Quando Chico Buarque apareceu ganhando festivais de TV, em 66, a Bossa Nova estava trocando de roupa. Deixara o intimismo dos primeiros tempos e a aliança aliança solitária do Samba com o Jazz (inspirada em alguns clássicos, é verdade) para redescobrir, o morro, o Nordeste e outros cantos do Brasil. Ainda assim foi um espanto a fulminante ascensão daquele rapaz de olhos verdes, filho de um historiador famoso e tão bom de poesia quanto poliglota em ritmos brasileiros.
Com Chico reapareceriam gêneros esquecidos dos modernistas como o Choro, a Marchinha, a Valsa, um tipo Noelesco sincopado, a Modinha, a Marcha-Rancho e uma série de outras preciosidades retiradas do fundo do baú de nossa fraca memória.
Com seu jeito tímido, escondido atrás do sorriso amarelo e o cigarro permanentemente aceso, Chico Buarque promoveu um verdadeiro renascimento da MPB tradicional.
Mais adiante, seus versos cortantes travaram combate com as trevas da Censura do regime militar e não se pode dizer que tenham perdido a guerra desigual. Aqui mesmo neste disco síntese soam vários clarões da batalha: Apesar de Você, Construção, Minha História, O Que Será, Meu Caro Amigo e, fechando o ciclo, o esperançoso Vai Passar. Através da leitura de metáforas deste reportar, de seu tempo, é possível reconhecer os avanços e recuos políticos do país.
Mas quem preferir outros campos de batalha mais acetinados, como a alcova da milenar guerra conjugal, também não deve mudar de autor. É o mesmo Chico, ao longo de sua obra tão diversificada e fértil, que nos oferece combustível para rir ou chorar com as desditas do coração. Do desenlace dolorido de Trocando em Miúdos à fala entrecortada de Bye Bye Brasil. Das súplicas de Mil Perdões, do lirismo de Olha Maria. Este disco viaja pelos inúmeros caminhos que tomou a arte do compositor de roteiros de cinema às peças de teatro. O que se ouve aqui é uma fatia do palpitante universo brasileiro, captada por uma privilegiada antena da raça.
Texto de Tárik de Sousa. Retirado do encarte do CD coletânea Personalidade. Gravadora Polygram, Rio de Janeiro, 1987.
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