

A vida dos santos e dos heróis, do cidadão do bem e do cristão é-lhe exemplo de como deve também agir, a fim de fruir de bem-estar.

A eleição dos sentimentos torpes, ao invés dos corretos, embora difíceis de ser aplicados, responde pelos efeitos cáusticos, danosos para o ser.

Afirma-se com propriedade que "o aluno quando está preparado, aparece-lhe o mestre".

Não obstante, o mestre ensina, orienta e aponta os caminhos que o aprendiz deve percorrer.

O seu amor não realiza as tarefas que constituem o curso para a formação do caráter, dos sentimentos, das experiências individuais.

Da mesma forma, age a Divindade em relação às criaturas.

Deus nos faculta o crescimento sob Sua inspiração amorosa, porém, os logros se fazem com esforço pessoal. Sem privilégios, tampouco sem restrições.

As oportunidades são iguais para todos.

Aqueles que hoje desfrutam de felicidade e júbilo, fazem-lhes jus ou as recebem como valores que deverão preservar a benefício pessoal e dos demais.

Quem padece as injunções de dor e limitação já fruiu de ventura e agora se recupera.

O exercício da vontade com a consequente meditação em torno dos deveres a cumprir, transforma-se em disciplina eficaz para o uso do livre-arbítrio.

O segredo da felicidade se encontra na ação consciente em relação às Leis Divinas e ao estado de comportamento humano.

O homem é a grande meta do Pai, que o criou para a perfeição.

Determinando fatores inamovíveis que o  propelem ao progresso, premia-o com o livre-arbítrio mediante o qual estabelece o que fazer, como e quando realizá-lo.

No Decálogo estão as leis básicas da vida e no Evangelho de Jesus se encontram as diretrizes para o uso do livre-arbítrio, como recurso valioso para a libertação do sofrimento e a conquista da realização interior.


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos de Alegria, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2014.

sábado, 16 de janeiro de 2021

Reto Pensar

 Pessoas bem-intencionadas acreditam que algumas ações boas lhes bastam para a paz de consciência no mundo e a conquista do Reino dos Céus logo depois.

Entre nada fazer e algo realizar, é sempre melhor o bem produzir. Todavia, a ação generosa, periódica, não é suficiente para equilibrar os valores humanos no campo de batalha da personalidade em detrimento do ser real em si mesmo.

O homem se torna aquilo que cultiva no pensamento.

A vida mental irregular, geradora de mil conflitos e disparates, não fica anestesiada em face da ingerência de alguns atos de solidariedade ou mesmo de beneficência.

O reto pensar é o método único para atingir o reto atuar.

Somente o pensamento bem direcionado impede que germinem as sementes da perturbação mental geradora dos tormentos que procedem dos vícios ancestrais.

O esforço para insistir no reto pensar preenche os espaços do pensar mal ou não pensar, ambos do agrado da ociosidade e da acomodação.

Mediante o reto pensamento, o homem se descobre, também, agindo retamente.

Inclina tua mente para o mais saudável.

Não te faças fiscal do lixo moral da sociedade, nem te permitas coletar os detritos do pessimismo como da vulgaridade.

De maneira nenhuma censures o teu próximo, especialmente quando este se encontre ausente.

Busca os valores positivos que existem nos outros e aprimora aqueles em ti existentes.

Sê equânime no teu foro íntimo e nas tuas expressões exteriores.

Fala menos e reflexiona mais em torno do amor.

Insiste nas ideias que estimulam a vontade a tornar-se forte quão disciplinada.

Planeja a ascensão e pensa sobre ela, raciocinando a respeito da perda de tempo com as ilusões e futilidades.

Supera o temor de qualquer natureza com a confiança de que nenhum mal de fora poderá fazer-te mal se estiveres bem interiormente, e que somente te sucederá o que venha a contribuir para a tua paz e progresso espiritual.

Jesus realizou na Terra os mais admiráveis fenômenos de que se tem notícia, e demonstrou a mais elevada qualidade de amor que jamais alguém, no mundo, ofereceu às criaturas. Todavia, o Seu reto pensar foi a causa do Seu reto agir, o que O fez Modelo para ser seguido em todas as épocas.


