sábado, 11 de janeiro de 2025

Mitos Gramaticais - 24. O estrangeirismo é ruim

Não se pode falar sobre a incorporação de palavras estrangeiras sem mencionar duas posições ideológicas opostas:

a) a invasão do léxico segue uma grande invasão econômico-cultural;

b) é inútil proibir a invasão das palavras sem condições de reagir ao resto.

Dito isso, vamos às questões linguísticas, para discutir teses, a meu ver, equivocadas.


1. PALAVRA ESTRANGEIRA SÓ QUANDO NÃO HÁ EQUIVALENTE?

Uma tese que se apresenta como inteligente reza que palavras estrangeiras podem ser aceitas quando não há equivalente em nossa Língua. Ora, nenhuma palavra equivale a outra - a sinonímia é sempre uma aproximação. Seria fácil mostrar que "lindo!, "belo" e "bonito" não se equivalem, que não são usáveis pelos mesmos enunciadores nos mesmos gêneros ou circunstâncias. Do mesmo modo, "salvar" não é "gravar" (ninguém salva um disco nem um diretor de cinema grita "salvando"), nem delivery é mera "entrega em domicílio" (a conotação de modernidade é óbvia em um caso e não existe no outro).


2. É PRECISO APORTUGUESAR?

Outra tese diz que, para serem aceitas, as palavras estrangeiras devem ser aportuguesadas. Com isso, quer-se dizer grafar à moda da nossa legislação ortográfica (teríamos de encontrar formas de escrever marketing, shopping, show, cooper etc.). Ora, qualquer um percebe que as palavras estrangeiras são aportuguesadas sempre. Nenhum de nós diz "e-mail" com pronúncia de americano (mais ou menos [í:mel]) - dizemos "desavergonhadamente" [iméil]. (Eu acho até que a pronúncia seria [imeiu]... Opinião do Blog)


PALAVRA ESTRANGEIRA É UMA BÊNÇÃO

O resultado é que, considerados só do ponto de vista linguístico, os estrangeirismos são uma bênção.

Com eles, uma Língua passa a fazer novas distinções, que são - ou se tornam - socialmente relevantes - gravar passa a ser um campo dividido entre "gravar" com gravador ou filmadora e "salvar" com computador.

Acrescente-se que esse não é o único significado dessas palavras, que nem sempre são novas na Língua, como "salvar", assim como já era o de gravar, que pode referir-se a escrever numa pedra ou casca de árvore.

Além de permitirem novos significados, assumem valores. Assim, termos ingleses conotam modernidade nos campos do comércio ou da tecnologia; o Francês continua a conotar elegância. Prédios parecerão mais modernos se se chamarem Tower, restaurantes, mais elegantes se se forem Le Troquet e autênticos se se chamarem La pasta de la mamma.

O interessante, porém, é que eles mostram aspectos da gramática da nossa Língua. Assim, nenhum verbo importado é defectivo ou simplesmente irregular; e todos são da 1ª conjugação como os verbos regulares da classe. Outro aspecto: todas as palavras se encaixam em um padrão silábico dominante: "shopping" é simplesmente [xópin], "marketing" é [márketin].


Texto de Sírio Possenti, professor titular do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Humor, Língua e Discurso.

Mitos Ideológicos, 100 Mitos retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 100, Fevereiro de 2014, Editora Segmento, São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário