domingo, 14 de agosto de 2022

De água nem tão doce

    Criava uma sereia na banheira. Trabalho, não dava nenhum, só a aquisição dos peixes com que se alimentava. Mansa desde pequena, quando colhida em rede de camarão, já estava treinada para o cotidiano da vida entre azulejos.

    Cantava. Melopeias, a princípio. Que aos poucos, por influência do rádio que ela ouvia na sala, foi trocando por músicas de Roberto Carlos. Baixinho, porém, para não incomodar os vizinhos.

    Assim se ocupava. E com os cabelos, agora pálido ouro, que trançava e destrançava sem fim. "Sempre achei que sereia era loura", dissera ele um dia trazendo tinta e água oxigenada. E ela, sem sequer despedir-se dos negros cachos no reflexo da água da banheira, começara dócil a passar o pincel.

    Só uma vez, nos anos todos em que viveram juntos, ele a levou até a praia. De carro, as escamas da cauda escondidas debaixo de uma manta, no pescoço a coleira que havia comprado pra prevenir um recrudescer do instinto. Baixou um pouco o vidro, que entrasse ar de maresia. Mas ela nem tentou fugir. Ligou o rádio, e ficou olhando as ondas, enquanto flocos de espuma caíam dos seus olhos.


Conto de Marina Colasanti retirado do livro Contos de Amor Rasgados, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1986.

sábado, 13 de agosto de 2022

Pequena Fábula de Diamantina

    Tendo herdado a casa do avô na cidade distante, para lá mudou-se com toda a família, contente de retomar o contato com suas origens. Em poucos dias, já trocava dedos de prosa com o farmacêutico, o tabelião, o juiz. E por eles, ficou sabendo, entre uma conversa e outra, que as casas daquela região eram construídas com areia de aluvião, onde não raro se encontravam pequenos diamantes.

    A notícia incrustou-se em sua mente. Olhava os garimpeiros que à beira de rios e córregos ondulavam suas bateias, olhava os meninos que cavucavam os montes de areia já explorada onde, ainda assim, talvez fosse possível descobrir o brilho amarelado da pedra bruta. Ouvia as estórias de fantásticos achados.

    Por fim, uma tarde, alegando cansaço após o almoço farto, trancou-se no quarto e, afastado o armário, começou com a ajuda de uma faca a raspar a parede por trás deste. Raspava, examinava a cavidade, os resíduos que tinha na mão e que cuidadoso despejava num saco de papel. E recomeçava. Assi, durante mais de hora. Assim, a partir daí, todas as tardes.

    Já estava quase transparente a parede atrás do armário, e ele se preparava para agir atrás da cômoda quando, tendo esquecido de trancar a porta, foi surpreendido pela mulher. Outro remédio não teve senão explicar-lhe o porquê de sua estranha atividade. Ao que ela, armada por sua vez de faca e reclamando posse territorial, partiu para a parede da despensa. Onde, dali a pouco, foi descoberta pela empregada. A qual reivindicou direito às paredes da cozinha. Tão evidentes, que rapidamente as crianças perceberam, atacando cada uma um lado do corredor.

    De dia e de noite, raspam e raspam os familiares, álacres como ratos, abrindo vãos, esburacando entre as estruturas, roendo com suas facas na procura cada vez mais excitada. Abre-se aos poucos a casa descarnada, recortadas em renda suas paredes. Geme o telhado, cedem as estruturas. Até que tudo vem abaixo numa grande nuvem de pó.

    Agora com as unhas, raspam os familiares o monte de entulho. Quem sabe, sob os escombros espera, escondido, o diamante.


Conto de Marina Colasanti retirado do livro Contos de Amor Rasgados, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1986.

Na hora do sono

    O repouso mediante o sono é indispensável ao equilíbrio psicofísico dos seres, especialmente do homem.

    O sono representa um grande contributo à saúde, à harmonia emocional, à lucidez mental, à ação nos diversos cometimentos da existência humana.

    Enquanto se processa o entorpecer de determinadas células corticais, responsáveis pelo sono, liberam-se os clichês do inconsciente, que se transforma em catarse valiosa para a manutenção da paisagem mental equilibrada.

    Sobrecarregado pelas emoções refreadas, pelas reminiscências dolorosas, pelas frustrações, ansiedades, que se transformam em conflitos e complexos variados, o inconsciente se desvela nos estados oníricos, que dão origem aos sonhos, de valor inegável aos psicanalistas para o estudo do comportamento e da personalidade.