Texto retirado do livro Momentos de Meditação, Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª edição, 2014.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Opção Pela Vida

 Nos atuais dias turbulentos, aumenta, assustadora e consideravelmente, o número dos indivíduos que se negam a viver, a enfrentar os desafios e as dificuldades, fugindo por meio da ingestão de drogas alucinógenas, do álcool, dos excessos desvigorantes, ao prosseguimento da existência corporal.

Ao lado desses programas de autodestruição, surgem os casos dos suicídios psicológicos, nos quais as vítimas se enredam nas teias da depressão, da paranoia, da psicose, da esquizofrenia, sem valor moral para enfrentar os problemas e dificuldades que fazem parte da vida.

O suicídio é o ato sumamente covarde de quem opta por fugir, despertando em realidade mais vigorosa, sem outra alternativa de escapar.

A vida não se consome na morte física e o  fenômeno biológico não é a expressão real do ser. 

Como consequência, o ex-suicida reencarnando sempre traz as matrizes do crime perpetrado, sofrendo contínua tentação de repetir o delito, quando defrontado por dificuldade de qualquer natureza.

A consciência de responsabilidade e segurança não é brindada por automatismo, antes é adquirida a esforço pessoal ingente. Essa aquisição não é lograda de um golpe, mas no dia a dia, no hora a hora, através dos pequenos até alcançar os grandes lances.

O indivíduo deve optar por si mesmo, como escreveu Kierkegaard, o filósofo e teólogo dinamarquês do século XIX.

Optar por si mesmo significa o resultado de uma análise cuidadosa da vida e das suas finalidades extraordinárias, representando um esforço para viver, para descobrir-se que existe, e nada, jamais, pode destruir a sua realidade.

Descobrir-se como se é, e aceitar-se, constitui a opção por si mesmo, trabalhando-se para novos e futuros logros que levam ao cumprimento do seu destino de ser pensante, facultando o discernimento de realizar as suas aspirações fundamentais, essenciais.

É cômodo e trágico fugir psicologicamente da vida, jamais o conseguindo realmente.

O homem faz parte de um conjunto harmônico que constitui a Criação. A sua inarmonia dificulta a ordem, o equilíbrio geral, que ele deve esforçar-se por não desorganizar.

O egoísmo, filho da imaturidade, torna-o exigente quão ingrato, levando-o à rebeldia quando contrariado nas suas paixões infantis, o que lhe propicia as distonias psicológicas e os primeiros pensamentos a respeito do suicídio.

Por outro lado, aparecem indivíduos que se aferram aos objetivos que se lhes representam como vida: amar apaixonadamente alguém, cuidar de outrem, dedicar-se a um labor, a uma tarefa artística ou não, a um ideal ou à abnegação, e que, concluída a motivação, negam-se a viver, matando-se emocionalmente e sucumbindo depois...

Estas pessoas não optaram por si mesmas. Realizaram um mecanismo de transferência, sem que hajam experimentado a beleza da vida e suas ulteriores finalidades.

Quem se considerava livre para morrer assume um compromisso com a liberdade para viver.

A opção por si mesmo oferece uma alta responsabilidade para com a vida, um encanto novo para descobrir todas as belezas que estavam sombreadas pelo pessimismo, uma liberdade em alto grau de movimentação.

O amor se lhe expressa mais pleno, porque, amando a si mesmo, irradia este sentimento em todas as direções e preenche todos os vazios íntimos com alegria e realização, mediante a autodisciplina, que se lhe torna guia eficaz dos pensamentos e atos libertadores.


Texto retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2015.

sábado, 2 de janeiro de 2021

De armas na mão pela liberdade

 Não estou inventando: saiu no jornal: "Em Porto Alegre, senhora de noventa anos (noventa, sim) arma-se com dois (dois!) revólveres e abre caminho para a rua, garantindo o seu direito de ir e vir". Não lhe dou o nome porque não sou dedo-duro; conta-se o milagre sem precisar dizer o nome do santo.

