domingo, 15 de setembro de 2024

O país do provérbio pronto

 Expressões populares brasileiras traduzem bom humor em relação à vida.


A paremiologia é o estudo de parêmias, do grego paromia (parábola, provérbio), uma subdisciplina do grande campo do folclore. Quem se interessa pelo estudo de provérbios tem uma verdadeira seara, pois o assunto é interdisciplinar e envolve as áreas de semiologia, linguística, pragmática e estudos literários e a didática de ensino de idiomas.

Há provérbios de diferentes nacionalidades (francesa, italianos, árabes, indianos, chineses e luso-brasileiros, entre outros), de temas variados, alguns irônicos, outros irreverentes, e ainda outros perspicazes com respeito à nossa vivência cotidiana.

Para Walter Benjamin, o provérbio tem o poder de transformar a experiência vivida das pessoas em sabedoria prática (Walter Benjamin, "On Proverbs." In: Selected Writings, vol 2: 1927-34. Org. Michael W. Jennings et alii Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1999; 582).

Humor

O que caracteriza os provérbios brasileiros é o bom humor em relação à vida:

* Quem tem rabo de palha não senta perto do fogo.

* Bode velho quer capim novo.

* Em tempo de guerra, urubu é frango.

* Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

* Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça.

* Quem tem pressa come cu.

Todos os provérbios, inclusive os luso-brasileiros, contém ensinamentos preciosos que nem sempre são lembrados pelos usuários num determinado momento:

* Seja dono de sua boca, para não ser escravo de suas palavras.

A relação de bom humor em relação à vida, por parte do brasileiro, ganha relevo ainda maior com as iniciativas de inversão de ditos proverbiais. O saudoso Millôr Fernandes, por exemplo, na informativa e divertida Bíblia do Caos (Porto Alegre: L&PM, 1994: 394) reformula o provérbio tradicional "Deus ajuda a quem cedo madruga" em: "Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga".

Definição

O humorista definia o provérbio nestes termos: "Provérbio é uma frase tão bem feita que acaba se tornando proverbial".

Há especialistas que dizem que os provérbios são frases fixas ou "congeladas", mas os usuários, os verdadeiros donos do idioma, pensam de forma diferente.

O refrão "Gosto não se discute" tem sido alterado pelos falantes do português:

* Gosto não se discute, se lamenta.

* Gosto é igual relógio, uns têm outros não.

José Simão, uma geração de humoristas-jornalistas mais nova que a de Millôr, não perdeu a oportunidade de modificar um conhecido pronome usado no Brasil e em Portugal:

* Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és (Portugal)

* Diz-me com quem andas e te direi quem és (Brasil)

Com a substituição do verbo "demonstrar" e do outro sujeito (em lugar do verbo na 1ª pessoa do singular "dir-te-ei, "te direi", a conhecida repetição do governo), Simão obtém um efeito humorístico:

* Demóste-me com quem andas, e a Polícia Federal te dirá quem és!" (José Simão, "Ueba! Obama é brasileiro!" Folha de São Paulo, 10 de abril de 2012).

Inversão

Simão extrai humor da inversão proverbial que conta com a memória coletiva sobre os provérbios e o conhecimento de eventos da política nacional no calor do momento, como foi o caso do envolvimento ilícito, investigado em 2011 e 2012, entre o então impoluto congressista Demóstenes Torres, da oposição, com o criminoso Carlinhos Cachoeira.

Os provérbios, os "discursos em miniatura", nos apresentam reflexões sobre o comportamento humano e nos fornecem momentos de descontração. São artefatos literários presentes nas obras de autores como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Machado de Assis.

São parte integral do cultivo do idioma.


Texto de John Robert Schmitz retirado da Revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 110, Dezembro de 2014, Editora Segmento, São Paulo.

O autor é norte-americano radicado no Brasil. Professor do Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp e autor de Dicionário de Epônimos e Topônimos da Língua Portuguesa (Editora Prismas, Curitiba).

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