    O sono natural é de relevante significação para a vida e sua preservação durante a existência corporal, na qual o Espírito processa a sua evolução.

    Com alguma justeza, alguns estudiosos do psiquismo afirmam que "dormir é uma forma de morrer".

    Parecem-se, sem dúvida, os dois fenômenos biológicos, porquanto, no sono, o Espírito se desprende parcialmente do corpo, enquanto que, na ocorrência da morte, dá-se o desligamento total dos liames espirituais.

    Assim, conforme se durma, ou se morra, isto é, de acordo com as ideias acalentadas e aceitas, manifestam-se as consequências idênticas.

    No caso do sono, o Espírito ressuma as emoções que lhe são agradáveis, acontecidas ou não, o mesmo sucedendo na morte, o que, por sintonia, propicia vinculação com outras mentes, com outros espíritos semelhantes.

    Sonhos ou pesadelos, desdobramentos de pequeno, médio ou longo porte, são resultados do estado emocional do indivíduo.

    Quando busques o repouso, cuida do panorama emocional através da meditação e renova a mente recorrendo à oração.

    Repassa as atividades do dia e propõe-te à reabilitação nos incidentes que consideres infelizes, nos quais constantes os teus erros.

    Não conduzas ao leito de dormir pensamentos depressivos, angustiantes, coléricos, perturbadores...

    Os momentos que precedem o sono devem ser de higiene mental, de preparação para atividades outras, que ocorrerão durante o processo de repouso físico e mental.

    Outrossim, liberta-te das ideias perniciosas que são cultivadas com intensidade. O hábito de as fixares cria condicionamentos viciosos que atraem entidades semelhantes, que se te acercam e exploram-te as energias, exaurindo-te e dando início a lamentáveis processos de sutis obsessões, que se alongam, normalmente, durante o novo dia, repetindo-se, exaustivamente, até além da morte.

    Planeja o bem, vitaliza-o com a mente, vive-o desde antes de dormires, e, tão pronto se dê o fenômeno biológico, amigos devotados do mundo espiritual te conduzirão às Regiões Felizes, a fim de mais te equipares para os tentames, onde ouvirás preciosos ensinamentos, vivendo momentos de arte, beleza e encorajamento, que se poderão refletir nos teus painéis mentais, como sonhos agradáveis, revigoradores, que te deixarão sensações de inefável bem-estar.

    Da mesma forma, quando arrastado aos recintos licenciosos que o pensamento acalenta, o contato com os seres infelizes se transformará em pesadelos inqualificáveis, desgaste e exaustão, que se manifestarão como irritabilidade, indisposição e enfermidades outras.

    Os momentos precedentes ao sono são de vital importância para o período de repouso.

    Assim, não te descures da educação da mente, da manutenção dos hábitos saudáveis e dos programas edificantes, a fim de que todas as tuas horas sejam proveitosas para teu crescimento interior e uma existência de paz.


Texto retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Só uma palavra poderia salvá-lo

    "Há uma palavra a caminho", revelou-lhe a cartomante. "Mas se você a pronunciar, morrerá." E mais não disse, que a bola de cristal, subitamente turva, recusava-se a mensagens.

    Em pânico, resolveu calar-se para evitar o perigo. E já punha a alma em paz, quando percebeu que, embora muda, sua mente dialogava, e, como se atravessa um rio por sobre pedras, varava o silêncio interior, evitando palavras que pudessem estar contaminadas. Temia o risco da palavra pensada.

    Só o sono amordaçaria seu pensamento. Assim decidindo, deitou-se. E dormiu, dormiu, dormiu.

    Mas num esgarçar-se daquele torpor em que voluntariamente mergulhara, o aflorar da consciência comunicou-lhe que no sono sonhava. E no sonho falava.

    Já não lhe era permitido dormir. Nem ficar acordado. Cada letra, cada fonema, cada canção solta no ar podia esconder o alçapão que o precipitaria no negro abismo. Suor gelado empapou-lhe a fronte. Os minutos rosnaram à sua frente. Um dia que fosse já era longo demais. E a morte, de repente, pareceu-lhe um alívio, única salvação possível contra o terror da morte. Mas, sem saber-lhe o nome, como fazer para chamá-la?