Os revólveres, no caso, eram dois trinta-e-oito. Ou como se diz na gíria, dois trezoitãos. E tinham bala dentro, e a idosa, dona, pelo jeito leve com que empunhava, mostrava que sabia atirar.

Assim mesmo foi detida pelos policiais, tiraram-lhe as armas, sob os veementes protestos da anciã. E, mostrando-se as autoridades curiosas quanto à procedência dos revólveres, ela declarou que haviam pertencido ao seu falecido pai, e que os guardava num velho baú, no porão da "casa de idosos" onde mora. Recebendo a pensão de uns dois salários mínimos, não podia, logicamente, pagar a mensalidade que lhe cobrariam por um quarto normal, na "casa de idosos". Deram-lhe então o tal porão, a preço módico, escuro, sem janelas - imagine o calor que não faz lá, nos meses de verão, principalmente janeiro, em Porto Alegre! E no inverno, no frio, como não deve ser escuro e mal arejado. Assim mesmo, parece que a diretoria da casa não lhe permitia saídas. E a repórter o confirma: a direção a proibia de sair, receando que, assim idosa, ela se perdesse na rua, sofresse algum acidente ou assalto. Na mentalidade da maioria das pessoas, velho é pra viver preso, na casa, no quarto; o ideal é uma cadeira de rodas, mas nem sempre a conseguem. E o infeliz do idoso quase nunca pode se defender da solicitude dos mais moços, filhos, parentes, guardiões: "Não coma esse doce, olha o diabetes!" (como se o doce fosse arsênico). "Cuidado, não vá tropeçar!" "Calma, segure bem no corrimão!" "Olha o buraco na calçada, veja onde está pisando!" E os mais solícitos ou mais medrosos nos seguram com tanta força o braço que até parecem estar carregando às grades um preso renitente.

Imagine o grau de indignação, de constrangimento, de "cólera que espuma", como dizia o soneto, que sufocava o coração da nossa heroína. A vontade louca de ver o céu, luz, rua, pessoas desconhecidas, e não as caras severas dos seus guardiões. No jornal de Porto Alegre diz-se que ela é solteira, ou "inupta" (a que não convolou núpcias), segundo a fórmula legal. Fadada a viver sozinha, na nua solidão, sem nem ter a companhia de outro velho, de um companheiro ao seu lado, que lhe fizesse massagem contra reumatismo, com quem dividisse a surdez, as deficiências visuais; ou, viúva fosse, tivesse do companheiro as perenes lembranças de uma vida comum, até mesmo lembranças do amor. Digo isso timidamente, temendo risos, pois quem vai admitir que um velho ou velha de noventa anos, tenha lembranças de amor?

Verdade que nessas campanhas caritativas em prol da "terceira idade" eles brincam carinhosamente com a ideia de dois velhos dançando (na televisão, os velhotes dançarinos sempre ensaiam um tango argentino e são vestidos à moda de 1925, ela já de saia meio curta de melindrosa e ele de colete e polainas!). Botam os velhos para estudar vestibular, ou pra fazer ioga, para treinar pintura a óleo (flores e paisagem rústicas), a cantar em coros etc.etc. Ninguém parece entender que a primeira condição para o velho não se sentir tão velho é deixá-lo sentir-se livre. Resolver seus problemas pessoais; ser ele próprio quem conte os seus sintomas ao médico, ser ele próprio quem decide se toma ou não os remédios prescritos - como faz todo mundo. Deixar que ele se liberte um instante ao menos da tutela dos "entes queridos" e não lhe ralhar se ele, liberado, der uma topada, um tropicão, no exercício dessa liberdade. Deixá-lo que durma só, que não lhe apareça ninguém no quarto à meia-noite, perguntando se ele está insone (está muito feliz, lendo), se esqueceu de tomar o Lexotan...

Ah, como a gente entenda a velha pistoleira do Rio Grande do Sul. E fico preocupada - que estarão fazendo com ela, sem nem ao menos serem os filhos que a tiranizem, vítima da ácida vigilância dos estranhos. E agora, então, as coisas devem ter piorado. Já que a nossa nonagenária pistoleira e fujona confessou que guardava as armas num velho baú. Cuidado, velhos e velhas, meus colegas: vocês vão ver que, de hoje em diante, ninguém mais vai nos deixar possuir um baú!


