domingo, 8 de dezembro de 2024

15. A gramática normativa é retrógrada

É importante levar em conta o fato de ter a gramática normativa um objeto bem definido (a Língua exemplar, que é uma variedade "ideal" construída pela tradição culta da comunidade), e por isso mesmo não espelha todas as possibilidades vigentes e correntes do idioma, nas suas variedades regionais, sociais e estilísticas.

Aliás, todo estudo sério tem de delimitar seu corpus de aplicação. Daí cometer-se uma injustiça com a gramática normativa quando ela é chamada retrógrada por não agasalhar certos fatos que ocorrem, por exemplo, na variedade popular, ou na familiar ou na regional.

Temos ouvido e lido críticas à gramática normativa por não aceitar começar frases com pronome átono adverbial, ou aconselhar que se evitem construções como "implicar em crise" (em vez de "implicar crise", sem a preposição "em"), "aluga-se apartamentos (por alugam-se apartamentos"), "deu dez horas" (por "deram dez horas"), "hoje é sete de dezembro" (por "hoje são sete de dezembro"), "fazem dez meses" (por "faz dez meses"), "isto é para mim fazer" (em vez de "é para eu fazer") e tantos outros fatos de regência, de concordância e de colocação que correm tranquilos e normais nas variedades informais da Língua, mas que não conseguiram ainda penetrar vitoriosos na língua exemplar, nos momentos em que o texto - especialmente o escrito - exige, pela tradição sociocultural, essa variedade exemplar.


Texto de Evanildo Bechara. Gramático e imortal da ABL.

Mitos Ideológicos, 100 Mitos retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 100, Fevereiro de 2014, Editora Segmento, São Paulo.


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