Conto de Marina Colasanti retirado do livro Contos de Amor Rasgados, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1986.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Travessuras

Eu insisto em cantar

Diferente do que ouvi

Seja como for recomeçar

Nada mais há de vir


Me disseram que sonhar

Era ingênuo, e daí?

Nossa geração não quer sonhar

Pois que sonhe, a que há de vir


Eu preciso é te provar

Que ainda sou o mesmo menino

Que não dorme a planejar travessuras

E fez do som da tua risada um hino


Me disseram que sonhar

Era ingênuo, e daí?

Nossa geração não quer sonhar

Pois que sonhe, a que há de vir


Eu preciso é te provar

Que ainda sou o mesmo menino

Que não dorme a planejar travessuras

E fez do som da tua flauta um hino


Música de Oswaldo Montenegro gravada em seu então LP de 1990 lançado pela Gravadora Som Livre e relançado em CD posteriormente...

domingo, 7 de agosto de 2022

O Nascimento do Mundo

No início só havia Kore, a energia, vagando na escuridão do espaço infinito. Então veio a luz e surgiram Ranginui, o Pai Céu, e Papatuanuku, a Mãe Terra. Rangi e Papa tiveram muitos filhos: Tangaroa, deus das águas; Tane, deus das florestas; Tawhirmatea, deus dos ventos; Tumatauenga, deus da guerra, que deu origem aos seres humanos; e Uru, que não era deus de nada.

Rangi e Papa viviam num perpétuo abraço de amantes. Acontece que esse enlace apaixonado não deixava a luz penetrar entre seus corpos, onde ficavam os filhos. Obrigados a viver apertados e sempre no escuro, os jovens resolveram dar um basta na situação.

- Vamos matar Rangi e Papa e ficar livres deles! - disse Tumatauenga.

- Não! - disse Tane. - Vamos apenas separá-los, empurrando um para cima e deixando o outro embaixo. Assim sobrará espaço para nós e a luz vai poder entrar.

Todos acharam a ideia excelente.

Tane, que era o mais forte de todos, firmou bem os pés em Papa, encaixou os ombros no corpo de Rangi e o empurrou para cima com toda a força.

Os pais se separaram mas - oh, decepção! - só um pouco de luz chegou ao mundo dos filhos. Além disso, Rangi e Papa estavam nus e, longe um do outro, sentiam muito frio.

Comovido com a situação, Tane abrigou o pai com o negro manto da noite.

Para a mãe fez um vestido com as mais verdes e tenras folhas e as flores mais coloridas. Em torno dela fez ondular as águas azuis dos mares e rios de Tangaroa. Os ventos de Tawhirmatea sopravam suavemente seus cabelos. Os filhos de Tumatauenga já começavam a povoar o mundo recém-criado.

Olhando lá de cima os lindos trajes da mulher e sua participação no novo mundo. Ranginui ficou doente de inveja. Sua dor cobriu o mundo com uma névoa úmida e cinzenta.

Refugiado em uma dobra do manto paterno, Uru chorava e chorava por não ter sido útil em nada aos pais e aos irmãos. Para que ninguém percebesse suas lágrimas, escondia-as em cestas e mais cestas. Mas Tane tudo percebera:

- Uru, meu irmão, preciso de sua ajuda!

- Nada tenho para dar, você bem sabe!

- Ora, Uru, você tem tantas cestas...

Surpreso e com medo de ser descoberto em sua fraqueza, Uru abaixou a cabeça: - Não tem nada dentro delas, irmão.

Tane avançou e destampou uma das cestas. Dela voaram luzes faiscantes e risonhas para todos os lados. As lágrimas de Uru haviam se transformado em crianças-luz (para nós, estrelas)!

- Uru, será que você podia me ceder duas de suas cestas? Seus filhos poderiam enfeitar e iluminar a morada de nosso pai...

Uru concordou. As duas cestas foram passadas para Te Waka o Tamareriti, uma canoa muito especial. Tane conduziu a canoa até o céu, espalhando sobre o manto de Rangi milhares de estrelinhas que riam e piscavam umas para as outras o tempo todo.

Quando Tane ia pegar a segunda cesta, esta tombou e se abriu, deixando as estrelas se espalharem numa grande faixa chamada Ikaroa, que cruzou o céu de lado a lado (para nós, a Via Láctea). Tane deixou Ikaroa e Waka o Tamareriti (que é a cauda da nossa constelação do Escorpião) no espaço celeste, onde se tornaram os guardiães das estrelas.