Crônica de Rachel de Queiroz retirado do livro Do Conto à Crônica, Volume 2 Crônica e Conto, série Literatura em Minha Casa, Editora Salamandra, São Paulo, 2003.

Ante o Desânimo

Quando o desânimo intentar o sítio da tua casa mental, insiste na ação libertadora.

Semelhante a ópio que entorpece, ele penetra suavemente e domina com indiferença.

Muitas vozes conspiram a seu benefício, apresentando arrazoados deprimentes contra os teus esforços, esbordoando as tuas atitudes, censurando o teu comportamento.

Perverso, ele se te insinua no coração e alcança o teu raciocínio propondo-te parar, desistir da luta. Ele te recorda que já abandonaste o labor em tentativas outras e desmoraliza-te diante de ti próprio com arremetidas perturbadoras.

Quando lhe experimentas a intromissão tornas-te mais sensível à advertência, que mais te molesta; espicaça-te o melindre, que mais te aflige; faz-te mais susceptível à mágoa, e, sem que te dês conta, começas a aceitar-lhe as injustas insinuações.

O desânimo é inimigo de todas as criaturas, gerador de depressões grosseiras e males outros ainda não catalogados, que conspiram contra os seres humanos.

Desanimado ante a necessidade da vigilância que deveria manter, na condição de amigo, Pedro, irritado e medroso, negou Jesus reiteradas vezes.

Sob a ação do desânimo que lhe corroía o temperamento intempestivo, e, talvez, aguardando a reação do Mestre para a batalha externa que parecia demorar, Judas vendeu o Justo.

O desânimo responde por vários mecanismos de fuga à responsabilidade. Encontra justificativas para afastar do trabalho aqueles que lhe sofrem o ferretear contínuo. Entorpece a mente e o corpo, negando oportunidade de libertação àquele que lhe tomba sob os vapores mefíticos.

Hoje, ei-lo na feição de desistência. Amanhã é o desalento perante a vida. No futuro é o fracasso total. São esses os passos nefastos do desânimo.

Aprende a não desistir, quando encetes tarefas.

Vincula-te de coração e contribui em favor das causas nobres da Humanidade.

Participa mais ativamente do programa de libertação de consciências, tu, que crês na imortalidade, limando as tuas imperfeições e ajudando sempre. Não te escuses, sob pretextos de que o desânimo, também disfarçado de acomodação, te propõe.

Possuis inestimáveis recursos que necessitas colocar à disposição do Mestre, que te ensina como perseverar, amar e encontrar o caminho para a tua realização pessoal, ajudando os teus irmãos da retaguarda evolutiva.

E parafraseando o apóstolo Tiago no capítulo cinco, versículo treze da sua Epístola, dizemos-te: " - Está aflito entre vós? Ore ".


Texto retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2014, 3ª Edição.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Casa Branca

