domingo, 17 de agosto de 2025

Prefácio à 1ª Edição do livro Introdução à Psicologia do Ser

Tive muitas dificuldades ao escolher o título para este livro. O conceito de "saúde psicológica", embora ainda seja necessário, tem várias deficiências intrínsecas para fins científicos, as quais serão analisadas em vários lugares apropriados, no decorrer do livro. O mesmo pode ser dito de "doença psicológica", como Szasz e os psicólogos existenciais recentemente sublinharam. Ainda podemos usar esses termos normativos e, de fato, por razões heurísticas, devemos utilizá-los, desta vez; entretanto, estou convencido de que se tornarão obsoletos dentro de uma década. 

Um termo muito melhor é "individuação", no sentido em que usei. Ele sublinha a "humanidade plena do indivíduo", o desenvolvimento da natureza humana biologicamente alicerçada e, portanto, é (empiricamente) normativo para toda a espécie, em vez de sê-lo para determinados tempos e lugares; quer dizer, é menos culturalmente relativo. Ajusta-se mais ao destino biológico do que aos modelos de valor historicamente arbitrários e culturalmente locais, como frequentemente ocorre com os termos "saúde" e "doença". Também tem conteúdo empírico e significado operacional.

Contudo, à parte ser desgracioso de um ponto de vista literário, esse termo provou ter imprevistas deficiências, como: a) implicar egoísmo em vez de altruísmo; b) encobrir o aspecto de dever e de dedicação às tarefas da vida; c) negligenciar os vínculos com outras pessoas e a sociedade, e a dependência da plena realização individual de uma "boa sociedade"; d) negligenciar o caráter exigente da realidade não-humana e o seu fascínio e interesse intrínsecos; e) negligenciar o desprendimento do ego e a possibilidade de transcendência do eu; e, finalmente, f) sublinhar, por implicação, a atividade, mais do que a passividade ou receptividade. E tudo isso aconteceu apesar dos meus cuidadosos esforços para descrever o fato empírico de que as pessoas individuacionantes são altruístas, dedicadas, sociais, capazes de se transcenderem etc.

A palavra "eu" parece desconcertar as pessoas, e as minhas redefinições e descrição empírica são amiúde impotentes diante do poderoso hábito linguístico de identificar "eu" com "egoísta" e com autonomia pura. Para minha consternação, também verifiquei que alguns psicólogos inteligentes e capazes persistem em tratar a minha descrição empírica das características de pessoas individuacionantes como se eu tivesse arbitrariamente inventando essas características, em vez de descobri-las.

"Plena realização humana" evita, segundo me parece, alguns desses equívocos. E "diminuição ou deficiência humana" também serve como melhor substituto para "doença" e até, porventura, para neurose, psicose e psicopatia. Pelo menos, esses termos são mais úteis para a teoria psicológica e social geral, quando não para a prática psicoterapêutica.

Os termos "Ser" e "Devir" ou "Vir a Ser", tal como os emprego em todo este livro, são ainda melhores, se bem que não estejam utilizados, por enquanto, de maneira suficientemente generalizada para servir como moeda corrente. Isso é deveras lamentável, porque a Psicologia do Ser é certamente muito diferente da Psicologia do Devir e da Psicologia da Deficiência, como veremos. Estou convencido de que os psicólogos devem caminhar no sentido da reconciliação da S-Psicologia com a D-Psicologia, isto é, do perfeito com o imperfeito, do ideal com o real, do eupsiquismo com o existente, do intemporal com o temporal, da Psicologia como fim com a Psicologia como meio.

Descobri que é muito difícil comunicar a outros o meu respeito e a minha impaciência simultâneos, ante essas duas psicologias abrangentes. Tantas pessoas insistem em ser ou a favor de Freud ou contra Freud, a favor da Psicologia Científica ou contra a Psicologia Científica etc. Na minha opinião, todas as posições de lealdade desse gênero são idiotas. A nossa missão é integrar essas várias verdades na verdade total, que deverá constituir a nossa única lealdade.

Para mim, é perfeitamente claro que os métodos científicos (concebidos em termos gerais) são o nosso único meio fundamental de estarmos certos de que temos a verdade. Mas também aqui é demasiado fácil cometer um equívoco e cair numa dicotomia: a favor da ciência ou contra a ciência.

A ciência, tal como é habitualmente concebida pelos ortodoxos, é inadequada para essas tarefas. Mas estou certo de que não precisa limitar-se a esses métodos ortodoxos. Não precisa abdicar dos problemas do amor, criatividade, valor, beleza, imaginação, ética e alegria, deixando tudo isso para os "não-cientistas", os poetas, profetas, sacerdotes, dramaturgos, artistas ou diplomatas. Todas essas pessoas podem ter maravilhosas introvisões, formular interrogações que têm de ser feitas, aventar hipóteses desafiadoras e podem até estar certas e dizer a verdade na maioria das vezes. Mas, por muito seguras que elas possam estar, nunca poderão tornar a humanidade segura. Podem apenas convencer aqueles que já concordam com elas e alguns mais. A ciência é o único meio de que dispomos para enfiar a verdade goela abaixo dos relutantes. Somente a ciência pode superar as diferenças caracterológicas no ser e no crer. Somente a ciência pode progredir.

Entretanto, permanece o fato de que ela chegou a uma espécie de beco sem saída e (em algumas de suas formas) pode ser encarada como uma ameaça e um perigo para a humanidade ou, pelo menos, para as mais elevadas e nobres qualidades e aspirações da humanidade. Muitas pessoas sensíveis, especialmente os artistas, receiam que a ciência macule e deprima, que dilacere coisas em vez de integrá-las e, por conseguinte, mate em vez de criar.

Acho que nada disso é necessário. Tudo o que a ciência precisa para ser uma ajuda à plena realização humana positiva é ampliar e aprofundar a concepção da sua natureza, das suas metas e dos seus métodos.


Trechos do prefácio do livro Introdução à Psicologia do Ser, Abraham H. Maslow, Livraria Eldorado, Rio de Janeiro, 2ª Edição, 1968.

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