Lenda Maori recontada por Maria de la Luz. Publicada na Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril.

O rei que virou vaca

    Certa vez, um rei convocou os nobres da corte e declarou que era um vaca. Os nobres ficaram assustados. O soberano disse mais: desejava ser morto e ter sua carne cortada e distribuída ao povo.

    Achando que o rei havia enlouquecido, os nobres convocaram os principais médicos do reino. Remédios e unguentos foram experimentados mas, infelizmente, sem nenhum resultado.

    Enquanto isso, o monarca piorava. Mugia o dia inteiro. Sujava o chão do palácio. Dez vez em quando, saía galopando, dando coices e cabeçadas.

    Passado um tempo, o rei chamou novamente seus principais nobres e ministros. Parecia contrariado. Esbravejou. Disse que, porque suas ordens não haviam sido cumpridas, a partir daquele dia não ia comer mais nada.

    Uma nuvem negra pousou no futuro do reino. O povo, angustiado, acompanhava o drama de seu querido rei, cada vez mais magro, fraco e abatido.

    Um dia, um famoso cientista apareceu no reino. Diziam que era um grande médico. Diziam que era um filósofo capaz de lidar com os mais intrincados segredos da alma humana.

    O sábio foi ao palácio examinar o rei. Deitado na cama, o monarca repetiu ao médico suas alucinações. Mugiu. Confirmou que era uma vaca. Confirmou que seu único desejo era ser morto, cortado e ter sua carne distribuída ao povo.

    Coçando a longa barba, o sábio declarou que o rei tinha razão. Ordens reais eram leis que precisavam ser cumpridas imediatamente. Em seguida, abrindo a porta, chamou o açougueiro.

    Um homem imenso, vestido de branco, entrou no quarto com uma faca na mão. Perguntou onde estava a tal vaca.

    - Estou aqui! - gemeu o soberano, exultante, com os olhos alegres de loucura.

    O açougueiro aproximou-se da cama. Levantou, cuidadoso, a perna fina e branca do monarca. Balançou a cabeça, decepcionado. Aquela vaca estava magra demais. De que adiantava matar um animal que era só pele e osso? Cortar o quê? Distribuir o quê?

    - Primeiro - aconselhou ele -, é necessário que essa vaca aprenda a se cuidar, a comer, dormir direito e caminhar pelas montanhas, até ficar forte, alegre e cheia de saúde.

    Dizendo que só voltaria quando a vaca estivesse no ponto certo, o açougueiro guardou a faca e foi embora.

    A partir desse dia, o rei decidiu alimentar-se de novo. Aos poucos, foi engordando, as cores voltaram a brilhar em seu rosto, ficou forte e acabou esquecendo de vez que um dia havia sido vaca.


Versão de um conto popular recontado por Ricardo Azevedo publicado na Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Outubro de 1999.

sábado, 6 de agosto de 2022

Cruz de Provações

    Anotas, angustiado, as ocorrências afligentes da existência e não podes sopitar as exclamações de pessimismo, considerando-te desditoso.

    Referes-te a enfermidades dilaceradoras que te alcançaram durante a existência física e arrolas os sofrimentos morais que te surpreenderam, inúmeras vezes, aturdindo-te e desencorajando-te.

    Registras soledade nos momentos ásperos, como se a tua vida não tivesse qualquer significado para aqueles que te cercam no grupo familial ou social no qual te demoras.

    Consideras as ingratidões que te feriram a alma, reiteradas vezes, partidas de pessoas às quais brindaste afeto, enriquecendo-lhes as horas de devotamento, de bondade e de alegria.

    Muitas vezes, foste surpreendido pela calúnia infeliz que te azucrinou as horas, recebendo a bofetada do descrédito que te não poupou os valores morais íntimos.

    Em outras ocasiões, foste surpreendido pela ironia de pessoas simpáticas em quem confiavas, relatando-lhes os limites e problemas, de que então se utilizaram para levar-te à praça da zombaria.

    Sentes cansaço; agora acalentas o tédio, a desconfiança, entregando-te à decepção.

    Reage e reflexiona com isenção de ânimo.

    Esta é a tua cruz de provações.

    Todas as criaturas transitam no mundo sob madeiros pesados, que lhes arrebentam as resistências, afligindo-as, amedrontando-as. Todavia, não é esta a finalidade deles, alguns invisíveis, portanto, mais dilaceradores.