 As cartas que ele me escreve formam um quebra-cabeça não muito difícil de montar, posso saber um pouco sobre sua vida, sua maneira de ser, seus verdadeiros sentimentos, as reflexões sobre seus assuntos prediletos, até mesmo coisas que ele não pretendia revelar, as palavras parecem fluir dele e tudo vai sendo escrito como num diário da imaginação nem mais sensível, nem menos real que qualquer outro mundo, um homem tentando apreender como todos nós um mundo perdido, suas cartas são uma fábrica de sonhos fantasmas vislumbres, e vivendo trancado em um sótão no terceiro andar de uma bela casa branca com vista para a paisagem do oceano afastada da cidade, sozinho entre árvores ouvindo gorjeios de pássaros ou flocos de neve rangendo na janela, os netos a jogar no jardim, as folhas a caírem na relva, folhas que ele depois vai recolher com um ancinho e meter num saco de lixo, ouvindo as unhas dos esquilos que saltam, a chaleira na cozinha, a lenha queimando na lareira da sala, nesse mundo pequeno, terno, virtuoso, ele me abre caminhos para mundos interiores, como se ele mesmo fosse uma janela e olhando cada vez mais dentro dele olho mais dentro de mim a cada dia com maior aceitação da nossa impossibilidade, distância física, sem saber se temos o direito de amar um ao outro, aprendendo como se contorna e como se derruba cada obstáculo, ele me transmite um mundo que engendra comendo galinha com morango ou visitando cemitérios abandonados ou descendo as colinas até a praia com uma cesta de piquenique no braço e um cortejo de mulheres e crianças, plantando tulipas ou pintando os pilares da varanda de sua casa para esconder as rachaduras da tinta antiga como se acreditasse que é possível alguém reparar os estragos do tempo, cultivando sua paixão secreta ou meditando na igreja ou submetendo o corpo às luzes que tornam sua pele macia, como se o segredo da vida estivesse nas coisas minúsculas e sem importância, assim ele escreve suas cartas apaixonadas sobre a existência, a volúpia, a inevitabilidade e a morte, construindo com o seu o meu mundo, e nosso passado vai crescendo, arrastando-se atrás de nós como um rabo cada vez mais transparente.


Texto de Ana Miranda retirado do livro Pipocas - Volume 2 - Crônica e Conto, série Literatura em Minha Casa, São Paulo, Companhia das Letras, 1ª Edição, 2003.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Manuel Bandeira

 Toda a vida de Manuel Bandeira está como que refletida na sua poesia. Talvez não exista, na literatura da língua portuguesa, exemplo maior de transposição para o plano artístico de uma experiência pessoal, com a mesma consistência e igual intensidade, desde o primeiro poema e o derradeiro verso de Estrela da Vida Inteira (9ª Edição, 1982), onde se reúne a sua obra poética. Morreu aos 82 anos, depois de ter enganado muitas vezes a morte, no tempo distante da mocidade. No entanto, por extravagante que pareça, foi a morte que deu vida à poesia bandeiriana. Efetivamente, o poeta nasceu na hora em que a doença parecia ter condenado de modo inapelável ao jovem estudante de arquitetura de vocação ainda não definida. Não fosse o "mau destino", e o rapaz muito possivelmente não passaria de respeitável engenheiro, tal qual o pai. E nada mais do que isso.

Os sonetos da adolescência - com as rimas bem ligadas ao assunto, na fria e seca opinião de Machado de Assis, consultado a respeito por pessoa da família - ficariam perdidos no limbo, como aventuras inconsequentes do menino-prodígio, cujos talentos por sinal não se limitavam à métrica do verso. Desenhava com a mesma presteza, o mesmo brilho. Redigia com precisão. E a todos impressionava a sua arte de improvisar, apreendendo num átimo as coisas mais difíceis e complicadas, expondo-as em seguida com extrema facilidade e até com um certo jeito que denotava queda para o teatro, pela mímica e inflexão de voz fora do comum. Poderia ter sido tudo o que quisesse, menos poeta.

A verdade é que nos poemas preparatórios nada existe, além da habilidade de versejar, nada a denunciar o grande poeta que a doença vai revelar, um pouco mais tarde, autor de poesias eróticas das mais belas que já foram escritas em português. O amor, unido à morte, e aí está todo Manuel Bandeira, muito embora seja este um capítulo defeso do poeta, enquanto vivo. E, no caso particular, conforme ele próprio observaria a repórter indiscreto, abusivamente interessado na identificação da "Vulgívaga" ou da mulher do "Alumbramento", lembrando-lhe o verso de Alfred de Musset: "Un silence profund règne dans cette histoire".

Mesmo deixando Vênus de lado, embora não a esquecendo nunca, a pesquisa biográfica tem que começar com o ex-libris de Manuel Bandeira, desenhado por Alberto Childe, segundo as indicações do poeta - corpo leonino da esfinge, com cabeça de carneiro, símbolo de que se tem a seguinte explicação autêntica:

ARIESPHIX
A força da doçura
A força da poesia
A força da música
A força das mulheres e das crianças
A força de Jesus - o cordeiro de Deus.

