Personagens bem construídas são fundamentais para o desenvolvimento de uma boa trama, siga ela um caminho realista ou fantástico. Sendo assim, é natural dar atenção especial a elas, principalmente ao seu protagonista. Se bem realizada, essa etapa poderá esclarecer os caminhos mais interessantes a seguir no decorrer da escrita.
Existem algumas perguntas que podem ajudar a entender melhor quem é a sua personagem:
1- O que ela deseja?
2- O que ela está disposta a fazer para conseguir isso?
3- Qual é o maior medo dela?
4- Como ela reagiria ao se deparar com esse medo (seja uma pessoa, seja uma situação)?
É importante perceber que essas perguntas falam de questões que remetem ao âmago da personagem, não a aspectos externos, mas que uma coisa pode levar a outra naturalmente.
Em Perdido Street Station, livro do gênero new weird e uma das obras mais aclamadas de China Miéville, uma das personagens é um homem-pássaro que perdeu suas asas e quer voar novamente, por isso procura um artífice que pesquisa mecanismos de voo. No início, o leitor tem contato com esse desejo mais básico e ao longo do livro vai descobrindo mais a respeito dessa personagem peculiar. Já em Homens Elegantes, romance de aventura e humor de Samir Machado de Machado passado em 1760, o protagonista é Érico Borges, um soldado brasileiro que se sente estagnado e perdido quanto às suas ambições. Quando lhe oferecem a missão de investigar quem estaria enviando livros eróticos por meios clandestinos de Londres para o Brasil, ele vê a oportunidade de redescobrir o que o motiva verdadeiramente.
Como Jeff Vandermeer cita no seu Wonderbook, embora não seja uma regra, o protagonista costuma ser a personagem que mais tem a ganhar ou perder durante a história. É nesse processo de construção e conhecimento que descobrimos também se escolhemos o protagonista mais adequado para o que queremos contar.
Tramas realistas tendem a trazer respostas mais simples. Em Acre, de Lucrecia Zappi, Oscar é um homem que sente seu casamento ameaçado quando o ex-namorado de sua esposa se muda para o prédio onde eles moram. Por ser a única personagem desse triângulo capaz de carregar a dúvida e não a resposta, Oscar torna-se a escolha mais acertada nesse romance sobre decadência e paranoia. Se Oscar estiver certo em seu medo, ele perde a esposa para o ex. Se estiver sendo paranoico, corre o sério risco de perdê-la por conta do seu comportamento. De um jeito ou de outro, a tendência é ele se dar mal.
Divirta-se bastante nessa etapa, inclua novas perguntas. Faça-as inclusive para as personagens mais secundárias. Algumas delas poderão ser descartadas no caminho, e tudo bem. Outras ganharão mais importância aos seus olhos. Quanto mais enxuta essa seleção, maior a sua chance de se ater aos objetivos traçados. Afinal, como escritores, assim como nossas personagens, também precisamos saber o que estamos dispostos a fazer para escrever uma boa história.
Texto de Eric Novello retirado da revista Conhecimento Prático Literatura, Edição 79, Ano 8, Editora Escala, São Paulo, Agosto/Setembro de 2018.
Eric Novello é escritor, tradutor e roteirista com formação no Instituto Brasileiro de Audiovisual. Nasceu no Rio de Janeiro em 1978 e mora em São Paulo desde 2007. É autor de Ninguém nasce herói (Seguinte, 2017), Exorcismos, amores e uma dose de blues (Gutemberg, 2014), Neon Azul (Draco, 2010), entre outros.
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