    Ignoras as dores ocultas do teu próximo, que se encontra atirado sobre catres misérrimos ou imobilizado por paralisias insidiosas, irrecuperáveis.

    Não sabes das decepções que asfixiam os portadores do mal de Hansen, da Aids, da decomposição orgânica em vida, nem das macerações da alma, que empurraram para os pélagos da loucura verdadeiras multidões...

    A dor, na Terra, ainda é processo expurgador de mil delitos que não foram justiçados e de vícios hediondos que permaneceram ocultos.

    A Misericórdia de Deus faculta ao espírito calceta recuperar-se pelo sofrimento, depurar-se mediante a cruz das provações, em cujas traves reconsidera atitudes, programa atividades dignificantes, alça-se ao bem.

    Assim mesmo, não são poucos aqueles que, ao invés de retemperarem o ânimo na forja da agonia, deixam-se consumir pelas chamas da revolta, que somente piora e própria situação.

    Aberto à Vida está o amor. Todavia, ei-lo vilipendiado no chão da mesquinhez e na promiscuidade do primitivismo.

    Possuidor dos recursos de edificação, é posto nos desvãos de delinquência, permanecendo nos porões do vício...

    O amor, no entanto, é o hífen de ligação do homem com o seu irmão e com Deus, quando logra permear de vida aquele que se lhe permite penetrar.

    Deste modo, se te sentes atado à cruz das provações dolorosas, adorna-a com as flores do amor fraterno, transformando as tuas dores em fontes de esperança em relação ao futuro.

    Com resignação dinâmica, supera os momentos mais graves e alegra-te, tendo em mente que dos braços dessa cruz te alçaras mais rapidamente à elevadas esferas da libertação.


Retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Folhas Secas

    Eu estava dando uma aula de Matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente. Todos?

    Quase: Carolina equilibrava o apontador na ponta da régua, Lucas recolhia as borrachas dos vizinhos e construía um prédio, Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo vermelhíssimo e Hélder olhava para o pátio.

    O pátio? O que acontecia no pátio?

    Após o recreio, dona Natália varria calmamente as folhas secas e amontoava e guardava tudo dentro de um enorme saco plástico azul. Terminando o varre-varre, dona Natália amarrou a boca do saco plástico e estacionou aquele bafuá de folhas secas perto do portão. Hélder observava atentamente. E eu observava a observação de Hélder - sem descuidar da minha aula de Matemática. De repente, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa.

    Qual o motivo do espanto?

    Hélder percebeu alguma coisa no meio das folhas movendo-se desesperadamente, com aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava possibilidades, mas o perfil do passarinho já se delineava na transparência azul do plástico. Um pássaro novo tinha caído do ninho e, confundido-se com as folhas secas, foi varrido e agora lutava pela liberdade.

    - Ele tá preso!

    O grito de Hélder interrompeu o final da multiplicação de 15 por 127. Todos os alunos olhavam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do passarinho tentava romper aquela estranha pele azul. Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. E antes que eu pudesse pronunciar a primeira sílaba da palavra "calma", o saco plástico simplesmente explodiu, as folhas voaram e as crianças pularam de alegria.

    Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros viram três passarinhos voando felizes e agradecidos. Lucas diz que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu, sinceramente, só vi folhas secas voando.

    E, para concluir esta inesquecível aula de Matemática, pegamos vassouras, pás e sacos plásticos e fomos varrer novamente o pátio.


Conto de Francisco Marques (Chico dos Bonecos) publicado na Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Novembro de 1999.

Anunciação

Na bruma leve das paixões que vem de dentro

Tu vens chegando pra brincar no meu quintal

No teu cavalo peito nu cabelo ao vento

E o sol quarando nossas roupas no varal

Tu vens tu vens

Eu já escuto os teus sinais

A voz do anjo sussurrou no meu ouvido

E eu não duvido já escuto os teus sinais

Que tu virias numa manhã de domingo

Eu te anuncio nos sinos da catedral


Música de Alceu Valença que faz parte do então LP Anjo Avesso, gravado em 1983 e lançado pelo Gravadora Ariola. Relançado, posteriormente em CD em uma caixinha com três títulos: os discos de 1981 (Cinco Sentidos), 1983 (Anjo Avesso) e 1984 (Mágico). Os outros LPs desse época foram relançados de forma avulsa...