O ex-libris deve datar de 1910 ou 1914, época em que o poeta conheceu Alberto Childe, nobre russo que viveu no Brasil nessa época. O importante é que em 1964 Manuel Bandeira compôs um novo poema "Ariesphix", confirmando na velhice o mesmo que pensava havia sessenta e quatro anos, se é que o ex-libris foi desenhado em 1910 ou 1914. Já em 1917 o ex-libris foi estampado na edição princips d"A Cinza das horas.

Para os iniciados em simbologia ou em ciências ocultas, a curiosa concepção do desenho e a não menos curiosa interpretação, extraída do 'Itinerário de Pasárgada', a autobiografia publicada em 1954, de leitura indispensável para a revelação do seu gênio poético, esse desenho e essa interpretação são os mais seguros guias dos altiplanos percorridos por Manuel Bandeira. No entanto, nunca foi um espiritualista. Sem se despojar jamais de um rico potencial de religiosidade, transmitido, pode-se dizer, por ancestralidade, por pertencer a uma família, em que, do tronco paterno como do materno, são muitos os frades e as freiras, o certo é que nunca foi praticante de nenhum culto religioso. Toda a vida não passou de um "católico relaxado". Mantinha suas devoções e guardava com carinho crucifixos e imagens de santos, especialmente as que lhe davam prazer estético na contemplação.

De formação clássica e sólida base humanística, publica a sua primeira coletânea de poemas em 1917, aos 31 anos. Já era senhor do seu ofício, quando aparece A Cinza das Horas, de inspiração fundamentalmente simbolista, mas trazendo a marca dos processos parnasianos então em voga, em que se exercitara com perícia. Havia porém alguma coisa de diferente nesse livro de estreia, como observou João Ribeiro, no artigo em que saudava o aparecimento de um "verdadeiro poeta". Crítico em preconceitos, advertia o mestre de "Fabordão": "A verdadeira arte não comporta compendiosas retóricas e a verdadeira poesia não tem arte poética". Era dizer muito num momento em que pontificavam os mestres do parnasianismo, Olavo Bilac, que de resto acabava de desaparecer num halo de quase veneração, e quando era poderosa e avassaladora a influência de Alberto de Oliveira, a caminho da velhice gloriosa. O artigo de João Ribeiro, profeticamente intitulado: "A Poesia Nova", estava aliás cheio de adivinhações, antecipando o sentido que vai adquirir, com o tempo, em sua exata dimensão, a mensagem bandeiriana.

O sopro renovador de A Cinza das Horas transparece com maior nitidez e mais intensamente no livro seguinte, Carnaval (1919), bem antes, portanto, da Semana de Arte Moderna, que só vai acontecer em São Paulo três anos mais tarde. Manuel Bandeira não será, a rigor, um poeta tipicamente modernista, embora sua contribuição tenha sido fundamental ao movimento de renovação estética, não só como antecipador, e como personagem da primeira linha da vanguarda brasileira, nos livros posteriores, Ritmo Dissoluto (1924) e Libertinagem (1930). Sem o querer, assumira a liderança da nova escola. Houve quem o chamasse nos idos de 20 o "poeta principal". De qualquer modo aproximava-se o instante da consagração definitiva: ele foi na verdade o primeiro clássico do Modernismo.

Ao completar 50 anos, Manuel Bandeira acrescenta um extraordinário vigor à sua obra, com os poemas da Estrela da Manhã (1936), Lira dos Cinquent'anos (1944), Belo Belo (1948), Opus 10 (1952), Estrela da Tarde (1960) e Preparação Para A Morte (1965) até a edição da sua poesia completa, Estrela da Vida Inteira (até 1982, com nove edições). Na sua longa e fecunda atividade, não é possível esquecer o tradutor, com os Poemas Traduzidos (4ª edição, 1976), dentre os quais: O Divino Narciso, de Soror Juana Inês de la Cruz, Maria Stuart, de Schiller, de Shakespeare, D. Juan Tenório, de Zorilla.

Grande artesão do verso, acima das escolas e modismos, o poeta nunca foi um improvisador. Jamais procurou escrever deliberadamente poesia. Ela vinha quando queria vir, mesmo em horas impossíveis, no meio da rua ou no meio do sono, como no caso do soneto "A Ninfa", variante do tema "O Preto no Branco", dignificando em ambos o sexo feminino. Surgiu, formou-se no seu subconsciente. E arrebentou, de noite, como um alumbramento. Só pôde conciliar o sono depois de terminado o último verso do soneto - um dos mais estranhos e dos mais fortes em toda a sua obra. "Palinódia" e "O Lutador" foram também elaborados durante o sono. O poema "A Última Canção do Beco" nasceu na hora em que se preparava para jantar, que não era cerimônia, segundo o próprio testemunho do poeta:

"Na véspera de me mudar da Rua Morais e vale, às seis e tanto da tarde, tinha eu acabado de arrumar os meus troços e caíra exausto na cama. Exausto da arrumação e um pouco também da emoção de deixar aquele ambiente, onde vivera nove anos. De repente a emoção se ritmou em redondilhas, escrevi a primeira estrofe, mas na hora de vestir para sair, vesti-me com os versos surdindo na cabeça, desci à rua, no Beco das Carmelitas, me lembrei de Raul de Leoni, e os versos vindo sempre, e eu com medo de esquecê-los, tomei um bonde, saquei do bolso um pedaço de papel e um lápis, fui tomando as minhas notas, os versos não paravam... Chegado ao meu destino, pedi um lápis e escrevi o que ainda guardava de cor... De volta à casa, bati os versos na máquina e fiquei espantadíssimo ao verificar que o poema se compusera, à minha revelia, em sete estrofes de sete versos de sete sílabas".

Assim era o poeta, em permanente estado de poesia. Sua vida e sua obra se entrelaçam e se confundem com a própria poesia. Ou como ele escreveu: "Não faço poesia quando quero e sim quando ela, poesia, quer".


Prefácio de Francisco de Assis Barbosa retirado da coletânea Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira, Global Editora, São Paulo, 6ª Edição, 1993.

sábado, 26 de dezembro de 2020

Níveis de Consciência

 São muitos os fatores que parecem conspirar contra o sadio esforço de quem deseja ascensão e plenitude.

Paixões disfarçadas de direitos pessoais assomam no palco da vida, exigindo consideração, gerando conflitos e dificultando o processo de elevação moral.

O egoísmo dominador, predominando em a natureza humana, escamoteia os seus propósitos inferiores e surge, a cada momento, em expressão nova, perturbando o programa iluminativo de quem se propõe à felicidade em padrões dignos, portanto, ideais.

O instinto de sobrevivência do corpo, em atavismo dissolvente, coopera com as heranças primevas, apresentando-se sob justificativas equivocadas com caráter de nobreza.

O homem ainda instável, desacostumado às lutas íntimas de santificação, diante das sortidas de que se vê preso por parte desses algozes internos, posterga o trabalho de evolução, ou para, caso nele se encontre, ou abandona os propósitos abraçados sob os tóxicos do desânimo e do desconforto moral.

Propõe o mundo: - Triunfa a qualquer preço, sem te preocupares com os outros, que aguardam ocasião para te submeterem.

Estabelece Jesus: - Se alguém te pedir a capa, dá-lhe também a manta, e se te solicitarem seguir mil passos, vai, tranquilo, dois mil.

Programa o século: - Não cedas o teu lugar, haja o que houver. Disputa a tua posição, pois que outros estão batalhando por tomar-te a em que te encontras.

Argumenta Jesus: - Não te afadigues pela posse indevida. Tudo quanto cederes, terás, e aquilo que tomares, perderás.

Promete a Terra: - Os vitoriosos gargalham e recebem apreço. Triunfa no mundo, tendo a glória como a meta que deves alcançar.

Aclara Jesus: - Todo apogeu terrestre nivela na tumba as criaturas umas com as outras. A glória que ensoberbece passa, e o homem se encontra vazio e só, logo após.

Reclama a sociedade: - Impõe a vontade, a fim de te fazeres respeitar, e armazena moedas para adquirires tudo quanto ambicionas.

Responde Jesus: - Reúne tesouros no "reino dos céus" e coleta os recursos da paciência, da humildade, do perdão, da caridade nos cofres do amor, e serás rico de paz.

Impõe a tradição: - A vida espiritual será examinada na velhice. Frui e usa o corpo enquanto são moças as tuas carnes.

Contrapõe Jesus: - Louco, hoje te tomarão a alma, sem indagarem a idade que tens.

Aconselham as técnicas do bem-estar imediato: - Reage a qualquer agressão. Arma-te para te defenderes, tomando o outro de surpresa.

Orienta Jesus: - Age com elevação sempre e equipara-te com os recursos do amor que vence tudo e amortece todos os golpes que sejam desferidos contra ti.

Determina a ilusão: - Embriaga-te no prazer, que é tudo quanto tens ao alcance das mãos.

Repete Jesus: - Vence o mundo, educando-te e crescendo para a realidade da tua consciência superior.

O homem do mundo vive em nível de consciência inferior. É fisiológico, automatista, primitivo.

O homem espiritual transita em faixa de consciência elevada e se apercebe da realidade da vida. É psicológico, idealista, compreensivo, racional, porque alcançou a dimensão intelecto-moral lúcida.

Se transitas no nível intermediário, atado ao primarismo e anelando pela emoção  enobrecida, exercita os valores morais e vivências espirituais, adquirindo forças para o passo decisivo, que te fará escolher Jesus em detrimento do mundo, embora a permanência nas conjunturas carnais.


Texto retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2014, 3ª Edição.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Testemunhos

 Aspiras pela ascensão espiritual, que te parece difícil.

Contemplas as alturas libertadoras, e sentes vertigens.

Anelas pelos acumes, e lutas, repassando pela tela mental as dificuldades que tens enfrentado e os problemas que te afligem.

Sentes que o vale te asfixia, e a multidão que ali se movimenta te atormenta.

À medida, porém, que galgas as ásperas encostas, percebes que esse é um cometimento isolado, imolador.

Vês, a distância, os amigos que se candidataram a subir contigo e ficaram na retaguarda da comodidade.

Constatas que as energias se te exaurem e vês as feridas nas mãos, nos pés e as dilacerações nos sentimentos.

É natural que assim te aconteça.

A vida, para expressar-se, arrebenta os invólucros onde jaz adormecida.

Todo parto, que enseja a vida, proporciona a dor.

A semente sofre, esmagada no solo, a fim de libertar a espécie que nela dorme.

Da mesma forma acontece com as tuas ânsias de evolução.

Atingirás o cume, não o duvides, porém, assinalado pelos testemunhos que a subida te exige.

Mede-se a grandeza de um ideal pela capacidade de sofrimento e de paz que demonstra aquele que o apresenta.

Os homens grandes são volumosos e de alta estatura, enquanto que os grandes homens são identificados pelos seus referenciais de amor,, de abnegação, de sacrifício, de idealismo nobre.

É impossível abraçar um ideal, no mundo, passando incólume à agressão, à sevícia, à calúnia, à urdidura da infância.

Por enquanto, e ainda por muito tempo, os grandes homens ver-se-ão a sós, incompreendidos, fora do círculo dourado da ilusão.

Não estranhes, pois, o que te acontece nas paisagens íntimas: tristeza, insatisfação, soledade.

Fosse diferente a ocorrência, e estarias a soldo da mentira, da corrupção, jamais dos ideais libertadores.

Quando te resolveste por crescer e alcançar as elevadas planuras, ansiavas pela felicidade.

Anotas que estás em solidão, porém essa é com Deus.

Testemunhas a fertilidade do teu ideal cristão aos tíbios, a fim de que eles se estimem e se resolvam por ascender também.

Quando lograres a vitória, atraí-los-ás. Por enquanto, testemunha e insiste.

Jesus asseverou:

- ... E quando eu for erguido (na cruz) atrairei todos a mim. (João, 12:32)

Não reclames, nem receies.

Segue em paz!


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos Enriquecedores, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2ª Edição, 2015.